"Quando um homem cria um mundo próprio, transforma-se
num corpo estranho contra o qual se voltam todas as leis:
a gravidade, a compreensão, a rejeição, o aniquilamento."
(Joseph Brodsky)
num corpo estranho contra o qual se voltam todas as leis:
a gravidade, a compreensão, a rejeição, o aniquilamento."
(Joseph Brodsky)
Eu se questiona, se debate. Melancólico e fragilizado, Eu vê-se perdido — de amor e rejeição pela cidade que o abriga. Perdão, se compreensivos leitores, perdão...
Se Eu muitas vezes insiste em definhar o senso de alegria, transformando a vida numa alegoria infeliz, perversa, alterada, denegada, saberia Eu que, a reboque desta estratégia paranóica, a felicidade ousa se excluir, despistando mesmo o que de mais real existe em sua vida (ou seja, o torto amor pelo lugar que o atura)?
Do mesmo lado dessa dúvida, uma constatação criva-se no âmago da insensatez: Eu seria apenas os fragmentos de um espelho quebrado, a refletir as várias faces do que podemos ou pudemos ser. Tanto vário ou uno, Eu é apenas a sobra do que se imagina — ou, quem sabe, a reprodução dos tantos espalhados por aí.
Sem pestanejar, estas idéias foram se instalando no pensamento de Eu. E qual teria sido a razão propulsora dessa contundência, desse bom ferimento da alma? Simples: nada mais, nada menos que a surpreendente franqueza do jornalista Marcos Sá em diversa manhã etílica, no Raimundo El Tricolor. Retrucou ele que Eu não seria mais quem ele pensa ser: Eu tornara-se um anônimo multiplicado pelas memórias de quem o esbarrasse. E pronto. Xeque-mate.
Por conta disso, Eu, perdido, largou-se em sua rede cor-de-vinho, enrolou-se nas franjas e deixou-se estar, paralisado. O mundo pareceu momentaneamente fechar-se para que somente duas preciosas pérolas passassem a incrustar-se em seu pensamento...
Primeira pérola: por que Eu não aceita o espaço a seu redor? Por que não se deixa apaixonar por essa Fortaleza de tantos vislumbres, de tantos escombros; de tantos alumbramentos, de tantos sustos; de tantos belos delírios, de tantos estranhos pesadelos...? Antítese da realidade, dialética ao vento, Eu bem que poderia aceitar os burgueses maquiados, mascarados, ou a surpreendente ignorância mágica dos desconhecidos do povo, uma vez que todos apenas representam uma maneira de ser e estar no mundo.
Da mesma forma, Eu bem que poderia conviver e assimilar o desregramento de uma juventude em busca de suas verdadeiras aparências, jogadas nas coxias dos shoppings ou das lojas de conveniência ou nas esquinas perdidas, ou aceitar simplesmente a superficialidade dos grupinhos a deflorar a bondade do mundo.
Fortaleza tosca que Eu deve encarar, mas tanto grotesca quanto a sua própria identidade a caminhar intranqüilamente pelos lugares do Centro, da Aldeota, da Barra do Ceará, do Antônio Bezerra, do Siqueira e de alhures. Eu se desafiaria... assim, Eu se desfiaria...
Segunda pérola: por qual motivo Eu mostra-se tão tenso diante de si próprio — invadindo a dor, a angústia e o silêncio? Por qual motivo se identifica com o resto do mundo e se multiplica, quanto mais se individualiza?
Eu está mesmo reproduzido em todos os lugares: nas ruínas da praça 31 de Março, nos deslimites do Morro Santa Terezinha, nos labirintos do Conjunto Ceará, nas ruelas do Bairro Ellery. Privado de qualquer sensatez, Eu confronta-se nos deslimites da incerteza. É apenas a sombra de uma linha fina a insistir em tentativas de passar pela fenda de uma agulha, ansioso por coser a história dos lugares.
Assim, antes de aceitar qualquer amor pelo lugar onde vive e a multiplicidade de tantos encontros e desencontros consigo mesmo e com as verdadeiras personagens de sua história, Eu carrega o silêncio nos ombros. E a Fortaleza que se avoluma o assusta, mesmo resgatando sentimentos diversos. Eu balança-se na rede cor-de-vinho.
