28 março 2015

DO QUE PRECISAMOS


Boi de Piranha*



É preciso muita coragem para se entrar numa guerra. Mas é preciso de muito mais para sair dela.

O povo do mundo é uníssono, todo parecidinho, nem sei o porquê de tanta inveja. Entre nós cresce a globalização, sinal de desindividualização, da descriatividade, de privilégio à produção (pensamento e ação) em massa, em detrimento da inteligência.

As pessoas “griffadas” ouvem, veem, falam e gostam das mesmas coisas, aquilo que vende muito — não por coincidência o que jornais, rádios, revistas, outdoors e televisão insistem ser fenômeno, ser bonito, ser "o melhor".

Para se viver, adotamos patrocinadores. Enquanto consumimos, somos consumidos. É o sistema que abraçamos, enquanto ele nos crava as unhas nas costas.

O dinheiro, grande olho da providência — deus maior da (des)humanidade a render-se ao seu credo (ou crédito), — convencido de controlar a todos e a tudo, destruir vidas, sentimentos, laços familiares, e corromper até os grandes sacerdotes, pondo abaixo os ideais mais aguerridos, cada vez mais concentrado — se existem mais ricos é porque nós estamos cada dia mais pobres —, aumenta a selvageria entre os iguais numa sociedade desigual, onde o custo de vida e a desesperança se tornam cada vez maiores.

A escola pública, possível no passado, foi desmoralizada, juntamente com seus agentes, para que a escola privada — tabletizada e iPadizada — nos provasse todos os dias que a sua irmã pobre é uma perdedora, destinada a não chegar à Universidade, não fosse escada proúnica levantada, por favor, pelo governo.

A Saúde Pública, com o tempo, adoeceu, e nos convenceram de que a vida não seria possível sem ter o tal plano de saúde — plano este que, basta precisar dele para se adoecer gravemente... de raiva! — e, agora, a medrosa segurança pública que não existe, claro, nem nunca vai existir, pois não precisamos de mais leis, mais cadeias, nem de mais policiais, além do que, quanto mais se criam leis, constroem cadeias e se contratam policiais, mais teremos confirmada a inferioridade do nosso povo e a incompetência do nosso governo.

Para se ter segurança, precisamos investir em Educação (não apenas de mais escolas ou de mais professores, mas de formação continuada, de qualidade e de recursos bem geridos), Cultura (reconhecimento de nossos artistas, de nosso patrimônio, de nossa identidade e aprender a olhar de frente para a nossa gente), Saúde (menos tecnologia, mais humanidade, saneamento básico, maior salário e condições de moradia digna), Justiça (menos juízes, menos advogados, menos privilégios, mais rigor e honestidade) e Lazer (precisamos formar e investir nos talentos locais, pois dá para fazer um bocado de coisa com os cachês astronômicos pagos a artistas “de fora” ou aos “artistas” que servem unicamente ao poder da vez).

Temos que aprender a olhar para baixo. De ônibus, pelas janelas, a cidade feia como nunca, e, pior, tomada pela miséria (estética e funcionalmente). Famílias inteiras morando nas ruas, crackando nas calçadas e até roubando à luz do dia.

Percebe-se: o cerco está se fechando. A miséria — não os pobres — e a violência estão chegando à nossa porta. Nosso egoísmo, ignorância e covardia, nossa ruminante inutilidade de gado, alimentam o monstro que um dia emergirá da lagoa, tão horroroso e cruel, penso, que não poderemos suportar.

Nesse mundo, quem acredita, quem ainda sofre de indignação pela injustiça alheia, quem de fato se solidariza com a dor do Outro — e não apenas repete lamentos vazios de “gente boazinha e religiosa” ou discursos naftalínicos de ideologias de palanque —, esse é como “boi de piranha”, escolhido ao sacrifício para que a manada toque em frente.

A guerra, para ele, sem “pasta”, púlpito, tribuna ou paletó, será a sua ruína. Cansado, com “a leve impressão de que já vai tarde”, encaixota a voz e o coração, e tira sabe Deus de onde a coragem para dizer que “chega!”

*Raimundo Alves Ferreira Netto é escritor, designer, quadrinhista e produtor cultural.

