30 junho 2008

SONHO DIFÍCIL

Brasileiras da vida



Para realizar seu trabalho de graduação, Carine Carvalho Arruda passou muitas noites acompanhando o percurso de prostitutas brasileiras nas ruas de Lausanne (Suíça). Seu curso de Ciências Sociais representou muito mais do que um aprendizado sobre o que significa sobreviver numa zona de prostituição.

Sua mais importante descoberta conclui que a maioria das mulheres escolheu o meretrício para fugir da precariedade do mercado de trabalho no Brasil e como forma de concretizar seus sonhos. Porém, muitas vezes eles não se concretizam... A história já é nossa velha conhecida. A menina chega à Suíça com a expectativa de arrumar um bom emprego de garçonete e ajudar financeiramente a família que ficou no Brasil. No aeroporto, seu passaporte é confiscado e ela é levada a um bordel, trancada em um quarto e passa a vegetar numa triste existência como escrava sexual.

"Observei uma relação muito forte entre a precariedade do trabalho feminino no Brasil e a decisão de imigrar e entrar na prostituição", conta Carine ao jornalista da Swissinfo que assina esta matéria, durante o encontro que tiveram em um café de Lausanne (foto). Ela sabe o que diz: aos 25 anos, esta jovem brasileira acaba de formar-se em Ciências Sociais pela Universidade de Lausanne.

O problema é sério e existe, ninguém nega. Os vários inquéritos realizados pela polícia helvética e os registros nas ONGs de proteção à mulher podem testemunhá-lo. Porém, o mundo do meretrício é muito mais complexo do que parece à primeira vista. De fato, milhares de estrangeiras vêm à Europa já sabendo que irão exercer a profissão mais antiga do mundo. Elas apenas querem uma alternativa para a situação econômica que existe em seus países de origem.

Como pesquisa de campo para o trabalho de graduação, Carine detalhou o percurso de sete prostitutas brasileiras com idades entre 25 e 52 anos. "A idéia do meu projeto de graduação era acompanhar as trabalhadoras do sexo brasileiras que migraram para o cantão de Vaud e tentar entender porque imigraram e porque entraram na prostituição", explica. O titulo da tese dela já diz tudo: A difícil vida fácil.

Nascida em Fortaleza, Estado do Ceará, Carine chegou aos 17 anos à Suíça em fevereiro de 2000, acompanhada pela irmã gêmea e pela mãe, que havia se casado com um suíço. A família foi viver na pequena comuna de Daillens, com apenas 700 habitantes, no cantão de Vaud (região Oeste do país). Em pouco tempo Carine aprendeu o Francês e integrou-se à sociedade suíça. Depois de concluir o ensino secundário, com as melhores notas — ela e sua irmã até receberam um prêmio de integração —, Carine decidiu estudar Ciências Sociais. A outra gêmea, Ciências Políticas.

O interesse por questões feministas teve a inspiração da mãe, que havia sido líder sindical em Fortaleza, e também foi motivado pelo choque vivido ao descobrir como a mulher brasileira era vista na Suíça. "Lembro-me de que o chefe de um ex-namorado perguntou-lhe, brincando, se ele havia checado entre as minhas pernas para ver se eu era realmente uma mulher", conta indignada. Na memória, há também piadas e comentários, todos relacionados à imagem supostamente erótica e submissa da mulher brasileira.

Logo ao chegar à Universidade, Carine iniciou sua pesquisa sobre o tema. Durante uma palestra, ela conheceu a Fleur de Pavé ("Flor da Calçada"), uma ONG suíça integrada por pessoas que vivem da prostituição ou já a abandonaram, além de assistentes sociais e voluntárias, cujo principal objetivo é ajudar mulheres que estão na profissão do meretrício.

Além de acompanhar as trabalhadoras do sexo nas repartições públicas, hospitais e centros sociais, a ONG também mantém um ônibus nas ruas da zona de prostituição de Lausanne, onde as mulheres podem entrar para receber material descartável, tomar um café e obter informações sobre questões ligadas à saúde, à segurança e ao sistema social vigente. O ônibus também funciona como correio, devido ao fato de muitas prostitutas se encontrarem em situação ilegal no país e não terem um endereço fixo.

