20 janeiro 2009

NINGUÉM VÊ A ÁGUA

No front da guerra


“Para além das manchetes do conflito do Oriente Médio, há uma batalha pelo controle dos limitados recursos hídricos na região. Embora a disputa entre Israel e seus vizinhos se concentre no modelo 'terra por paz', há uma realidade histórica de guerras pela água — tensões sobre as fontes do Rio Jordão, localizadas nas Colinas de Golã, precederam a Guerra dos Seis Dias”. Raymond Dwek - The Guardian, [24/nov/2002] *

A nossa sobrevivência na Terra está ameaçada. Sem alimento, o ser humano resiste até 40 dias; sem água, morre em 3 dias. Somos água! Mas, enquanto a população se multiplica e a poluição recrudesce, as fontes de água desaparecem.

Na guerra do momento — Israel em Gaza —, por que a mídia sensacionalista não fala sobre a água, um dos itens mais importantes dos conflitos no Oriente Médio?

Oriente Médio... uma região aonde água vale mais do que petróleo... E sempre nos passam a idéia de que lá as guerras ocorrem pela conquista das reservas de petróleo...

E a conquista das reservas de água? Em 1997, o então vice-diretor geral da UNESCO, Adnan Badran, no seminário Águas transfronteiriças: fonte de paz e guerra (que centrou os debates nas águas do Mar Aral, do rio Jordão, do Nilo...), disse que “a água substituirá o petróleo como principal fonte de conflitos no mundo”.

Embora Israel tenha sérios problemas com recursos hídricos, detém o controle dos suprimentos de água, tanto seus como da Palestina. Além de restringir o uso d’água, luta pela expansão do seu território para obter mais acesso e controle deste recurso natural. Ali, Israel é o “dono” das:
  • águas superficiais: bacia do rio Jordão (incluindo o alto Jordão e seus tributários), o mar da Galiléia, o rio Yarmuk e o baixo Jordão;

  • águas subterrâneas: 2 grandes sistemas de aqüíferos, o da Montanha (totalmente sob o solo da Cisjordânia, com uma pequena porção sob o Estado de Israel), o aqüífero de Basin e o aqüífero Costeiro, que se estende por quase toda faixa litorânea israelense até Gaza.
    Tais águas são ‘transfronteiriças’, são recursos naturais compartilhados.

Segundo recente inventário da UNESCO, 96% das reservas de água doce mundiais estão em aqüíferos subterrâneos, compartilhados por pelo menos dois países. Há regras internacionais para o uso dessas águas. Algumas destas obrigam Israel a fornecer água potável aos palestinos.

Mas Israel não compartilha a água; afinal, tais regras internacionais não prevêem mecanismos de coação ou coerção; é letra morta. O Tribunal Internacional de Justiça, até hoje, condenou apenas um caso relacionado com águas internacionais.

A estratégia de Israel é outra. Em 1990, o jornal Jerusalém Post publicou que “é difícil conceber qualquer solução política consistente com a sobrevivência de Israel que não envolva o completo e contínuo controle israelense da água e do sistema de esgotos, e da infra-estrutura associada, incluindo a distribuição, a rede de estradas, essencial para sua operação, manutenção e acessibilidade” **. Palavras do ministro da Agricultura israelense, sobre a necessidade de Israel controlar o uso dos recursos hídricos da Cisjordânia através da ocupação daquele território.

O Acordo de Paz de Oslo de 1993, por exemplo, estipulou que os palestinos deveriam ter mais controle e acesso à água da região. Nessa época, segundo o professor da Hebrew University, Haim Gvirtzman, dos 600 milhões de metros cúbicos de água retirados anualmente de fontes na Judéia e Samaria, os israelenses usavam quase 500 milhões, satisfazendo cerca de 1/3 de suas necessidades hídricas. Para ele, isso gerou um "direito adquirido sobre a água".

Questionado sobre o acesso palestino à água, o professor respondeu que “Israel deve somente se preocupar com um padrão mínimo de vida palestino, nada mais, o que significa suprimento de água para eles só para as necessidades urbanas. Isso chega a cerca de 50/100 milhões de metros cúbicos por ano. Israel é capaz de suportar essa perda. Portanto, não deveríamos permitir que os palestinos desenvolvessem qualquer atividade agrícola, porque tal desenvolvimento virá em prejuízo de Israel. Certamente, nunca permitiremos aos palestinos suprir as necessidades hídricas da Faixa de Gaza por meio do aqüífero montanhoso. Se purificar a água do mar é uma solução realista, então deixemos que o façam para as necessidades dos residentes da Faixa de Gaza” **.

