22 fevereiro 2013

POR FALA DOCE

Um pouco mais 
de delicadeza*



  
Lá em casa teve briga de cachorro. Duas fêmeas que estão em conflito, querendo cada uma dominar o território. Dentes e unhas de fora e eu no aperreio de apartar a briga, com cuidado para não sobrar pra mim. 

Elas são disciplinadas, obedecem aos comandos. Só que as duas querem ser Alfa. O cão Alfa é o líder da matilha, é o poderoso da história. É a referência para os outros cães do grupo, que obedecem e acolhem sua supremacia. 

Nem sempre a gente se dá conta da nossa animalidade. Nós, os animais humanos. Fomos metodicamente educados para a vida em sociedade e controlamos a exibição de nossas unhas e dentes para funcionarem como estandartes de esmaltes e sorrisos. 

E quando dá vontade de soltar os bichos presos? Partir pra cima do desafeto, como fazem os outros animais que nem são tão vorazes assim quanto os humanos?

Para isso, usamos as palavras e os silêncios. Quando as palavras têm como fonte um impulso raivoso e, se a pessoa não consegue filtrar o sentimento, a palavra é parida como insulto.

Ontem presenciei uma briga de trânsito. Um animal fechou a passagem do outro. O ofendido com a atitude Alfa saltou do carro, gritando seus insultos e os dois, em um piscar de olhos, estavam atracados num tear mais complexo de separar do que o dos cães. 

Segui meu rumo com a sensação de que só não presenciei uma tragédia porque felizmente nenhum deles portava arma de fogo.

Lembro que li uma referência sobre o primeiro homem a proferir um insulto contra seu inimigo, no estudo Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos, de Sigmund Freud. Ao utilizar a agressão das palavras em substituição a agressão física, esse homem teria fundado a civilização. 

Como corre a vida, vou pedindo: um pouco mais de delicadeza, por favor. Avançamos tanto em tecnologia, dominamos o mundo de fora e desabitamos o mundo de dentro. Não conseguimos ainda governar a nós mesmos. 

Podemos recomeçar lapidando as palavras. Delicadas, polidas, fiéis, generosas, corajosas, gratas, justas, doces, amorosas palavras.

*Ana Valeska Maia Magalhães é professora universitária
(imagem em http://media.mercola.com)

18 fevereiro 2013

RESILIÊNCIA NATIVA

Jovens indígenas ajudam 
a proteger suas raízes*

Indígenas de Chiquimula trabalham na elaboração de uma corda extraída do agave



Jovens de diversos povoados indígenas se envolvem em iniciativas para evitar que suas respectivas comunidades sigam pelo caminho do desaparecimento e para coexistirem com outras culturas em um mundo cada vez mais globalizado. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima em 370 milhões o número de indígenas vivendo em comunidades, localizadas em centros urbanos, reservas ou no meio do caminho entre ambos.

Estes povos sofrem os mesmos problemas que outras comunidades carentes de direitos, como pobreza, falta de educação básica, elevado desemprego, altas taxas de criminalidade e falta geral de acesso aos serviços públicos e a recursos. Mas há outros assuntos que são únicos da experiência indígena, como separação forçada de suas terras ancestrais, perda de sua língua e histórias de injustiça, exclusão social e violência que levaram à sua marginalização.

Em 2000, foi criado o Fórum Permanente para as Questões Indígenas, no qual um comitê de especialistas, designados por governos e organizações indígenas da sociedade civil, discute os assuntos fundamentais e recomenda ações ao sistema das Nações Unidas. Este ano o Fórum destaca o papel dos jovens indígenas como líderes comunitários e já houve em janeiro um encontro entre representantes de sete regiões para compartilhar sua visão com membros desse órgão e organizações relacionadas.

Os sete jovens coincidiram em sua preocupação pelo rápido desaparecimento das línguas indígenas, vitais para a unidade cultural. O Fundo das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) estima que no mundo desaparece uma língua a cada duas semanas. Os sistemas educacionais têm um papel histórico no desaparecimento das línguas indígenas, às vezes forçando sua extinção por meio de castigos e humilhações severos contra meninos e meninas por falarem sua língua-mãe, ou por expressar de alguma forma sua identidade étnica.