Carine é há três anos voluntária na Fleur de Pavé. No início, ela tentou simplesmente acompanhar as prostitutas nas ruas, mas percebeu que era mais fácil ter contato com elas através da ONG. "Fico duas vezes por mês no ônibus e participo também de uma reunião mensal", descreve. A experiência também mostrou-se fundamental para o seu trabalho de graduação. "Foi lá que consegui conquistar a confiança dessas pessoas. A grande surpresa para mim foi encontrar tantas brasileiras, muitas delas com a minha idade. Com o tempo, eu já conhecia a história pessoal de cada uma", lembra-se.

A primeira constatação que fez foi de que os clichês — a impressão de que toda mulher é forçada a se prostituir — tinham que ser relativizados. O meretrício não é uma via de uma só mão. "Existem várias modalidades de se prostituir na Suíça, o que existe em comum em todas elas é a mobilidade. As pessoas podem começar a prostituição e parar depois de um tempo para fazer outros trabalhos, podem trabalhar um dia num tipo de estrutura como cabarés, salões de massagens e depois voltar às ruas. O que as caracteriza a todas é a precariedade e a ilegalidade", analisa Carine.

Como percebeu a cientista social, a maioria das prostitutas brasileiras vem à Suíça como turistas e trabalham de forma ilegal, para juntar o máximo de dinheiro possível. Como as batidas policiais nas ruas de Lausanne são freqüentes, quando pegas, elas são geralmente expulsas do país. Porém, muitas retornam depois de algum tempo. "Elas acabam criando uma espécie de rede social, que trazem outras como elas para cá. Uma passa a experiência à outra", revela a recém-formada cientista. E acrescenta: "O medo marca a experiência delas".

Cafetões? Carine afirma que nunca escutou, durante seu trabalho, que as brasileiras tivessem alguém que vivesse da sua prostituição, explorando-as ou atuando como "dono" de prostíbulo. "Elas trabalham, em grande parte, de forma independente". Mas as condições de vida na Suíça acabam surpreendendo muitas delas. "As trabalhadoras do sexo brasileiras vêm para cá achando que irão ganhar muito dinheiro, porém descobrem rapidamente que o custo de vida aqui é altíssimo e que têm que pagar pela moradia, alimentação e para se manterem bonitas. O resultado é que precisam 'trabalhar' ainda mais", resume.

Outros fatores fundamentais para explicar a condição das prostitutas brasileiras, segundo Carine, é a situação familiar. "Quase todas têm filhos que ficaram no Brasil com suas famílias. Dar uma vida digna a eles é o que mais as motiva a agüentar essa situação. Ao mesmo tempo, existe uma pressão muito grande sobre essas mulheres para que elas enviem dinheiro para casa. Algumas até perdem o contato quando não conseguem mandar o suficiente", descreve.

Uma grande surpresa para Carine no seu trabalho com as prostitutas brasileiras foi descobrir os códigos sociais que imperam no meio. Em primeiro lugar, o silêncio velado das famílias no Brasil. "Elas não falam abertamente sobre o que seus parentes estão fazendo na Suíça, mas eles sabem do que se trata, e dependem, muitas vezes, desse dinheiro", diz.

Acreditar que as brasileiras associam sua situação pessoal a aviltamento, desonra ou rebaixamento também é errôneo. "O status da prostituta é muito ambíguo: se por um lado elas têm vergonha do que fazem, por outro consideram que estão exercendo um trabalho como outro qualquer e que são profissionais no que fazem. A prostituição é uma estratégia para alcançar seus objetivos", sintetiza Carine.

Segundo ela, pessoas com as mais variadas profissões vêm a Lausanne tentar sua sorte nas ruas. "Já encontrei pessoas bem humildes, mas também outras com profissão definida, como uma cabeleireira e até mesmo uma advogada", recorda-se. A idéia de todas é economizar dinheiro e retornar ao Brasil para montar um negócio próprio.

