Ulrich Duchrow, professor de teologia sistemática na Alemanha, na tentativa de explicitar as dificuldades e as oportunidades apresentadas à teologia pelo mundo de hoje, toca numa das questões mais espinhosas para quem se põe na perspectiva de pensar uma alternativa mais humana às nossas formações sociais.
O capitalismo produziu pobreza crescente, miséria e destruição da natureza em nível mundial. O mais trágico no momento presente é que depois de mais de 50 anos do estabelecimento do atual sistema econômico em Bretton Woods e do colapso do socialismo real parece não haver alternativas plausíveis que possam barrar os mecanismos ameaçadores da vida da ordenação econômica capitalista mundial.
Neste contexto, é urgente a busca de alternativas, que começa em primeiro lugar pela coragem e pela obrigação da fazer perguntas inaceitáveis no mundo de hoje. Uma primeira observação sobre nossa situação é que para ele, mesmo nas crises dos poderes econômicos e políticos, a segurança do poder ideológico parece inabalável. A hegemonia atual do pensamento neoliberal não aconteceu por acaso: ela foi longa, eficiente e sistematicamente preparada através da formação de redes transnacionais de teóricos que se empenharam na construção de institutos de pesquisa em todo o mundo e se infiltraram estrategicamente em universidades, na mídia, em instituições políticas, culturais etc.
Daqui brota, então, uma pergunta básica para a teologia: como ela pode ajudar a construir um trabalho teórico interdisciplinar a respeito de alternativas a esta hegemonia neoliberal? Esta é certamente uma pergunta central no mundo de hoje para quem está convencido do papel importante que as religiões e conseqüentemente suas teologias podem exercer na configuração da vida coletiva.
É neste contexto que uma questão se revela como questão-chave: a questão da propriedade precisamente porque a propriedade privada dos meios de produção é uma coluna-chave do capitalismo dominante e a propriedade estatal fracassou. Quais são, então, as alternativas que nos permitam recuperar os recursos da Terra para o uso sustentável de todas as pessoas e, portanto, para a superação da situação de morte em que vivem bilhões de pessoas no planeta, assim como a superação da sua destruição sistemática?
Têm surgido em muitos países, inclusive no Brasil, reflexões alternativas a respeito do desenvolvimento comunitário autogestionário e da emancipação do trabalho humano. Há em todo mundo experiências em curso que apontam para um futuro diferente e nos estimulam a pensar alternativas. A característica básica destas experiências é que os trabalhadores têm assumido a tarefa de reorganizar eles mesmos a produção, as finanças, o crédito, o comércio, o consumo, os serviços na base da cooperação e da solidariedade.
Isto, como nos relata Marcos Arruda*, tem levado à criação de empresas autogestionárias nas quais valores novos — a cooperação, a complementaridade e a solidariedade — regem as relações, não somente no interior das firmas, mas nas relações com outras empresas e comunidades. Nestas experiências percebe-se que a eficiência não existe mais simplesmente em função de mais lucros e menos custos, mas acima de tudo em função de mais dignidade da vida e do trabalho humanos.
O mais radical nestas experiências é a percepção de que um horizonte novo de valores pode reger a vida e levar a um mundo institucional diferente: a reciprocidade e a solidariedade podem reestruturar pelas raízes o mundo econômico e toda a existência humana.
*Socioeconomista e educador, Marcos Arruda é coordenador geral do PACS-Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul, membro do Instituto Transnacional, com sede em Amsterdã, e da equipe internacional de animação do Pólo de Socioeconomia Solidária, da Aliança por um Mundo Responsável e Solidário. Integra a secretaria do Fórum de Cooperativismo Popular do Rio de Janeiro e tem publicado extensamente no Brasil e no exterior, trazendo elementos para a construção de fundamentos mais sólidos a uma nova práxis social.
CONTATE O COLUNISTA
Manfredo Araújo de Oliveira é sacerdote diocesano, Mestre em Teologia pela Universidade Gregoriana, Doutor em Filosofia e professor na Universidade Federal do Ceará (UFC)