Só zumbis aprovam volume morto*
Zumbis, como sabem todos que assistem a essas séries tipo
walking dead, não pensam, não têm emoções e, literalmente, cagam e andam, meio
capengas, para o restante da humanidade viva e pensante. Todos querem apenas
sobreviver, isso é certo.
Zumbis
e vivos apenas diferem no modus operandi. Aqueles não criam estratégias ou
manhas para seus amanhãs. Estes, têm visão da continuidade.
No
Brasil, às vezes, como agora, parece que viramos zumbis de vez. Por opção ou despirocação. Os
líderes-zumbis do governo dão entrevistas e, à conta-gotas, contam a verdade
sobre a crise da falta de água.
Pode observar as fotos e vídeos. Dizem mais que
as falsas palavras. Todos falam com naturalidade do tal volume morto, com
garrafinhas de água mineral ao lado para umedecer as bocas secas de mentiras.
E o
zumbi-povo quer acreditar porque é assim que a história e a biologia comprovam:
ontem como hoje, o gado segue o líder. Nem que ele os leve para o abismo. Somos
todos zumbis, brasileiros sem cérebros, lá na cobertura e no porão da
desigualdade social.
Choque
de realidade não surte efeito em zumbis, de A a Z.
Nem o
zumbi classe A vai renunciar ao seu conforto e privilégios, nem o zumbi classe Z
vai deixar de lado sua alienação e a esperança de, um dia, virar classe A sem
esforço.
Sendo
prático e ecossocialista, desculpem-me os socialistas que pararam no tempo em
que as questões eram apenas marxistas e econômicas e de esquerda ou direita. O
ecossocialismo chegou para lembrar que estamos todos no mesmo barco, essa nau
insegura chamada Terra, prestes a naufragar em nossas mesquinharias e
ultrapassadas convicções.
Nem
Marx, nem Jesus. Apenas a frágil humanidade à deriva no mesmo Titanic. Mas
voltemos ao que a bússola do tempo, esse climatempo wébico 24 horas on-line,
nos diz, inutilmente, todos os dias: os zumbis, que já estão mortos em vida,
vão morrer de novo de sede na praia.
Nos
entornos das represas — Guarapiranga, Cantareira etc. — estão milhares de
zumbis-povão — como dizem as hipócritas reginas casés, membros da comunidade, usando o eufemismo de favela e passividade — faturando em cima da glamourização
favelística.
Esses zumbis jogam cocô, lixo e cadáveres, diuturnamente, numa
boa, nas águas já sujas das represas vizinhas de seus barracos de ocupação
ilegal.
Barraqueira, lato sensu, é isso aí: nóis suja mesmo, mas somo inocentes, dotô! E, se insistir, nóis convoca as trocentas ONGs de direitos
humanos que faturam para nos proteger e para nos manter assim, porcos na merda,
senão elas não têm como sobreviver!
A
pergunta de alguns zumbis, tipo eu, com restinho de cérebro, que não podem se
calar, é bem simples, bem povão: Quem vai ter coragem de peitar os zumbis
favelados? Como tirá-los da vizinhança das represas?
É
ilegal eles lá? Sim. Querem mudar? Não.
Mas os zumbis do phoder não se mexem. Eles
são cúmplices, hermanos, isso aí, mano.
Pano
rápido, vamos olhar os mananciais, as nascentes, onde tudo começa. E já
começa mal.
Secando, porque precisam de no mínimo 150 metros de mata, de lado a lado. Mata
não, mato comum serve. Os
agricultores até já sabem. Porém, zumbis que são, exageram nos agrotóxicos em
suas lavouras, para extirpar as ervas daninhas, e são bem-sucedidos até demais.
Acabam com a mata ciliar das nascentes.
Como
no Brasil ninguém é culpado de nada, estão desculpados. Afinal, aqui todos têm
profundo respeito pelo verde. O dólar é verde. E até reais são chamadas de
verdinhas.
Daí
vem a saia-justa, na falta de camisa-de-força, dos zumbis autoridades
(ir)responsáveis: contar que as chuvas torrenciais não alteram o nível das
represas. Funcionário público brasileiro é tudo igual: ganha para trabalhar e
corresponde trabalhando muito, contra os cidadãos, criando mais burrocracia,
mais mordomias, mais propinas e menos eficiência, presteza, meritocracia.