Carine concluiu sua tese e está com o diploma embaixo do braço. Algumas associações de brasileiros na Suíça têm convidado a jovem para dar palestras e explicar o que descobriu ao escrever A difícil vida fácil. Assim, ela agora trabalha como colaboradora científica na Universidade de Lausanne e também no escritório de igualdade de sexos. Sua meta é prosseguir os estudos e obter um Mestrado. O tema não seria diferente: "Se possível, gostaria agora de entender como as trabalhadores do sexo brasileiras vivem a sua situação de mães e como é o relacionamento com seus filhos", antecipa.

Entre a vida profissional e a pessoal, Carine ainda encontra tempo para passar as madrugadas no ônibus da ONG Fleur de Pavé. Com sua experiência, a cientista social cultiva a impressão de ter descoberto o que motiva tantas compatriotas a permanecerem nas ruas de Lausanne, uma constatação que tem também algo de trágico. "A grande conclusão do trabalho é que, acima de tudo, elas não são vítimas, mas pessoas que têm um projeto de vida e fazem tudo para alcançá-lo. A estratégia que elas elaboraram para isso foi entrar na prostituição e emigrar", finaliza.


*por Alexander Thoele para o portal Swissinfo (texto e imagens)
www.swissinfo.org/por/swissinfo.html

SAIBA MAIS
www.iswface.org/sexworkerorgs.html

28 junho 2008

CRÔNICAS DA CIDADE

A bailarina da fé




Conheci Renata em 1992, quando ela passava férias em Fortaleza. Fiquei encantado com aquela sagitariana bonita, graciosa e de gênio forte e logo estávamos namorando. Ela era uma pessoa alegre e reluzente mas o que me encantou mesmo foi a firmeza de sua fé, fé em seus ideais, em sua arte, em seguir seu caminho verdadeiro. Uma fé inabalável na vida.

Renata seguiu seu caminho com muita coragem. Ainda adolescente, pegou suas sapatilhas e se mandou, deixando sua terra e sua família, foi sozinha pro Rio de Janeiro viver sua arte bailarina. Era muito nova mas já parecia intuir que, por mais difícil que seja o caminho, mais difícil será sempre a frustração de não haver tentado.

Ela tentou. Morava num quarto-e-sala pequenino no Catete, dividindo dificuldades, alegrias e esperanças com outra amiga bailarina, enquanto seguia seu aprendizado na academia de dança, sonhando com os palcos e a carreira de atriz. Durante meses nosso namoro se segurou entre cartas, telefonemas e as idas e vindas entre as duas cidades. Durante esse tempo tive o privilégio de conviver com seus sonhos e aprendi bastante com a força de sua fé.

Uma noite, quando já havíamos terminado o namoro e vivíamos aquele clima de volta-não-volta, ela me ligou chamando pra ir se divertir na Praia de Iracema. Renata curtia novamente suas férias em Fortaleza, com toda aquela energia de uma garota de 20 anos. Mas era uma segunda-feira, eu tinha muito trabalho no dia seguinte, e respondi que não podia, mas que no outro dia nos veríamos.

Não houve outro dia. De manhã cedo acordei com a notícia de que Renata estava morta, fôra assassinada por um desses dementes que andam armados por aí e que acham que podem resolver tudo na base da bala.

Já se foram 15 anos. Pra nós, a família e os amigos de Renata Maria Braga de Carvalho, sua ausência é uma sensação diária de estar amputado. Uma dor sem qualquer remédio possível, como se faltasse uma parte da alma. Mataram Renata e nos condenaram à pena perpétua dessa dor.

O assassino, porém, continua solto e faceiro por aí. Sua família, de Brasília, soube educá-lo com dinheiro, carro importado e um revólver, muito útil pra discussões no trânsito. Como ele, há muitos outros Wladimir Lopes Magalhães Porto aí pelas ruas, todos clientes da impunidade -- esta senhora discreta e eficiente, que tão bem serve aos que lhe fazem as honras no escurinho dos escritórios e gabinetes.