09 março 2015

SEJA PACIENTE


Medo: matéria-prima
da indústria farmacêutica*



Como os laboratórios globais manipulam insegurança e
desemparo quotidianos para multiplicar vendas —
desrespeitando, se necessário, a saúde dos pacientes

Muito antes da internet e da publicidade direta ao consumidor, a profissão médica tentava tranquilizar as pessoas sobre suas preocupações de saúde. Claro, fadiga e dores de cabeça poderiam ser sintoma de um tumor cerebral; certo, tosse poderia ser um sintoma de câncer de pulmão. Mas a maioria dos médicos tentava atenuar o medo – ao invés de semeá-lo. Lembra do “tome duas aspirinas e me ligue pela manhã?”

Projetemos isso para os “guias de sintomas” online de hoje, testes para ver se você tem uma determinada doença e exortações para que vá a seu médico, mesmo que se sinta bem. Desde que a indústria farmacêutica descobriu que medo de doenças e até a hipocondria vendem drogas, as novas doenças, sintomas e riscos com que as pessoas precisam se preocupar parecem não ter fim.

Vender sintomas para pessoas sugestionáveis tem sido uma mina de ouro para as grandes transnacionais farmacêuticas desde que começaram a fazer propaganda diretamente ao consumidor, no final dos anos 1990. Graças a tal marketing, que na verdade “vende” doenças para construir a demanda, milhões de pessoas que já estiveram muito bem têm agora alergias de estação, Gerd (Doença do refluxo gastroesofágico), distúrbio de atenção, distúrbio de dor e outras “doenças”.

Não se trata de ignorar sofrimento legítimo. Mas para muita gente, a relação com os medicamentos prescritos é melhor expressa na camiseta que diz “Tomo aspirina para a dor de cabeça causada pelo Zyrtec, que uso contra a rinite alérgica que adquiri com o Relenza para a dor de estômago da Ritalina que eu tomo para o déficit de atenção causado pelo Scopoderm, que uso para o enjôo que me dá o Lomotil, que tomo para a diarréia causada pelo Xenical que tomo para perder o peso ganho com o Paxil que tomo para a ansiedade que me dá o Zocor, que uso para o colesterol alto, porque praticar exercício, boa dieta e tratamento quiroprático regularmente dão muito trabalho” (uma camiseta que nem pode ser vestida por gente que usa tamanhos pequenos…)

Eis algumas das estratégias que a indústria farmacêutica usa para manter o público comprando drogas.

1. Medo de envelhecer e perder o apetite sexual

As terapias de de reposição hormonal (TRH), que milhões de mulheres fizeram até cerca de dez anos atrás, eram oficialmente vendidas para acabar com as ondas de calor e manter os ossos fortes. Mas, extraoficialmente, era difundidas como um modo de manter-se jovem e sexy.

Anúncios publicitários de terapia de reposição hormonal precoce diziam às mulheres que elas tinham “sobrevivido aos seus ovários” e não se mantinham à altura de seus maridos, que queriam mulheres com aparência mais jovem. Quando descobriu-se que TRH aumentava o risco de ataque do coração e câncer (“sentimos muito por isso”), as drogas para fortalecer os ossos assumiram o papel de portadoras mensagem da indústria farmacêutica (“não fique velha!”) para as mulheres.

Agora a indústria está dizendo aos homens que eles também necessitam de terapia de reposição hormonal para sua “baixa testosterona” e para manter sua potência sexual. A TRH masculina não parece mais segura que a feminina.



2. Medo de sintomas que parecem benignos

Antigamente, pessoas com azia tomavam Eno, Alka Seltzer ou Sonrisal e juravam não comer muito. Não se preocupavam se tinham refluxo gastroesofágico (Gerd), estavam a caminho de um câncer do esôfago; nem tomavam inibidores de bomba de prótons para o resto de suas vidas. Da mesma forma, embora a depressão possa causar um sofrimento inimaginável, é também verdade que a tristeza ocasional – a dor causada por problemas no casamento, na família, no trabalho, pela situação financeira ou mesmo a perda de alguém amado – faz parte da vida.