E na Guerra pela Água vale tudo: os israelenses bombardeiam tanques d'água, grandes ou pequenos (muitas vezes construídos nos telhados de suas casas), confiscam as bombas d’água, destroem poços, proíbem que explorem novos poços e novas fontes d’água (a Cisjordânia, em 2003, contava com cerca de 250 fontes ilegais e a Faixa de Gaza, com mais de 2 mil).

Israel irriga 50% das terras cultivadas, mas a agricultura na Palestina exige prévia autorização. Então, furto de água das adutoras de Israel é comum naquela região. A regra do jogo é esta: enquanto o palestino não tem acesso à água para beber, o israelense acostumou-se ao seu uso irrestrito.

Sendo assim, dá pra imaginar uma outra forma de divisão ou de uso compartilhado desses recursos hídricos para os próximos anos? Dá para imaginar a sobrevivência de qualquer Estado e, nesse caso, a da Palestina, sem o controle efetivo do acesso e da distribuição dos recursos hídricos que necessita?

Botar a mão na água é coisa antiga. Britânicos e franceses no Oriente Médio definiram as fronteiras (em especial da Palestina), de olho nas águas da bacia do rio Jordão.

Desde 1948, Israel prioriza projetos, inclusive bélicos, para garantir o controle de água na região. Dentre estes:

  • a construção do Aqueduto Nacional (National Water Carrier);

  • em 1967, anexou os territórios palestinos de Gaza e Cisjordânia e tomou da Síria as Colinas do Golã, ricos em fontes de água, para controlar os afluentes do Rio Jordão. Sobre esta guerra, Ariel Sharon afirmou que a idéia surgiu em 1964, quando Israel decidiu controlar o suprimento d’água;

  • em 2002, a construção do "muro de segurança" viabilizou o controle israelense da quase totalidade do aqüífero de Basin, um dos três maiores da Cisjordânia, que fornece 362 milhões de metros cúbicos de água por ano.

Segundo Noam Chomsky, “o Muro já abarcou algumas das terras mais férteis do lado oriental. E, o que é crucial, estende o controle de Israel sobre recursos hídrico críticos, dos quais Israel e seus assentados podem apropriar-se como bem entenderem...” ***. Antes do muro, ele já fornecia metade da água para os assentamentos israelenses. Com a destruição de 996 quilômetros de tubulação de água, à população palestina do entorno do muro falta água para beber;

  • antes de devolver (simbolicamente) a Faixa de Gaza, Israel destruiu os recursos hídricos da região. E, até hoje, não há infra-estrutura hídrica nas regiões palestinas.
Quantos falam a respeito disso??? Em 2003, na 3.ª Conferência Mundial sobre Água, em Kyoto, Mikhail Gorbachev bateu na tecla dos conflitos mundiais pela água: contabilizou, na época, 21 conflitos armados e apropriação de mais fontes de água; destes, 18 ocorreram em Israel.

Gestão conjunta, consumo igualitário de água, ética e consenso na água — são palavras bonitas no papel, nas mesas de negociação, na mídia... Na prática, é utopia.O que a ONU e os donos do planeta estão esperando para exigir que Israel cumpra as regras internacionais sobre águas, especialmente as contidas em convenções, acordos, declarações (e outras abobrinhas)... ?!?!?

Quem vai ter coragem de criar regras claras e objetivas para punir a violação dos direitos dos povos e nações à sua soberania sobre os seus recursos e riquezas naturais?


*a advogada ambientalista Ana Echevenguá é coordenadora do programa Eco&Ação e presidente da ONG ambiental Acqua Bios, bem como da Academia Livre das Águas (ana@ecoeacao.com.br)

REFERÊNCIAS DO TEXTO
* - http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/internacional/2002/11/23/jorint20021123004.html

** - Noam Chomsky: Novas e velhas ordens mundiais, São Paulo, Ed. Scritta, 1996.

*** - www.galizacig.com/actualidade/200403/portoalegre2003_muro_humilhacao_e_roubo.htm

SAIBA MAIS
www.ecoeacao.com.br

SONORIDADE CEARENSE

Palavras do autor


Antes de tudo o mais... é preciso destacar que, sem a aprovação do projeto deste meu disco pelo IV edital de Incentivo às Artes, promovido pela SECULT-Secretaria da Cultura do Ceará em 2007, as gravações não teriam acontecido!

O trabalho passou por alguns anos de maturação em seu conteúdo e forma, e nesse ínterim algumas pessoas importantes para ele surgiram com sugestões, igualmente ricas. A oportunidade de muitas vivências foi absorvida e a decisão, enfim, foi a de, mais uma vez, valorizar as influências que fazem de mim o profissional que me sinto hoje.