De todas as violências, a impunidade é a maior. Se queremos uma sociedade mais justa e mais pacífica, não podemos ser complacentes com essa senhora! É preciso não se conformar e protestar, denunciar, chamar a imprensa, o bispo, a corte internacional! Embora às vezes, eu admito, nos dê um desânimo danado, parece que estamos nadando, nadando e não saímos do lugar. E a impunidade ali, zombando dos nossos esforços...

Nesses momentos, então, eu me lembro da família de Renata e de todas as outras famílias vítimas da violência e da impunidade, todas elas lutando por justiça. E aí não posso desanimar, tenho que fazer a minha parte, uma pequena parte, é verdade, afinal sou apenas um escritor.

Mas se as palavras servem, infelizmente, pra deixar impunes os criminosos, servem também pra manter acesa a fé das pessoas num mundo melhor. A mesma fé que Renata tinha na vida.


*O escritor e roteirista cearense Ricardo Kelmer hoje mora em São Paulo


24 junho 2008

BOM DEMAIS

Quinta musical 19/06...



O guitarrista e violonista Fabrício Scaff acompanha a cantora Caliandra Paim em momentos clássicos e contemporâneos da música brasileira, no Happy Hour Bom Demais, em show que revive compositores como Tom Jobim e Vinícius de Moraes.

Os intérpretes também passeiam por composições de Rita Lee, Lenine, Djavan e Marina, entre outros. Scaff estudou na ULM-Universidade Livre de Música Tom Jobim, em São Paulo/SP, com o maestro Waltel Branco e com o conceituado guitarrista Olmir Stocker.

Em 2003, participou do grupo Aura Tropical, com quem gravou e produziu CD lançado no Brasil e na Itália. Também em São Paulo/SP, atuou nos grupos instrumentais Blue Bossa e Big-Band Swinging Sounds.

Recém-chegado à Capital Federal, Scaff vem se destacando em apresentações nos bares da cidade, cafés e restaurantes. Além disso, atua como monitor em aulas de prática de conjunto na EMB-Escola de Música de Brasília.

Caliandra Paim estudou piano erudito e atualmente é aluna de canto popular na EMB-Escola de Música de Brasília, com professores como Maria de Barros, Myrlla Muniz e Alysson Takaki.


PARA CONFERIR
Fabrício Scaff e Caliandra Paim apresentam Clássicos e Contemporâneos da MPB
Happy Hour Bom Demais
Na quinta-feira, de 18h às 21h
Couvert artístico: R$ 8,00


O Bistrô Bom Demais fica no CCBB Centro Cultural Banco do Brasil – Brasília/DF
SCES, Trecho 2, Conjunto 22 - Térreo (em frente ao Clube de Golfe)
Reservas e informações: (61) 3310-9478 e (61) 8402-7438

19 junho 2008

SACI PRA MASCOTE

Brasil 2014


Começa a circular entre os "saciólogos" uma campanha para lançar o saci-pererê como símbolo da Copa do Mundo de 2014, quando o evento acontecerá no Brasil. A idéia visa, com isso, divulgar para todo o planeta a imagem do mais expressivo mito nacional e, assim, provocar o interesse de povos do mundo inteiro sobre a cultura popular brasileira.

Tudo começou como tudo que é bom começa: conversa vai, conversa vem e o jornalista mineiro Mouzar Benedito comenta em uma reunião da Sociedade dos Observadores de Saci — a SOSACI —, que certamente os marqueteiros inventarão um mascote besta para a Copa, a exemplo do já esquecido "Cauê" dos Jogos Panamericanos.

A observação foi suficiente para dar o apito inicial da campanha. Não é preciso esperar quem vai em uma perna e volta na outra para saber que o saci é uma síntese do povo brasileiro, de domínio público, conhecido em todo o território nacional, brincalhão, gozador e que gosta de dar alguns sustos também.

O saci é um ser fantástico das matas que foi colocado no terreiro das crenças indígenas, amamentado pelas mães-pretas e coroado com o gorro da liberdade trazido pelos imigrantes. Mouzar diz com irreverência sacizística que até nas comemorações do Centenário da Imigração Japonesa tem aparecido Saci de olhinhos puxados, respondendo pelo nome de "Sashimi"...