Mas o marketing das grandes farmacêuticas sugerem que você deveria ir correndo ao médico, no instante que sentir-se mal; e se pendurar em “pílulas da felicidade” por uma década ou mais. Claro que o grande sucesso da indústria ao produzir medo em torno de sintomas benignos está convencendo pais e professores de que crianças saudáveis e muito ativas estão sofrendo de ADHD (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade).



3. Medo de novas doenças

Quem se lembra da Síndrome do Atraso das Fases do Sono, ou da Síndrome das 24 Horas em dormir, diagnosticadas para pessoas que provavelmente não dormiam suficientemente? Doenças obscuras sobre as quais a indústria farmacêutica “aumenta o alerta” não são inventadas – mas elas são tão raras que não seriam jamais tratadas em publicidade, a menos que a indústria estivesse tentando criar “demanda” para medicamentos caros – inclusive porque não há exame de sangue ou de laboratório confirmando um diagnóstico.

Há pouco, a AbbVie, uma empresa farmacêutica norte-americana, lançou duas campanhas, promovendo drogas de alto custo, para convencer pessoas com dor nas costas que eles tinham espondilite anquilosante; as pessoas com diarreia de que tinham insuficiência pancreática exócrina... Será que as pessoas com sintomas ou doenças realmente precisam que a indústria farmacêutica lhes diga quando ir ao médico e o que elas têm?



4. Medo de que seus filhos não sejam normais

O ADHD (“transtorno do déficit de atenção com hiperatividade”) não é a única receita da indústria farmacêutica para medicalizar e monetizar a infância. As birras são agora chamadas “Transtornos de Humor”. Graças à “psicofarmacologia pediátrica”, as crianças estão cada vez mais diagnosticadas com transtorno desafiador opositivo (DDO), manias mistas, fobias sociais, distúrbios bipolares, transtornos de conduta, depressão e transtornos do “espectro”. Por que a indústria gosta de crianças? 

Crianças são pacientes submissos que farão o que seus pais, professores e médicos mandarem, diz o ex-promotor de vendas da indústria farmacêutica Gwen Olsen, autor de Confessions of an Rx Drug Pusher [“Confissões de um Vendedor de Drogas”]. 

Eles são os “tipos de paciente ideal porque representam prescrição contínua, obediente e longeva. “Em outras palavras, eles vão ser pacientes ao longo da vida e renovar o estoque de clientes para a indústria. Não é exagero. Além disso, além de consumirem drogas pesadas e desnecessárias, muita crianças apresentarão reações que exigirão mais drogas, para tratar dos efeitos colaterais.

5. Medo de que sua droga deixe de produzir efeitos

Desde que as grandes indústrias farmacêuticas descobriram que era fácil acrescentar mais drogas a uma droga original — seja para crianças ou pessoas com doenças mentais –, começou a era das drogas “agregadas” e das condições “resistentes a tratamento”. Seu remédio pode não funcionar, dizem novas campanhas do Alility ou Seroquel, porque você precisa de uma segunda droga para ativar a primeira e torná-la mais efetiva. 

A redefinição da depressão, para vender medicamentos, foi particularmente furtiva. Médicos financiados pela indústria reclassificaram a doença como uma condição para a vida toda, que requer uso permanente de drogas. E há mais! Quase sem evidência médica alguma, a depressão foi considerada “progressiva” — o que, é claro, ampliou seu potencial de produzir medo. 

“À medida em que o número de grandes episódios depressivos aumento, o risco de episódios subsequentes é previsível”, alertava um artigo denominado “Neurobiology of Depression: Major Depressive Disorder as a Progressive Illness” [“Neurobiologia da Depressão: o Grande Distúrbio Depressivo como Doença Progressiva”], publicado no site médico Medscape, e ladeado por anúncios do antidepressivo Pristiq.


6. Medo de doenças silenciosas

E se você não apresentar sintomas e estiver se sentindo bem? Isso não significa que você não sofre de condições silenciosas, que podem estar ameaçando sua saúde sem que você saiba. Nenhuma pílula, na história, foi tão bem sucedida como a estatina Lipitor, com sua campanha de TV “Know Your Numbers” [“Conheça seus Números”] e o medo crescente de ataques cardíacos relacionados ao colesterol. 