Na tribo anishinaabe de Andrea Landry, no Canadá, só resta uma anciã que fala fluentemente sua língua ancestral. Aos 80 anos ainda não superou a vergonha por falar seu idioma, que lhe foi inculcada quando menina, o que deixou mais complicado compartilhá-la com as gerações mais jovens. Landry, representante da América do Norte, coincidiu com muitos de seus companheiros no encontro quanto à responsabilidade do Estado em ter oferecido uma educação bilíngue nas escolas onde havia crianças indígenas, mas que a quantidade de línguas dificultou a implantação da medida.

Implantar programas no âmbito comunitário por meio de organizações da sociedade civil seria uma boa alternativa, sugeriram os jovens. Também se mostraram todos preocupados pela falta de consciência e pela tergiversação de sua história, cultura, e situação atual. Todos concordaram que os sistemas educacionais deveriam ensinar sua história e a diversidade social com mais cuidado e exatidão.

Landry contou à IPS que, quando fazia seu mestrado em comunicação e justiça social, ficou surpresa pela falta de material sobre questões indígenas. Tentou preencher as falhas com material complementar, mas argumentou: “Não sou eu quem tem de ensinar estas coisas”. Steven Brown, representante das nações tribais bundjalung e yuin, na Austrália, expôs sua preocupação pelos estereótipos negativos que são difundidos em lugar de uma compreensão real dos povos indígenas.

Em algumas comunidades, onde muitas pessoas só falam sua língua ancestral, ocorrem outros problemas: acesso à informação importante sobre cuidados com a saúde, oportunidades de emprego, direitos legais e serviços públicos. O representante da tribo de caçadores-coletores batwa, em Uganda, Niwamanya Rodgers Matuna, deu um exemplo à IPS sobre como a falta de informação sobre os medicamentos e seu uso adequado na língua materna de seu povo fez seus membros não confiarem em remédios que não os seus tradicionais e rapidamente parecem perder eficácia.

O uso inadequado e a má qualidade dos antibióticos fizeram com que as doenças desenvolvessem resistência, fenômeno que se torno problemático em países pobres, mas que pode ser combatido com a melhoria do acesso à informação dos destinatários dos medicamentos. A representante da Ásia, Meenakshi Munda, da comunidade munda, na Índia, disse que não quer que seu povo se torne dependente da ajuda estatal, nem da internacional.

Os indígenas, e em especial os mais jovens, sabem que aprender outras línguas é uma necessidade para colaborar com pessoas de outros meios em ambientes acadêmicos e profissionais. Muitos deles, na verdade, se beneficiaram por saber muitas línguas e dos intercâmbios com outras pessoas. Porém, acreditam que esse processo de aprendizagem pode e dever ser um intercâmbio entre iguais e não necessitar da subjugação de um povo ou a eliminação de sua cultura ou história.

O mundo tem muito que aprender sobre o estilo de vida dos povos indígenas. Apesar de haver uma grande diversidade entre eles, compartilham ideias centrais que a maioria das sociedades modernas não tem. A ideia mais significativa talvez seja o enorme respeito que têm pela terra e a profunda ligação com o território onde vivem. “Temos uma relação com a terra, é um ser vivente. Não se trata de tomar, tomar, tomar. Damos à terra e ela nos dá”, explicou Landry.

Além disso, os povos indígenas conservam um enorme respeito pelas pessoas mais velhas e por tudo o que possui a sabedoria do tempo. Para alguns é difícil compreender a importância de proteger as culturas indígenas enquanto ancestrais das civilizações modernas. No entanto, Matuna, citando um provérbio africano, diz: “Um rio que esquece sua fonte, logo seca”. 


*por Marzieh Goudarzi / IPS. Foto: Danilo Valladares / IPS
(conteúdo publicado em http://mercadoetico.terra.com.br)


15 fevereiro 2013

BENEFÍCIO SOCIAL

Estudar faz pessoas serem
mais felizes e viverem mais*




Estudo recente sobre aspectos da educação mostra que quem estuda mais tende a ser mais feliz e ter uma expectativa de vida maior. O levantamento What are the social benefits of education? (Quais são os benefícios sociais da educação?, em tradução livre) foi produzido pela OCDE-Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico e realizado em 15 países-membros da organização -- da qual o Brasil não faz parte. 

“A educação ajuda as pessoas a desenvolver habilidades, melhorar a sua condição social e ter acesso a redes que podem ajudá-las a terem mais conquistas sociais”, dizem os autores da pesquisa.

Segundo o estudo, as pessoas que estudam mais são mais felizes porque tem maior satisfação em diferentes esferas de sua vida. Esse nível de satisfação pessoal é de, em média, 18% a mais para que têm nível superior em relação àquelas que pararam no ensino médio.