O escritor santista José Roberto Torero gostou tanto da idéia do saci como mascote para a Copa de 2014 que fez logo um texto para o caderno de esportes da Folha de S. Paulo (10/6/2008) defendendo o danisco, por sua força de simbolizar o Brasil e de permanecer na memória dos torcedores, como algo originário da cultura brasileira. Torero convoca seus leitores a se unirem nessa cruzada de vivas ao saci.

Tomando o entusiasmo de Mouzar e de Torero, também para mim entro aos pulos e assobios nessa campanha de fortalecimento dos valores positivos da brasilidade. O saci é uma figura rica em variantes e, por isso, mesmo correndo o risco de ter sua imagem massificada como mascote, a consistência do seu composto simbólico dará sempre para combinar com os modos locais de interação com o seu significado.

Por estar lastreada em atributos extraordinários de estado puro e amalgamada por materiais sensíveis da miscigenação, a intensificação da popularização do Saci é um meio de informarmos para nós e para o mundo que nos reconhecemos em nosso imaginário. Como mascote, ele estará além dos tradicionais bonequinhos, normalmente destituídos de alma coletiva pelas referências lógicas comerciais.

Precisamos ver a Copa do Mundo como o grande evento desportivo que ela é, mas precisamos encará-la também como plataforma de canal invertido de transmissão cultural. Temos poucas chances de enviar para o mundo algo das nossas manifestações autênticas — e esta será uma delas. O mascote do saci servirá de êmulo no contrafluxo simbólico a tudo o que apenas recebemos no cenário de assimetria das relações culturais internacionais.

O saci tem a vantagem de ser um denominador comum para crianças e adultos. Chamá-lo a participar do jogo é um ganho para a memória nacional e uma elevação de ânimos da brasileirice. Fico imaginando-o com a bandeira brasileira no coração, no gorro, com a faixa verde-amarela de capitão, rodopiando em pequenas hastes dos camelôs à venda nas entradas dos estádios...

Mas fico imaginando mesmo é o desenho-animado do mascote Saci, em dribles mágicos com sua perna invisível. Sei que em um primeiro momento muita gente deve se perguntar que sentido faz um personagem que "só tem uma perna" ser o símbolo de uma Copa de Futebol, esporte fundamentado na habilidade humana de conduzir a bola com os pés até atingir o gol do adversário.

Engana-se quem pensar que o saci só tem uma perna. Quando ele era apenas uma lenda indígena, ele tinha duas patas. Depois foi que surgiu a história de que ele era um menino-escravo que preferiu perder uma perna a ficar preso aos grilhões das senzalas. Mas a perna arrancada na fuga do saci nunca foi encontrada, não há vestígios dela. Por isso, prefiro acreditar que ela ficou encantada: tão encantada que nem rastro deixa por onde passa.

Gostaria muito de saber explicar melhor o que chamo de perna invisível do saci, a perna invisível da cultura brasileira. Ela está nos passos de frevo, nos lances de capoeira e nos dribles dos grandes craques de futebol. O Dener dizia que um drible é mais importante do que um gol. De Garrincha a Ronaldinho Gaúcho, a perna encantada do saci pode ter sido a responsável por tantas jogadas desconcertantes na história do nosso futebol.

A gente praticamente não vê como ela ludibria os adversários em manifestações estéticas de grande emoção. É, sem dúvida, uma representação da alegria do futebol. Quando o Rivelino derrubava o adversário com uma rápida e invisível passagem de perna sobre a bola, ele estava fazendo as vezes de saci. Exemplos da atuação dessa incrível perna invisível estão aos montes na história de Pelé, Tostão, Sócrates, Romário, Denílson e nas pedaladas de Robinho.

No plano político, a perna invisível do saci-pererê é uma ótima alternativa à mão invisível do mercado. Ela representa a popularização do auto-pronunciamento das forças das culturas regionais, diante do poder destrutivo da lógica instrumental da economia, da idolatria da técnica e da redução de Deus à condição de objeto no comércio da fé.

