09 agosto 2012

HORA DE BRIO

Nosso lugar no pódio*



Escrevo emocionado do estádio de Wembley, uma das grandes catedrais do mundo, como a de Notre-Dame ou a de São Pedro. Até uma anta futebolística como eu sente o peso do lugar, que, mesmo reformado como o Maracanã, será sempre o histórico Wembley.

Tudo numa Olimpíada é carregado de significado. A glória e a derrota: entramos na história e saímos dela, em fração de segundos.

Ver Michael Phelps conquistar a 18.ª medalha de ouro é estar num momento do século que não passará. E há muito de shakespeariano no choro de Rebecca Adlington [nadadora britânica que faturou dois ouros nos Olympic Games de 2008, nos 400 m e nos 800 m, quebrando um recorde  estabelecido há 19 anos por Janet Evans nos 800 m (N. do Ed.)], de quem a Inglaterra esperava mais ouro neste ano e que terá de remoer seus bronzes pela vida inteira. 

A trama era digna de Glória Perez: a feia e simpática inglesa disputando com uma italiana sensual que posou nua para a Vogue. Só que Lady Gold virou as costas para as duas favoritas, num enredo superado apenas por Carminha e Nina.

Esporte é novela, teledramaturgia pura, reality show de alto nível.

Rezo apenas para que o Brasil -- nosso povo, nossos governantes em todos os níveis, nossos empresários grandes, médios e pequenos -- entenda que agora é a nossa hora.

A mais difícil e a mais bela. Como diria Churchill, "our finest hour".

Terei 56 anos na nossa Copa e 58 na Olimpíada. Os dois eventos formam oportunidade única de o Brasil assumir o lugar que já é dele. A questão desses tempos é ser e não ser. Não basta ser, você tem de ser percebido.

O Brasil melhorou muito nos últimos três governos. Mas nossa história não pode ser contada pelos mercados e por seus interesses. Ela tem de ser contada por nós, "we, the people", como lindamente escreve a Carta americana.

Temos de cuidar de nossos interesses e de como nossos filhos, nossas empresas, nossos produtos, nossos livros e nossa arte são percebidos no mundo neste século. E este século pode ser nosso.

Digo isso não por megalomania. Não precisamos dominar o mundo, mas podemos encantá-lo. O Brasil tem tudo para ser a potência soft do século. O que não pode acontecer agora é a montanha parir um rato. Nestes próximos quatro anos, todos os olhos do mundo estarão voltados para nós. Não é hora de fazer forfait. É hora de brio, de amor próprio, de sangue nos olhos.

É preciso ter senso de história. A velhinha inglesa que se despede de nós depois de um dia de sol e de um anoitecer gelado tem isso no seu dedicado sorriso de voluntária da Olimpíada. A Inglaterra, que de história entende bem, até escalou sua rainha de 86 anos para brilhar como "Bond girl" neste mundo midiático.

A discussão sobre ser o dinheiro da Copa ou da Olimpíada mais bem usado na saúde ou na educação é uma discussão mal posta. Dinheiro mal usado é mal usado em qualquer lugar. Se usarmos esse dinheiro apenas para sediar dois eventos, sem dúvida o custo será maior que o benefício. Mas o Rio de Janeiro, o Estado e a cidade, já está usando a Olimpíada para se posicionar como marca, lugar de negócios, sociedade e destino.

Estou em Londres a convite de um dos patrocinadores da Olimpíada, a revista Fortune, que realizou um dos muitos eventos empresariais paralelos. Tudo foi bancado com o dinheiro chinês da municipalidade de Changdun, onde ocorrerá o próximo fórum global da revista, com a presença do líder chinês e dos maiores empresários do mundo, ou seja, enquanto a bola ou o cronômetro correm, a grana corre também.

É um jogo grande, e o Brasil entrou nele por conta própria. Volto feliz do evento sob a lua cheia de Londres, e o dean da Harvard Business School, que participou do fórum da Fortune, com sorriso maroto e cabeça brilhante, me diz: "It's you guys, in four years", e todos os olhos do ônibus se dirigem a mim.

Meus amigos e inimigos, ninguém mais é uma pessoa. Agora somos todos um País. Se um de nós em Santa Catarina ou na Bahia atropelar um ciclista francês, o Brasil terá atropelado um ciclista francês. Os olhos do mundo estarão postos em nós. Cheios de curiosidade, de preconceito e de inveja.

Não é hora de amarelar nem de ser soberbo. Nem de vir com burrice, achando que se trata de jogo de futebol ou de vôlei. O que está em jogo é a evolução do País, das commodities para o valor agregado.



*o publicitário baiano Nizan Guanaes comanda o Grupo ABC
e
escreve na Folha de S.Paulo quinzenalmente, às terças-feiras.

(imagem: Thiago Pereira com a medalha de ouro após a prova dos 200 metros
medley, nos Jogos Pan-Americanos de Guadalajara, México [19/10/2011],
em
 http://veja.abril.com.br 
 / Mike Ehrmann / Getty Images)