Em relação ao aumento da expectativa de vida, o estudo mostra que um homem de 30 anos, por exemplo, pode viver mais 51 anos, caso tenha formação superior, enquanto aquele que cursou apenas o ensino médio viveria mais 43, ou seja, oito anos menos. Essa disparidade é mais acentuada na República Tcheca, onde os graduados podem viver 17 anos a mais. Já os portugueses, asseguraram a diferença mais baixa, apenas 3.

O estudo, divulgado no fim do mês passado, encerra a Education Indicators in Focus, série composta por 10 estudos, apresentados ao longo de janeiro de 2012 a janeiro de 2013, que destacam diferentes aspectos educacionais avaliados da educação básica ao ensino superior. 

Entre eles, como a crise global afeta as pessoas com diferentes níveis de escolarização, quais países estão dando suporte ao acesso ao ensino superior e qual a variação no número de alunos ao redor do mundo.

Os interessados em acompanhar as pesquisas podem acessá-las gratuitamente on-line em três versões: Inglês, Espanhol e Francês.No caso das mulheres, a diferença não é tão acentuada: a expectativa média de vida é de quatro anos a mais para as universitárias. À frente desta tabela estão as nascidas na Letônia, que vivem quase nove anos mais do que suas compatriotas que interromperam os estudos no antigo segundo grau.

“Os políticos devem ter em conta que a educação pode gerar benefícios sociais mais amplos desde que haja mais investindo em políticas públicas.”

Em outro capítulo desse mesmo levantamento, realizado com um grupo de 27 países, a OCDE chegou à conclusão de que 80% dos jovens com ensino superior vão às urnas, enquanto o número cai para 54% entre aqueles que não têm formação superior. Os adultos mais escolarizados também são mais engajados quando o assunto é voluntariado, interesse político e confiança interpessoal. 

“A educação tem o potencial de trazer benefícios para as pessoas e para as sociedades, e isso vai muito além da contribuição para a empregabilidade dos indivíduos ou de renda”, afirmam os autores da pesquisa, que enfatiza ainda a importância do Estado. “Os políticos devem ter em conta que a educação pode gerar benefícios sociais mais amplos desde que haja mais investimento em políticas públicas”.

Sala de aula
Nos países da OCDE, a quantidade média de alunos em sala de aula é de 23, embora o número varie de acordo com cada país. Na Coreia e no Japão chega a 32; enquanto na Eslovênia e Reino Unido não passa de 19 por classe, segundo mostra o estudo How Does Class Size Vary Around the World? (Como o tamanho da sala de aula varia ao redor do mundo?, em tradução livre), divulgado em novembro de 2012. 

A pesquisa mostra que entre 2000 e 2009 muitos países investiram recursos adicionais para diminuir o número de estudantes em sala de aula, no entanto, o desempenho melhorou em apenas alguns deles. “Reduzir o tamanho da turma não é, por si só, uma alavanca política suficiente para melhorar o rendimento dos sistemas de ensino, mas, sobretudo, priorizar a qualidade dos professores em relação ao tamanho da classe”, aponta a pesquisa.


(conteúdo publicado em http://porvir.org)
(imagem em http://3.bp.blogspot.com)



12 fevereiro 2013

LER E CULTIVAR

Biblioteca nos EUA
além de livros,
empresta sementes*




Os envelopes de sementes são etiquetados com
informações do conteúdo e o nome do produtor

Sair de biblioteca apenas com livros e CDs é coisa do passado na Biblioteca Pública de Basalto, no Colorado, Estados Unidos. O local adicionou um banco de sementes à sua coleção de meios de comunicação. 

Os visitantes, além de usufruírem de uma boa leitura, também podem virar produtores de frutas ou legumes e de novas sementes que devem voltar ao local de origem.

Para participar é simples. O leitor adquire o pacote de sementes e planta. Quando o vegetal cresce, é só colher as sementes e devolvê-las à biblioteca para que outras pessoas possam usá-las.

Ação de caráter colaborativo amplia acesso às espécies vegetais

As sementes são armazenadas em envelopes com etiquetas que descrevem informações da fruta ou vegetal, e o nome do produtor, no intuito de dar crédito às pessoas que se esforçaram no cultivo.