Essa história de mão invisível do mercado vem do tempo da Revolução Industrial, quando o pensador escocês Adam Smith (1723 – 1790) criou os fundamentos do liberalismo. Ele partiu do pressuposto de que o ser humano é antes de tudo um egoísta, para chegar à tese de que a soma das defesas das vantagens econômicas individuais levaria ao bem comum.

Na segunda metade do século passado, a lógica de Smith ganhou novos contornos, com o neoliberalismo reduzindo a noção do bem comum ao extremo usufruto dos poucos que conseguissem ser competitivos o suficiente ao ponto de eliminar os mais lentos e os mais fracos. Com isso, chegamos a uma situação insuportável nas relações humanas — e a uma condição insustentável no que se refere à preservação da natureza.

A escolha do saci como mascote para a Copa do Mundo no Brasil tem um ar de respeito à vida, ao meio ambiente e à diversidade cultural, por meio do que temos de mais humanamente distinto, que é o nosso imaginário. É como se o saci fizesse frente aos mascotes virtuais que têm sido induzidos aos cuidados infantis, como se fossem seres vivos de verdade, como se expressassem sentimentos e necessitassem de afeto para sobreviver.

De tanto propalar os benefícios da "saciologia" já fui questionado por leitores se não seria o caso de pensarmos em um herói menos mutilado e mais viril, menos marginal e mais vencedor, para utilizar como modelo brasileiro de busca da excelência nacional (como é o caso do Super-Homem, do Capitão América, do Homem de Ferro e de outros super-heróis das histórias em quadrinhos), criados como esforço de comunicação de supremacia.

O saci é um anti-herói. Está mais próximo do Osaín, mito iorubá que brotou da terra com a vegetação e teve seu corpo partido pela metade por um raio inimigo. A diferença é que, enquanto Osaín prepara as ervas e a água medicinal para as cerimônias de comunicação humana com os orixás, o saci aproveita os ventos contrários para sair redemoinhando a sempre surpreendente ligação da cultura com a natureza. Com o Saci de mascote na Copa de 2014, mais do que um duende libertário daremos ao mundo uma prova de grandeza e de soberania cultural.

*O cearense Flávio Paiva é jornalista e escritor


(Imagens: o Pererê do Ziraldo bate um bolão nos quadrinhos desde meados da década de 1960. Agora, em qual time ele joga... Já quem trouxe o saci à boca — e à lembrança — do povo foi o escritor Monteiro Lobato)


www.flaviopaiva.com.br

http://coisasdesaci.wordpress.com/2006/09/14/22-de-agosto-dia-do-folclore

16 junho 2008

AUTOCONFIANÇA

Mitos da sedução


Para quem passou o Dia dos Namorados sozinho(a), talvez seja a hora de rever certos conceitos como "O melhor é virar amigo primeiro" ou "Para conseguir mulher bonita só sendo bonito ou rico". Muitas pessoas repetem estas e outras frases como um mantra durante a conquista.

Mas será que esse é o melhor caminho? Segundo os palestrantes Plínio de Souza e Armando Moucachen, que ministram o curso Sedução e auto-estima, tais frases podem destruir qualquer chance de relacionamento. Por isso, a dica é evitar pensamentos como: "O negócio é ser o bonzão, ter razão em tudo"; "As pessoas têm que gostar do jeito que eu sou"; "Ser bonzinho e fazer tudo o que o Outro quiser garantirá que ele te queira"; "Se mostrar respeitável ocultando o seu interesse sexual facilita que o outro te queira."

“O sucesso na sedução depende da autoconfiança e das estratégias usadas no processo, que podem ser desenvolvidas por meio de Programação Neurolingüística, Hipnose Ericksoniana, Psicanálise e da Linguagem Corporal”, explica Plínio de Souza, psicólogo, ator, sócio da Ápice Desenvolvimento Humano e palestrante.