O
funcionário público é uma privada, uma caixa-preta, uma fossa. Quem vai
enfrentá-los? Cidadão fica na sua, óbvio, paga o mico e sai com seu papelzinho
carimbado. Igual papel higiênico manchado de merda.
Represas como a Cantareira sempre foram abastecidas pelas nuvens de
água, ou rios de água produzidos lá nas florestas amazônicas. Acabaram com as florestas, the end para os rios de nuvens de água que,
soprados pelo vento, caíam aqui no Sul-maravilha.
Quem
vai questionar e enquadrar a poderosa indústria do agronegócio, com suas
lavouras predatórias de soja e cana-de-açúcar e com os pastos de gado? Ninguém, muito menos os zumbis, afrontam esse
átila, que por onde passa não cresce grama.
Enquanto isso, os zumbis tomam goles e goles do volume morto, numa boa. Uma
nação quase inteira unida no esquizofrênico funk ostentação. Quem precisa de H2O se não faltam cerveja, nem marias-gasolinas e nem esmolinhas sociais?
A
minoria com cérebro, acossada, cercada, politicamente incorreta, nem chora para
não desperdiçar água. Perdeu, perdemos, playboy.
Sem
água não há energia elétrica nem futuro nem vida, se é que isso que está
ocorrendo pode ser chamado de vida. Pelas leis da biologia, da física e do bom-senso, a tal da vida é apenas um rio que corre sem parar. Estas leis foram
revogadas pelos zumbis-políticos, petralhas ou não, atendendo aos seus
eleitorados zumbis.
Brasileiro virou (ou já era assim?) versão tupiniquim de terrorista
árabe. Homens-bomba sorridentes e mulheres sem burcas. Por fora, belas violas;
por dentro, pães bolorentos.
No céu
de Alá dos trópicos não nos esperam sete mil virgens, felizmente, ufa. Apenas
piriguetes siliconadas. E,
tomara, fartura de água. Podre,
suja. Ninguém vai reclamar, claro.
Estamos acostumados e acomodados ao inferno mixuruca daqui debaixo, oras
bolas.
Fazemos uma selfie, pagamos o dízimo, tomamos um antidepressivo e vamos
pular no bloco de carnaval Zumbis Unidos Jamais Serão Vencidos.
Volume
morto não é a questão, nem a pergunta principal, nem a solução. Volume
morto somos nós todos. Zumbis
com, minoria, ou sem cérebro, maioria.
A
lamentar, se fossemos sinceros, que hoje não vai dar para assistir ao BBB nem
sair para a balada!
Vamos
todos protestar no Facebook. Nas ruas não, que é perigoso. Elas são dos PCCs e
dos black-blocks e dos sindicatos pedindo aumento de salários, e nunca de
melhorias dos serviços prestados. Curtiu?
Já encheu a sacolinha!
E eu, boboca
sempre pré-ocupado com os animais e a natureza, também sofro da síndrome do saco-cheio
com essa história das sacolinhas de supermercados.
Como sou
também dublê de dona-de-casa atualizada e atenta aos imperativos ecológicos
destes tristes tempos nestes tristes trópicos, ouço e converso muito com a
mulherada durante as compras. Dicas de culinária, banalidades em geral, e até
ocasional papo-cabeça.
Infelizmente, tive de deixar de lado o assunto das sacolinhas. A maioria
das consumidoras lamenta e detesta o fim desse conforto que é enfiar as compras
em mil saquinhos plásticos e depois jogar fora para poluírem os bueiros, os
esgotos, os rios e os mares.
A maioria é gente boa de milhões de amélias que
cuidam bem do lar, mas não estão nem aí para o lar de todos, a nossa Terra.
Zelam pela família, mas não incluem nela os peixes e outros animais marinhos
que irão morrer, engasgados e sufocados, pelas malditas embalagens descartadas.
Como
Freud, desisti de entender as mulheres, ao menos estas alienadas que vejo e
observo fuçando as prateleiras. Só não
desisti é de protestar contra os governantes, autoridades e funcionários
públicos (aqueles burrocratas que nos atendem para nos ferrar e justificar seus
carguinhos e o cartaz que diz que não se pode ofender funcionário público), que
superam os cidadãos consumidores em hipocrisia e miopia ambiental.