Segundo a American Library Association, existe pelo menos uma dúzia de programas semelhantes em todo o país. Para a diretora da biblioteca, Barbara Milnor, o local pode parecer estranho para o projeto, mas é "uma ótima solução para ampliar o acesso de sementes e plantas à população", afirmou no portal NPR.

Já para a frequentadora Stephanie Syson, a biblioteca tem sido um lugar onde a filha aprende. As sementes adicionaram apenas mais uma nova lição.


(*conteúdo publicado em  www.ecod.org.br)


01 fevereiro 2013

AME-O OU DEIXE-O!!!

(meu Brasil brasileiro)
De Amadores & amadores*








E lá vou eu palestrar mais uma vez para uma grande empresa, mais de mil pessoas na platéia. Chego ao maravilhoso teatro com três horas de antecedência, para não dar margem a erros, e vou direto testar o equipamento. 

Começo a ficar preocupado quando vejo a quantidade de gente da "equipe técnica". Garotos e garotas, felicíssimos com seus intercomunicadores. A cada pergunta, um "isso é com o fulano", "isso é com a fulana"... e chama no rádio. 

Tenho que esperar o teste da orquestra, que atrasou. O tempo passando, e nada. Quando me chamam, pedem desculpas, mas só o som poderá ser testado, pois estão com um problema no projetor etc e tal. Falta pouco mais de uma hora para o início do evento. Faço o que é possível e, sem testar a imagem, me retiro para o camarim onde fico sozinho, lendo, num estado zen, me preparando para arrasar.

Eu estava trabalhando neste texto quando aconteceu a tragédia de Santa Maria. Acho que esta reflexão ganha mais importância ainda.

Começa o evento, eu ouvindo o som abafado, e a coisa vai atrasando. Quarenta minutos de atraso e soltam a turma para o café. Eu entro depois do café. Uma menina esbaforida vem me chamar, estão precisando de mim no palco. Vou correndo. O computador não compartilha a imagem com o telão. Eu arrumo. A imagem está distorcida. Eu mexo nas configurações e nada muda, é claro que o problema é no projetor. E então ele vem... O técnico. 

Amador. Um garoto com seus 27 anos de idade. Eu olho de longe e o vejo chegando até meu laptop com dedos de ogro. Frio no estômago. E lá vai ele, mexer nas configurações como eu havia feito. Não adiantou eu dizer que já havia feito, ele faz de novo. E não resolve. Chamo o chefe dele. 

Amador. Mostro o problema, dou a dica do que pode ser e então vejo a expressão de “numsei”. Vou reduzindo o ritmo e volume da fala aos poucos, diante da expressão que deixava claro que nem o técnico, nem o chefe do técnico sabiam como arrumar a encrenca. 

Eram amadores. E o café terminando. Não há tempo de fazer mais nada. Meu “estado zen” foi pro saco.  Resultado: a palestra no evento milionário, com iluminação milionária, cenário milionário e equipe milionária, tem uma projeção de merda.

Eu sou um amador em tudo o que faço. Palestro como um amador, escrevo como um amador, produzo meus vídeos como um amador. Mas amador não no sentido pejorativo e sim no de que amo o que faço. Faço com amor. 

Com paixão. E quem ama uma coisa, quer saber mais sobre ela, se aperfeiçoar, aprender, melhorar. Até virar amador profissional...

É impressionante a quantidade de amadores que encontro que, de posse de ferramentas ou métodos, se acham capazes de cumprir qualquer tarefa. Não é assim. Ferramentas e métodos nas mãos de quem não sabe o que fazer com eles são mais que inúteis. São perigosos. 

E vira-e-mexe me pego discutindo com o amador, o sabe-tudo, sobre um problema que já enfrentei antes. Mas sabe como é, não sou o técnico...

Quando o amador é consciente de sua ignorância e tem a humildade de ouvir as sugestões de alguém que pode, veja bem, eu disse pode, dar alguma luz, é possível transformar um problema em aprendizado. 

Mas quando o amador não tem consciência – e às vezes se orgulha!  de sua estupidez, só existe conflito. E de quando em quando, uma tragédia.

O Brasil é a República dos Amadores. Daqueles.



*o jornalista Luciano Pires é um observador atento 
da fuleiragem que ronda & assola o País, como 
mostra no livro Brasileiros Pocotó e no seu Melô do 
Pocotóaproveitando uma levada jamaicana relida em
1956 pelo showman norteamericano Harry Belafonte

SAIBA MAIS
www.portalcafebrasil.com.br

www.youtube.com/watch?v=Lk3arpNy0tQ