Geração Peter Pan
precisa é crescer
A geração a que me refiro, infelizmente, não é essa, atual, que rouba e mata sem noção. É a minha, aquela que, quando jovem, acreditou em muitas tolices bem-intencionadas. O Partido dos Trabalhadores, por exemplo.
Lembro-me bem do entusiasmo com que nós, artistas e intelectuais da Vila Madalena, pintávamos a nascente estrelinha vermelha em tampas metálicas de garrafa, para vendermos. Deu no que deu: a classe proletária foi ao paraíso e, uma vez lá, fez o que achava certo. A vingança do povão: roubar, se divertir, virar mais burguês que os piores burgueses. A coisa pública para eles, ex-pobres, agora ricaços, é privada. Literalmente. Cagam e andam para leis, democracia, ética, o escambau.
Outra bobagem de que nós, jovens idealistas da década de 1970 e 1980, nos arrependemos muito é o Partido Verde. Abraçamos a Lagoa Rodrigo de Freitas, no RJ, e erguemos nosso sonho libertário em torno da sunga de crochê do Fernando Gabeira.
O resultado está aí: o Partido Verde amarelou, se tornou uma espécie de legenda de aluguel, nem o Código Florestal discutem mais. Os fundadores íntegros pularam fora a tempo, mas o PV continua na moita enquanto o desmatamento avança. O MDB só foi oposição na campanha das Diretas, depois ganhou um P e as chaves do cofre da Viúva. Os crentes andavam pacificamente com suas Bíblias, até descobrirem a força do deus-Mercado.
Acompanhamos e lutamos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Esse mesmo, que se tornou um aval para a bandidagem mirim. Nem precisava terminar com ele, como a sociedade parece querer: basta mudar um item e lembrar que, independente da idade, sociopata perde o manto da proteção e tem de ficar fora de ação. Simples assim.
Introduzimos as noções revolucionárias de Reich, o psiquiatra maldito, no Brasil. O pessoal finalmente aceitou, mas entendeu tudo errado: orgasmo e vitalidade corporal eram para dar prazer, não para exibir em academias de malhação.
Presos políticos, alguns de nós, candidamente, passamos noções de organização para colegas presos comuns. Enquanto levávamos uma surra brava da ditadura, os coleguinhas malacas montaram as bem-sucedidas holdings do crime: PCC, A.D.A., e muitos filhotes a dominar, e lucrar, nos presídios e nas comunidades.
As mulheres da minha geração foram feministas, sim. Lutaram e garantiram seus prazeres e o uso de seus corpos. Mas muitas exageraram e liberaram demais as filhinhas, que andam por aí exibindo gravidez precoce e amor incondicional aos funkeiros.
Está mais do que na hora da minha geração crescer, fazer seu mea culpa, ou culpa inteira, e dar a volta por cima, saindo debaixo dessa cumplicidade indecente. Os velhinhos idealistas de ontem precisam dar o bom exemplo que já tentaram dar antes.
*Ulisses Tavares, 63 anos, poeta, participou ativamente de movimentos
de cidadania no Brasil nas últimas décadas. Ajudou a fundar partidos,
mas nunca se filiou a nenhum deles e anda se sentindo bem sozinho
na batalha. É autor de alguns livros, entre eles Hic!stórias – Os maiores
porres da história da humanidade e A maravilhosa sabedoria das coisas.
O poeta Ulisses Tavares declama nu no palco do Sesc Pompéia, em São
Paulo, nos anos 1980. Imagem em www.revistadacultura.com.br