Milhões de pessoas usam estatinas para proteger contra o medo de doenças cardíacas silenciosas, embora recentemente, em alguns estudos, o colesterol tenha sido excluído, como risco central de doença cardíaca (ainda bem que a patente do Lipitor expirou…). 

Também as campanhas da indústria farmacêutica que amedrontam as mulheres sobre perda silenciosa de ossos venderam drogas anti-oesteosporose como Fosamax, Boniva e Prolia, ao convencerem mulheres que algum dia, sem nenhum aviso, seus ossos em processo de enfraquecimento irão se partir. A previsão era verdadeira, com um pequeno detalhe: algumas das mulheres cujos ossos estalaram estavam usando drogas anti-osteosporose, e seus efeitos colaterais passaram a incluir fraturas!



*Martha Rosemberg é jornalista para The Consumers' Digest, 

The Boston Globe, The San Francisco Chronicle,
The Chicago Tribune, 
The New Orleans Times-Picayune,
The Los Angeles Times,
The Providence Journal e Newsday.
É também cartunista em www.evanstonroundtable.com. 
Conteúdo publicado em www.alternet.org.
Tradução de Inês Castilho e Antonio Martins
(Imagem: O doente imaginário (1856), por Hónoré Daumier) 



02 março 2015

MEIO AMBIENTE


Quando o dinheiro acaba com a riqueza*


O leitor não se assuste com o título, aparentemente contraditório. É que estive nas férias de início de ano em Bonito/MS, próximo ao Pantanal Matogrossense.

Fiquei encantado com a natureza, a se mostrar exuberante: vegetação belíssima, fauna diversificada, preservada em mananciais e florestas mediante uma consciência ambiental raramente vista. 

Fascinado com esta riqueza, me veio ao mesmo tempo a triste sensação de que locais como aquele deveriam existir, aos milhares, em todo o território brasileiro. Ao invés, assistimos estiagem atípica, que vai além dos limites tradicionalmente impostos pelo semiárido nordestino. 

Mesmo a região Sudeste, abençoada pela Mata Atlântica, apresenta situação na qual a população pena para conseguir o que deveria ter — porque tradicionalmente sempre teve — em profusão: água para beber.

O exemplo de São Paulo é clássico. Na cidade que se orgulha de dizer que “nunca para”, a indústria e o comércio, em nome da expansão indiscriminada das necessidades do capital, exterminaram rios, lagos e reservas florestais, condenaram espécies à extinção, comprometeram o equilíbrio do meio ambiente e transformaram os recursos naturais — a meu ver a verdadeira riqueza, presente divino — num entorno de poluição, onde a convivência entre seres humanos é apenas suportável. 

O dinheiro atropelou esta riqueza, usando como justificativa uma visão de progresso insana.
Em menor grau, os mais pobres, geralmente por ignorância, têm sua culpa no processo de poluição. Mas os mais ricos, teoricamente bem-educados, são os maiores responsáveis, pela produção volumosa de detritos e agentes químicos. 

A natureza, que não faz o jogo do mercado, cobra agora sua conta de outra forma. É lamentável que milhões de pessoas, a maioria carentes, sofram pela ação predatória dos ricos. 

É paradoxal ver cidadãos sem água à beira do Tietê, rio morto em decorrência da ganância.

 “A criação geme em dores de parto”, diz a Epístola de São Paulo aos Romanos (8; 22). O grito da natureza está mais alto e perceptível mesmo aos que não querem ver. 

Gandhi ensina: “A cada dia a natureza produz o suficiente para a nossa carência. Se cada um tomasse apenas o que lhe fosse necessário, não haveria pobreza no mundo e ninguém morreria de fome”. 

O que se espera é que cada um(a) perceba a necessidade da preservação. E que o Estado estude formas de punir responsáveis por este absurdo: aqueles que colocaram o lucro como meta de vida, acima das reais necessidades humanas.