Maduro em meu ofício, ciente do mercado profissional, mais ético do que nunca, coerente como jamais. Como um instrumento de fortalecimento da identidade coletiva da escola lítero-musical cearense, o CD tem em seu ambiente sonoro as manifestações da cultura regional, dispersos de forma discreta, porém não menos perceptível.

Fazendo menção aos primórdios da nossa formação musical (Oriente, de Eugênio Leandro) e algumas de suas principais influências, o formato acústico do CD nos aproxima ainda mais do seu universo temático.

São maxixes, chorinhos, sambas, flamencos e toadas que remontam a um déjà vu doméstico, íntimo, ao conhecido, a um recanto do nosso imaginário coletivo quando a música parecia narrar-nos a nossa própria história — e daí a nossa identificação natural com ela.

Entraram em cena compositores cearenses, arranjadores e instrumentistas cearenses, estúdio cearense, obras de e com autores cearenses, num abraço afetuoso de reconhecimento à pequena fração do que de melhor queremos e podemos produzir para o mundo.

Há uma questão de fundamental importância para o ambiente da cultura do mercado de produção de áudio que se faz aqui: o grau de maturidade dos profissionais desse segmento ultrapassa, em muito, a média do que se encontra na produção nacional, e portanto, abre precedentes para que uma infinidade de iniciativas, de projetos, de trabalhos sejam desenvolvidos com mão-de-obra integralmente local — uma visão meritória de toda a nossa construção ao longo do tempo.

Nesse contexto histórico, saudamos os compositores Evaldo Gouveia (Tango pra Tereza), hit romântico que compôs o cenário da música nacional a partir dos anos 1970 pela voz da “Sapoti“ Ângela Maria; Fausto Nilo, que nos trouxe a consciência poética da obra de Severino Araújo (Espinha de bacalhau).

Agradeço ainda o empréstimo de suas obras ao internacionalmente renomado Nonato Luís, que em parceria com Abel Silva, referência no mercado da composição, autorizou-me e estimulou o registro de sua gostosíssima composição Pagando pra ver; igualmente agradeço ao meu primeiro violonista, Marcílio Homem, que em dois momentos pontua o disco como resultado de parcerias distintas (Morena, com Alencar Menezes e Segredo, com Marcus Dias).

Do grupo de filhos da minha geração, a sorte me trouxe Alan Mendonça e Rafael Torres (Enquanto a cidade dorme) e, fechando o trabalho, um hino à espirituosidade do compositor, com Eudes Fraga e Eliakin Rufino (Poeta).

Impossível não agradecer a Adelson Viana, que em seus poucos momentos comigo trouxe luz a algumas questões técnicas; a Adriana Góis, que com um espírito pacífico e com serenidade administrou parte da burocracia que envolve a produção de um CD; a Hamilton Silva, operador de áudio que, sempre atento, buscou a melhor sonoridade para as nossas sessões de gravação; ao Cabeça e ao Antônio, que também participaram de momentos conosco.

Os músicos, todos, foram de uma sensibilidade e compreensão além da comum, e isso é motivo de muita gratidão e satisfação em tê-los comigo neste trabalho. Dessa forma Carlinho Crisóstomo, Carlinhos Patriolino, Eduardo de Holanda, Marcos Maia, Marcelo Randemarck, Nélio Costa, Adelson Viana, Edson Távora, Márcio Resende, Nilton Fiore e Rossano Cavalcante — obrigado pela presteza e pelo empréstimo de tantos talentos.

Outros amigos, como Moacir Júnior, Rejane Porto, D. Carminha e minha família deram suporte logístico nos dias que se seguiram. Mais outras pessoas também se somaram ao projeto, D. Evangelina e o Sr. Claudionor, Cely Dias e Vanda Melão (SEST-SENAT), Goreti Macedo e Ana Studart (Fundação Beto Studart), Rui Dias e Nerizeth Moreira (Queiroz Galvão), Marcelo Arraes e Dane Arraes (Distrivídeo), Colégio Nossa Senhora das Graças, Gárdia, Gláucia Studart (Taco & Pizza), Lucielena (Midiamix) e Inara (CD+).

É "só" um disco, mas o esforço valeu a pena pela qualidade sonora, e pelo conteúdo e forma atribuídos ao produto final. A certeza é a de que teremos juntos, no futuro, outros momentos prazerosos, sendo vividos e revividos nas ondas do rádio, em nossa memória déjà vu.



*Marcus Caffé empresta sua voz a projetos que refletem a ampla musicalidade dos artistas da terrinha.