Até quando
acerta, esse bando erra feio. Primeiro,
proibiram as sacolinhas. Ok, foi
gol, na trave. Os supermercados faturaram pacas em sacolas retornáveis e se
livraram de uma despesa.
Daí entrou
o lobby dos fabricantes e as nefandas camisinhas de comestíveis voltaram.
Não ouvi
ninguém reclamando, só elogiando. Por isso calei minha boca grande diante de
minhas amigas sofredoras, digo, consumidoras. A quase ninguém ocorre ter pouco
mais de trabalho para muito ajudar o planeta.
Apenas uma
senhorinha, até hoje, me apoiou: certo seria não comprar latinhas, mas levar as
garrafas de cerveja e encher o caneco; ter sua própria sacola ou carrinho no
leva-e-traz; não comprar mais que o necessário, e por aí vai. Não
resolve, mas alivia a barra do planeta.
Agora, as
otoridades aqui em Sampa botaram o prego no caixão: só usaremos sacolinhas
verdes. Traduzindo: sacolinhas feitas de cana-de-açúcar. Segundo os FDPs
(filhos da prefeitura), elas suportam até três garrafas pet cheias, anunciaram
com orgulho.
Seria de
rir, não fosse pra chorar: lucra a lavoura canavieira que, com aval verde,
avançará sobre as matas nativas; lucra a indústria das garrafas pet, que
esmerdeia as águas; lucra o político demagogo. Só não
lucra o meio ambiente.
Ah, sim,
lembrei: não estou atacando os petistas, nem aecistas, nem quejandos. Pelo que
também vejo, ouço e converso nos supermercados das ideologias, o tema do
ecossocialismo é tabu. Das
sacolinhas, então, nem se fala.
O Rio das Tripas e o Tietê
Mais
que a vida real, a História e a Poesia nos ensinam, cada uma à sua maneira.
Aquela, pelos fatos; esta, pelas emoções. E, bem recentemente, as três se
juntaram para me dar uma preciosa lição.
Fui
assistir ao belo espetáculo Por Um Rio, projeto da poetisa Ieda Abreu. São
poemas escritos nos últimos 200 anos sobre o Rio Tietê. Águas limpas se
transformando em esgoto a céu aberto, diante do olhar, ora apaixonado, ora
estarrecido, de nossos poetas paulistanos.
Depois, lendo sobre a colonização do Brasil, perdi o sono de vez. Por
causa do pesadelo vivido pelo Rio Tietê. Mas principalmente por um seu
ancestral, o Rio das Tripas.
Voltemos a 1551: finalmente o Brasil ganhava uma cidade de verdade,
em Salvador, Bahia.
A água
para se beber (tomar banho não, que portugueses colonizadores e brasileirinhos
não eram chegados nisso, exceto os índios) era mui farta, graças a um belo rio
que contornava a recém-nascida capital.
Só que
as “otoridades” da época construíram um matadouro de gado. E as vísceras bovinas eram
jogadas no rio. Daí ele ficou conhecido como Rio das Tripas.
Era
costume jogar o lixo doméstico (inclusive o conteúdo dos urinóis) nas ruas, mas
as "otoridades" proibiram e eles passaram a ser jogados no pobre Rio das Tripas.
Para
piorar, as tropas de mulas com mantimentos e mercadorias que chegavam ao
povoado tinham de atravessar o rio. Havia verba para a construção de algumas
pontes, que nunca saíram do papel porque o dinheiro foi roubado (bem diferente
de hoje, né?).
Resultado: apenas dois anos depois, os moradores não podiam mais contar
com o Rio das Tripas, apodrecido, e tiveram de cavar poços.
Como se
viu e se vê, o Rio Tietê faz parte de uma linhagem maldita de rios
emporcalhados há séculos. E não
adianta a História e a Poesia contarem e cantarem essa tragédia. O Brasil está
surdo ao clamor das águas.
*Ulisses Tavares é poeta, historiador e ambientalista.
Só toma água mineral, mesmo assim com relutância
e culpa. Inspirado no filósofo ateniense Zenão,
prefere não falar com reis, mas com quem o entende.
Zenão repartia seu alimento e sabedoria com os cães
de rua. Coisas de poeta. Mistura de Tietê e
Tripas.
Imagem em http://nathazlab.blogspot.com.br