01 setembro 2011

PENSAMENTO ESTRATÉGICO


A descoberta do mundo*



O Brasil carece de uma rede vibrante de think tanks, os centros de pensamento que subsidiam e ajudam a direcionar a política externa — nos EUA, na Europa ou na China.

O
s mais reconhecidos por aqui, IPEA-Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, FGV-Fundação Getúlio Vargas e CEBRI-Centro Brasileiro de Relações Internacionais, intervêm com timidez no debate público e na mídia — em geral, por meio de opiniões individuais de seus integrantes, não por diagnósticos institucionais.

 As ferramentas de comunicação dos laboratórios de ideias nacionais são rudimentares. Além disso, eles têm pouca ressonância no governo, ao contrário do que se observa, por exemplo, na China.


O ex-chanceler Celso Amorim diz que não há "influência diretamente perceptível dos nossos embrionários think tanks" na política externa. Relata ter "recorrido incidentalmente ao IPEA", em negociações comerciais, e "mantido conversas com a FGV, que tem potencial para funcionar como um laboratório de idéias". Nota que tem dificuldade até para encontrar uma tradução adequada para a expressão think tank".

Matias Spektor, ex-pesquisador do Council on Foreign Relations (CFR), o mais influente dos EUA, e hoje coordenador do Centro de Relações Internacionais da FGV, no Rio, faz coro. "A caracterização think tank ainda é muito incipiente no Brasil." Ele elogia o IPEA, que "é do governo, mas faz pesquisa de interesse público e promove o debate", mas cobra mais. "Há poucos think tanks. Isso precisa mudar. Aquilo que acontece no mundo afeta o Brasil cada vez mais, e vice-versa."

TRADIÇÃO ENDOGENISTA
Marcio Pochmann, presidente do IPEA, frisa que o instituto criou há três anos uma divisão de relações internacionais e ampliou seus quadros. Segundo ele, o País "tem tradição muito endogenista e só agora começa a mudar".

Não só o Brasil, aliás. Nas últimas décadas, "FMI e Banco Mundial orientavam [a política externa], mas agora há uma disputa de conhecimento", diz Pochmann, citando os encontros de think tanks dos Brics realizados nos últimos dois anos, em Pequim e Brasília, nos quais o IPEA representou o Brasil.

O ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia, que criou e ainda é a voz mais influente do CEBRI, diz que "só com o tempo" os think tanks brasileiros terão o peso dos congêneres dos EUA e outros países. Ele lembra que o CFR, por exemplo, foi criado pela "elite da Costa Leste, preocupada com o papel dos EUA depois da Primeira Guerra", quando o país despontou como grande potência.

O ex-ministro do Desenvolvimento Sergio Amaral, criador e diretor do Centro de Estudos Americanos na FAAP-Fundação Armando Alvares Penteado, em São Paulo/SP, acrescenta que a "demanda por uma informação mais ampla e de melhor qualidade sobre a questão internacional começa a surgir agora".

Amaral lembra o chiste com que abria palestras como embaixador no exterior: "Vocês certamente sabem que o Brasil foi descoberto em 1500, mas talvez não saibam que o País só descobriu que o mundo existe faz uns 10 anos!".

COMUNICAÇÃO
Há, no entanto, quem adote tom menos otimista. David Fleischer, professor de relações internacionais na Universidade de Brasília (UnB), ressalta que "os nossos think tanks não cresceram o necessário, acompanhando o tamanho do Brasil". Para ele, "o Itamaraty age praticamente no vazio" e mostra até "resistência"; de seu lado, as vozes do país no campo das relações internacionais são "individuais, não institucionais".

Fleischer cobra, em especial, estratégias de comunicação que permitam participação cotidiana no debate de política externa. Lembra que, em Washington, think tanks como o Inter-American Dialogue produzem "análises diárias" que abastecem a imprensa.

Os centros de pensamento reconhecem o problema. Lampreia diz que o CEBRI está "estudando ativamente" modelos americanos. "Na política de comunicação deles, blog e sites são fortes. Nós aqui quase não temos conteúdo próprio. Temos eventos."

Spektor também relata um "debate muito intenso" na FGV, opondo uma corrente defensora da manutenção do foco em "pesquisa, não blog" a outra que pleiteia mais atenção à comunicação. Ele cita o modelo do CFR, que "tem um jornalista com grande traquejo de política internacional cujo trabalho é provocar os especialistas — acadêmicos que não escrevem necessariamente num estilo jornalístico — a produzir análises curtas que ele edita".

Pochmann anuncia que o IPEA, que já lançou uma publicação, Tempos do Mundo, está em fase de remodelação, com um "novo plano de comunicação". Mas a menina dos olhos atual é o "investimento em tecnologia".

FINANCIAMENTO
Outro nó é o financiamento das atividades dos laboratórios brasileiros de ideias, hoje realizado em bases heterogêneas. Amorim indica que "o grande problema dos think tanks —salvo aqueles que se querem claramente partidários ou de apoio a governos — é o de assegurar um mínimo de independência".

Dono da maior estrutura, o IPEA é estatal e está ligado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, o que ajuda a entender a expansão recente.
Embora vinculado à PUC-RJ, também o recém-criado Centro de Estudos e Pesquisas dos Brics tem sustentação estatal (da Prefeitura do Rio).

Já o CEBRI recebia recursos federais quando foi criado, em 1998, e, "de repente, o governo do PT cortou", diz Lampreia. Hoje, "é mais ou menos autossuficiente", com apoio de empresas privadas.

A FGV e os centros de universidades têm o suporte de seus braços educacionais, além de acesso a linhas de financiamento nacionais, a saber, CNPq, Capes e FINEP, e internacionais, como Carnegie e British Academy.

CURSOS
É na academia que se origina boa parte do entusiasmo com as perspectivas para os think tanks no Brasil. O interesse ficou claro no terceiro encontro da Associação Brasileira de Relações Internacionais, há duas semanas, na USP. "A associação viu um crescimento muito expressivo no número de filiados", diz Spektor. "A gente fica muito esperançoso com a área. Houve um aumento exponencial no número de cursos de graduação e de pós-graduação."

A procura pelos cursos de relações internacionais é hoje "muito maior", atesta Lampreia. "Na década de 1970, havia um. Hoje, são 115. Já encontrei estudante de relações internacionais em Roraima, no Acre e nos lugares em que você menos suspeitaria."

Amaral, que foi professor na UnB nos anos 1980 e 1990, relata que, "naquela época, a grande preocupação era se os alunos iriam encontrar mercado de trabalho". Já hoje os encontros estudantis reúnem "2.500, 3.000 pessoas". Em contraste, anota, "estamos engatinhando nos think tanks".

Celso Amorim contemporiza, chamando atenção para "certa movimentação em torno de temas como Brics e China" nos laboratórios de ideias — o que, ele sugere, configura "um começo".



                               *O jornalista paulista Nelson de Sá é articulista da Folha de S.Paulo. 

(conteúdo originalmente publicado em www1.folha.uol.com.br/ilustrissima
(imagem em www.xyzlove.com