Segundo Armando Moucachen, consultor pessoal em Programação Neurolinguística, ator e palestrante, quanto mais se entende as regras do jogo, mais há chances de conquistar quem se deseja. “Após o curso Sedução e auto-estima, os participantes compreendem como as pessoas reagem e lidam umas com as outras durante processos eficientes de sedução, aumentando sua percepção, identificando com mais facilidade o momento certo para agir e elegendo estratégias para seduzir diferentes tipos de pessoas em diferentes contextos”, completa.

O curso Sedução e auto-estima, ministrado pelos consultores da Ápice Desenvolvimento Humano, terá início em São Paulo/SP no dia 16 de junho para as mulheres e no dia 18 de junho para os homens. Durante um período de 2 meses, os participantes terão aulas práticas e, em muitos momentos, os grupos de mulheres e homens terão aulas em conjunto.

A Ápice Desenvolvimento Humano, empresa criada pelos sócios Plínio de Souza e Renata Gobbi, é focada em mudanças comportamentais breves e oferece às pessoas produtos e serviços como: Consultoria Pessoal em Programação Neurolingüística (PNL), Coaching de Vida, Formação em PNL, Workshops e Seminários – Saúde Financeira, Desinibição Intensiva, Desestruturando a Obesidade, Desmistificando a Sedução etc.

Para as empresas, os principais produtos e serviços incluem Coaching Executivo, Consultoria em Treinamento e Desenvolvimento Humano e palestras in company com os temas: Competência Emocional, Sucesso em Vendas com PNL, Administração do Estresse e Qualidade de Vida, Educação Financeira, entre outros.


PALESTRANTES
Plínio de Souza é ator profissional, consultor pessoal e empresarial, terapeuta, trainer em Programação Neurolinguística, Bacharel em Psicologia, hipnólogo, coach, formado em Constelação Familiar e Terapia da Linha do Tempo e Armando Moucachen é ator profissional, consultor pessoal e empresarial, Master em Programação Neurolinguística, Especialista em Psicanálise, com formação em Hipnose Ericksoniana, físico formado pela USP.


SAIBA MAIS
Ápice Desenvolvimento Humano
Tel.: (11) 3284-2651

10 junho 2008

AFIRMAR OU NEGAR?

Eu sabe que vai te amar


"Quando um homem cria um mundo próprio, transforma-se
num corpo estranho contra o qual se voltam todas as leis:
a gravidade, a compreensão, a rejeição, o aniquilamento."
(Joseph Brodsky)


Eu se questiona, se debate. Melancólico e fragilizado, Eu vê-se perdido — de amor e rejeição pela cidade que o abriga. Perdão, se compreensivos leitores, perdão...

Se Eu muitas vezes insiste em definhar o senso de alegria, transformando a vida numa alegoria infeliz, perversa, alterada, denegada, saberia Eu que, a reboque desta estratégia paranóica, a felicidade ousa se excluir, despistando mesmo o que de mais real existe em sua vida (ou seja, o torto amor pelo lugar que o atura)?

Do mesmo lado dessa dúvida, uma constatação criva-se no âmago da insensatez: Eu seria apenas os fragmentos de um espelho quebrado, a refletir as várias faces do que podemos ou pudemos ser. Tanto vário ou uno, Eu é apenas a sobra do que se imagina — ou, quem sabe, a reprodução dos tantos espalhados por aí.

Sem pestanejar, estas idéias foram se instalando no pensamento de Eu. E qual teria sido a razão propulsora dessa contundência, desse bom ferimento da alma? Simples: nada mais, nada menos que a surpreendente franqueza do jornalista Marcos Sá em diversa manhã etílica, no Raimundo El Tricolor. Retrucou ele que Eu não seria mais quem ele pensa ser: Eu tornara-se um anônimo multiplicado pelas memórias de quem o esbarrasse. E pronto. Xeque-mate.

Por conta disso, Eu, perdido, largou-se em sua rede cor-de-vinho, enrolou-se nas franjas e deixou-se estar, paralisado. O mundo pareceu momentaneamente fechar-se para que somente duas preciosas pérolas passassem a incrustar-se em seu pensamento...