*Vanilo Cunha de Carvalho Filho é diretor-executivo 
da Escola Superior de Advocacia do Ceará.
Publicado em www.opovo.com.br


ENCHEU A SACOLINHA



Só zumbis aprovam volume morto*



Zumbis, como sabem todos que assistem a essas séries tipo walking dead, não pensam, não têm emoções e, literalmente, cagam e andam, meio capengas, para o restante da humanidade viva e pensante. Todos querem apenas sobreviver, isso é certo.

Zumbis e vivos apenas diferem no modus operandi. Aqueles não criam estratégias ou manhas para seus amanhãs. Estes, têm visão da continuidade.

No Brasil, às vezes, como agora, parece que viramos zumbis de vez. Por opção ou despirocação. Os líderes-zumbis do governo dão entrevistas e, à conta-gotas, contam a verdade sobre a crise da falta de água. 

Pode observar as fotos e vídeos. Dizem mais que as falsas palavras. Todos falam com naturalidade do tal volume morto, com garrafinhas de água mineral ao lado para umedecer as bocas secas de mentiras.

E o zumbi-povo quer acreditar porque é assim que a história e a biologia comprovam: ontem como hoje, o gado segue o líder. Nem que ele os leve para o abismo. Somos todos zumbis, brasileiros sem cérebros, lá na cobertura e no porão da desigualdade social.
Choque de realidade não surte efeito em zumbis, de A a Z.

Nem o zumbi classe A vai renunciar ao seu conforto e privilégios, nem o zumbi classe Z vai deixar de lado sua alienação e a esperança de, um dia, virar classe A sem esforço.

Sendo prático e ecossocialista, desculpem-me os socialistas que pararam no tempo em que as questões eram apenas marxistas e econômicas e de esquerda ou direita. O ecossocialismo chegou para lembrar que estamos todos no mesmo barco, essa nau insegura chamada Terra, prestes a naufragar em nossas mesquinharias e ultrapassadas convicções.

Nem Marx, nem Jesus. Apenas a frágil humanidade à deriva no mesmo Titanic. Mas voltemos ao que a bússola do tempo, esse climatempo wébico 24 horas on-line, nos diz, inutilmente, todos os dias: os zumbis, que já estão mortos em vida, vão morrer de novo de sede na praia.

Nos entornos das represas — Guarapiranga, Cantareira etc. — estão milhares de zumbis-povão — como dizem as hipócritas reginas casés, membros da comunidade, usando o eufemismo de favela e passividade — faturando em cima da glamourização favelística. 

Esses zumbis jogam cocô, lixo e cadáveres, diuturnamente, numa boa, nas águas já sujas das represas vizinhas de seus barracos de ocupação ilegal.

Barraqueira, lato sensu, é isso aí: nóis suja mesmo, mas somo inocentes, dotô! E, se insistir, nóis convoca as trocentas ONGs de direitos humanos que faturam para nos proteger e para nos manter assim, porcos na merda, senão elas não têm como sobreviver!

A pergunta de alguns zumbis, tipo eu, com restinho de cérebro, que não podem se calar, é bem simples, bem povão: Quem vai ter coragem de peitar os zumbis favelados? Como tirá-los da vizinhança das represas?

É ilegal eles lá? Sim. Querem mudar? Não.

Mas os zumbis do phoder não se mexem. Eles são cúmplices, hermanos, isso aí, mano.
Pano rápido, vamos olhar os mananciais, as nascentes, onde tudo começa. E já começa mal.

Secando, porque precisam de no mínimo 150 metros de mata, de lado a lado. Mata não, mato comum serve. Os agricultores até já sabem. Porém, zumbis que são, exageram nos agrotóxicos em suas lavouras, para extirpar as ervas daninhas, e são bem-sucedidos até demais. Acabam com a mata ciliar das nascentes.

Como no Brasil ninguém é culpado de nada, estão desculpados. Afinal, aqui todos têm profundo respeito pelo verde. O dólar é verde. E até reais são chamadas de verdinhas.

Daí vem a saia-justa, na falta de camisa-de-força, dos zumbis autoridades (ir)responsáveis: contar que as chuvas torrenciais não alteram o nível das represas. Funcionário público brasileiro é tudo igual: ganha para trabalhar e corresponde trabalhando muito, contra os cidadãos, criando mais burrocracia, mais mordomias, mais propinas e menos eficiência, presteza, meritocracia. 

O funcionário público é uma privada, uma caixa-preta, uma fossa. Quem vai enfrentá-los? Cidadão fica na sua, óbvio, paga o mico e sai com seu papelzinho carimbado. Igual papel higiênico manchado de merda.

Represas como a Cantareira sempre foram abastecidas pelas nuvens de água, ou rios de água produzidos lá nas florestas amazônicas. Acabaram com as florestas, the end para os rios de nuvens de água que, soprados pelo vento, caíam aqui no Sul-maravilha.

Quem vai questionar e enquadrar a poderosa indústria do agronegócio, com suas lavouras predatórias de soja e  cana-de-açúcar e com os pastos de gado? Ninguém, muito menos os zumbis, afrontam esse átila, que por onde passa não cresce grama.

Enquanto isso, os zumbis tomam goles e goles do volume morto, numa boa. Uma nação quase inteira unida no esquizofrênico funk ostentação. Quem precisa de H2O se não faltam cerveja, nem marias-gasolinas e nem esmolinhas sociais?

A minoria com cérebro, acossada, cercada, politicamente incorreta, nem chora para não desperdiçar água. Perdeu, perdemos, playboy.

Sem água não há energia elétrica nem futuro nem vida, se é que isso que está ocorrendo pode ser chamado de vida. Pelas leis da biologia, da física e do bom-senso, a tal da vida é apenas um rio que corre sem parar. Estas leis foram revogadas pelos zumbis-políticos, petralhas ou não, atendendo aos seus eleitorados zumbis.

Brasileiro virou (ou já era assim?) versão tupiniquim de terrorista árabe. Homens-bomba sorridentes e mulheres sem burcas. Por fora, belas violas; por dentro, pães bolorentos.

No céu de Alá dos trópicos não nos esperam sete mil virgens, felizmente, ufa. Apenas piriguetes siliconadas. E, tomara, fartura de água. Podre, suja. Ninguém vai reclamar, claro.

Estamos acostumados e acomodados ao inferno mixuruca daqui debaixo, oras bolas.
Fazemos uma selfie, pagamos o dízimo, tomamos um antidepressivo e vamos pular no bloco de carnaval Zumbis Unidos Jamais Serão Vencidos.

Volume morto não é a questão, nem a pergunta principal, nem a solução. Volume morto somos nós todos. Zumbis com, minoria, ou sem cérebro, maioria.

A lamentar, se fossemos sinceros, que hoje não vai dar para assistir ao BBB nem sair para a balada!

Vamos todos protestar no Facebook. Nas ruas não, que é perigoso. Elas são dos PCCs e dos black-blocks e dos sindicatos pedindo aumento de salários, e nunca de melhorias dos serviços prestados. Curtiu?

Já encheu a sacolinha!
E eu, boboca sempre pré-ocupado com os animais e a natureza, também sofro da síndrome do saco-cheio com essa história das sacolinhas de supermercados.

Como sou também dublê de dona-de-casa atualizada e atenta aos imperativos ecológicos destes tristes tempos nestes tristes trópicos, ouço e converso muito com a mulherada durante as compras. Dicas de culinária, banalidades em geral, e até ocasional papo-cabeça.

Infelizmente, tive de deixar de lado o assunto das sacolinhas. A maioria das consumidoras lamenta e detesta o fim desse conforto que é enfiar as compras em mil saquinhos plásticos e depois jogar fora para poluírem os bueiros, os esgotos, os rios e os mares. 

A maioria é gente boa de milhões de amélias que cuidam bem do lar, mas não estão nem aí para o lar de todos, a nossa Terra. Zelam pela família, mas não incluem nela os peixes e outros animais marinhos que irão morrer, engasgados e sufocados, pelas malditas embalagens descartadas.

Como Freud, desisti de entender as mulheres, ao menos estas alienadas que vejo e observo fuçando as prateleiras. Só não desisti é de protestar contra os governantes, autoridades e funcionários públicos (aqueles burrocratas que nos atendem para nos ferrar e justificar seus carguinhos e o cartaz que diz que não se pode ofender funcionário público), que superam os cidadãos consumidores em hipocrisia e miopia ambiental.