Primeira pérola: por que Eu não aceita o espaço a seu redor? Por que não se deixa apaixonar por essa Fortaleza de tantos vislumbres, de tantos escombros; de tantos alumbramentos, de tantos sustos; de tantos belos delírios, de tantos estranhos pesadelos...? Antítese da realidade, dialética ao vento, Eu bem que poderia aceitar os burgueses maquiados, mascarados, ou a surpreendente ignorância mágica dos desconhecidos do povo, uma vez que todos apenas representam uma maneira de ser e estar no mundo.

Da mesma forma, Eu bem que poderia conviver e assimilar o desregramento de uma juventude em busca de suas verdadeiras aparências, jogadas nas coxias dos shoppings ou das lojas de conveniência ou nas esquinas perdidas, ou aceitar simplesmente a superficialidade dos grupinhos a deflorar a bondade do mundo.

Fortaleza tosca que Eu deve encarar, mas tanto grotesca quanto a sua própria identidade a caminhar intranqüilamente pelos lugares do Centro, da Aldeota, da Barra do Ceará, do Antônio Bezerra, do Siqueira e de alhures. Eu se desafiaria... assim, Eu se desfiaria...

Segunda pérola: por qual motivo Eu mostra-se tão tenso diante de si próprio — invadindo a dor, a angústia e o silêncio? Por qual motivo se identifica com o resto do mundo e se multiplica, quanto mais se individualiza?

Eu está mesmo reproduzido em todos os lugares: nas ruínas da praça 31 de Março, nos deslimites do Morro Santa Terezinha, nos labirintos do Conjunto Ceará, nas ruelas do Bairro Ellery. Privado de qualquer sensatez, Eu confronta-se nos deslimites da incerteza. É apenas a sombra de uma linha fina a insistir em tentativas de passar pela fenda de uma agulha, ansioso por coser a história dos lugares.

Assim, antes de aceitar qualquer amor pelo lugar onde vive e a multiplicidade de tantos encontros e desencontros consigo mesmo e com as verdadeiras personagens de sua história, Eu carrega o silêncio nos ombros. E a Fortaleza que se avoluma o assusta, mesmo resgatando sentimentos diversos. Eu balança-se na rede cor-de-vinho.

Uma brisa brisa. A canção soa. No céu, um pássaro rodopia e pousa na antena parabólica no alto do edifício ao lado. A tarde tarda. Talvez seja impróprio inventar o mundo, reinventar a identidade, ou até mesmo meditar. Certo ou errado, a única opção viável é aparentar frieza. Fugir da toca, rasgar o peito e deixar à vista o coração fragilizado, mostrar-se arrependido ou exposto ao que possa confundir-se com o supostamente ridículo.

Afinal, o lugar é este, Fortaleza, e Eu é apenas uma conseqüência humana. Dizer, pois, que amar é mais que uma simples palavra, é falsear a verdade. Por qual motivo, então, não expressar somente seu amor pela cidade que o acolheu? Eu se desafiaria... assim, Eu se desfiaria?


*Jorge Pieiro, um menor que Eu... é escritor e editor da revista Caos Portátil


A imagem acima (go get your English dictionary): Allegorical Portrait of an Artist, painting from about 1680-85 attributed to Michiel van Musscher (Dutch, 1645-1705) but also known (or mistaken by) as Vermeer's Lost Self-Portrait. Comments include: "Seated before fruits and flowers, the raw material that her skill transforms into art, the skill and reputation of this female painter is trumpeted by the figure of Fame who appears overhead. At the same time, a cherub crowns her with a laurel wreath, symbol of victory. Attributes of the liberal arts rest on the table beside her, while in the background stands a statue of Minerva, the mythological patroness of the arts. The identity of the painter is unknown, and even the recent discovery of the flower still life sitting on the easel has done little to solve this mystery. Interestingly, The Netherlands, unlike most of Europe in the seventeenth century, could boast of a number of successful and innovative female artists."



LOAS AO COLUNISTA
jorgepieiro@secrel.com.br