Até quando acerta, esse bando erra feio. Primeiro, proibiram as sacolinhas. Ok, foi gol, na trave. Os supermercados faturaram pacas em sacolas retornáveis e se livraram de uma despesa.

Daí entrou o lobby dos fabricantes e as nefandas camisinhas de comestíveis voltaram.
Não ouvi ninguém reclamando, só elogiando. Por isso calei minha boca grande diante de minhas amigas sofredoras, digo, consumidoras. A quase ninguém ocorre ter pouco mais de trabalho para muito ajudar o planeta.

Apenas uma senhorinha, até hoje, me apoiou: certo seria não comprar latinhas, mas levar as garrafas de cerveja e encher o caneco; ter sua própria sacola ou carrinho no leva-e-traz; não comprar mais que o necessário, e por aí vai. Não resolve, mas alivia a barra do planeta.

Agora, as otoridades aqui em Sampa botaram o prego no caixão: só usaremos sacolinhas verdes. Traduzindo: sacolinhas feitas de cana-de-açúcar. Segundo os FDPs (filhos da prefeitura), elas suportam até três garrafas pet cheias, anunciaram com orgulho.

Seria de rir, não fosse pra chorar: lucra a lavoura canavieira que, com aval verde, avançará sobre as matas nativas; lucra a indústria das garrafas pet, que esmerdeia as águas; lucra o político demagogo. Só não lucra o meio ambiente.

Ah, sim, lembrei: não estou atacando os petistas, nem aecistas, nem quejandos. Pelo que também vejo, ouço e converso nos supermercados das ideologias, o tema do ecossocialismo é tabu. Das sacolinhas, então, nem se fala.


O Rio das Tripas e o Tietê
Mais que a vida real, a História e a Poesia nos ensinam, cada uma à sua maneira. Aquela, pelos fatos; esta, pelas emoções. E, bem recentemente, as três se juntaram para me dar uma preciosa lição.

Fui assistir ao belo espetáculo Por Um Rio, projeto da poetisa Ieda Abreu. São poemas escritos nos últimos 200 anos sobre o Rio Tietê. Águas limpas se transformando em esgoto a céu aberto, diante do olhar, ora apaixonado, ora estarrecido, de nossos poetas paulistanos.

Depois, lendo sobre a colonização do Brasil, perdi o sono de vez. Por causa do pesadelo vivido pelo Rio Tietê. Mas principalmente por um seu ancestral, o Rio das Tripas.

Voltemos a 1551: finalmente o Brasil ganhava uma cidade de verdade, em Salvador, Bahia.
A água para se beber (tomar banho não, que portugueses colonizadores e brasileirinhos não eram chegados nisso, exceto os índios) era mui farta, graças a um belo rio que contornava a recém-nascida capital.

Só que as “otoridades” da época construíram um matadouro de gado. E as vísceras bovinas eram jogadas no rio. Daí ele ficou conhecido como Rio das Tripas.

Era costume jogar o lixo doméstico (inclusive o conteúdo dos urinóis) nas ruas, mas as "otoridades" proibiram e eles passaram a ser jogados no pobre Rio das Tripas.

Para piorar, as tropas de mulas com mantimentos e mercadorias que chegavam ao povoado tinham de atravessar o rio. Havia verba para a construção de algumas pontes, que nunca saíram do papel porque o dinheiro foi roubado (bem diferente de hoje, né?).

Resultado: apenas dois anos depois, os moradores não podiam mais contar com o Rio das Tripas, apodrecido, e tiveram de cavar poços.

Como se viu e se vê, o Rio Tietê faz parte de uma linhagem maldita de rios emporcalhados há séculos. E não adianta a História e a Poesia contarem e cantarem essa tragédia. O Brasil está surdo ao clamor das águas.

*Ulisses Tavares é poeta, historiador e ambientalista.
Só toma água mineral, mesmo assim com relutância
e culpa. I
nspirado no filósofo ateniense Zenão,
prefere não falar com reis, mas com quem o entende.
Zenão repartia seu alimento e sabedoria com os cães
de rua. Coisas de poeta. M
istura de Tietê e Tripas.
Imagem em 
http://nathazlab.blogspot.com.br