Uma brisa brisa. A canção soa. No céu, um pássaro rodopia e pousa na antena parabólica no alto do edifício ao lado. A tarde tarda. Talvez seja impróprio inventar o mundo, reinventar a identidade, ou até mesmo meditar. Certo ou errado, a única opção viável é aparentar frieza. Fugir da toca, rasgar o peito e deixar à vista o coração fragilizado, mostrar-se arrependido ou exposto ao que possa confundir-se com o supostamente ridículo.
Afinal, o lugar é este, Fortaleza, e Eu é apenas uma conseqüência humana. Dizer, pois, que amar é mais que uma simples palavra, é falsear a verdade. Por qual motivo, então, não expressar somente seu amor pela cidade que o acolheu? Eu se desafiaria... assim, Eu se desfiaria?
Do mesmo lado dessa dúvida, uma constatação criva-se no âmago da insensatez: Eu seria apenas os fragmentos de um espelho quebrado, a refletir as várias faces do que podemos ou pudemos ser. Tanto vário ou uno, Eu é apenas a sobra do que se imagina — ou, quem sabe, a reprodução dos tantos espalhados por aí.
Sem pestanejar, estas idéias foram se instalando no pensamento de Eu. E qual teria sido a razão propulsora dessa contundência, desse bom ferimento da alma? Simples: nada mais, nada menos que a surpreendente franqueza do jornalista Marcos Sá em diversa manhã etílica, no Raimundo El Tricolor. Retrucou ele que Eu não seria mais quem ele pensa ser: Eu tornara-se um anônimo multiplicado pelas memórias de quem o esbarrasse. E pronto. Xeque-mate.
Por conta disso, Eu, perdido, largou-se em sua rede cor-de-vinho, enrolou-se nas franjas e deixou-se estar, paralisado. O mundo pareceu momentaneamente fechar-se para que somente duas preciosas pérolas passassem a incrustar-se em seu pensamento...
Primeira pérola: por que Eu não aceita o espaço a seu redor? Por que não se deixa apaixonar por essa Fortaleza de tantos vislumbres, de tantos escombros; de tantos alumbramentos, de tantos sustos; de tantos belos delírios, de tantos estranhos pesadelos...? Antítese da realidade, dialética ao vento, Eu bem que poderia aceitar os burgueses maquiados, mascarados, ou a surpreendente ignorância mágica dos desconhecidos do povo, uma vez que todos apenas representam uma maneira de ser e estar no mundo.
Da mesma forma, Eu bem que poderia conviver e assimilar o desregramento de uma juventude em busca de suas verdadeiras aparências, jogadas nas coxias dos shoppings ou das lojas de conveniência ou nas esquinas perdidas, ou aceitar simplesmente a superficialidade dos grupinhos a deflorar a bondade do mundo.
Fortaleza tosca que Eu deve encarar, mas tanto grotesca quanto a sua própria identidade a caminhar intranqüilamente pelos lugares do Centro, da Aldeota, da Barra do Ceará, do Antônio Bezerra, do Siqueira e de alhures. Eu se desafiaria... assim, Eu se desfiaria...
Segunda pérola: por qual motivo Eu mostra-se tão tenso diante de si próprio — invadindo a dor, a angústia e o silêncio? Por qual motivo se identifica com o resto do mundo e se multiplica, quanto mais se individualiza?
Eu está mesmo reproduzido em todos os lugares: nas ruínas da praça 31 de Março, nos deslimites do Morro Santa Terezinha, nos labirintos do Conjunto Ceará, nas ruelas do Bairro Ellery. Privado de qualquer sensatez, Eu confronta-se nos deslimites da incerteza. É apenas a sombra de uma linha fina a insistir em tentativas de passar pela fenda de uma agulha, ansioso por coser a história dos lugares.
Assim, antes de aceitar qualquer amor pelo lugar onde vive e a multiplicidade de tantos encontros e desencontros consigo mesmo e com as verdadeiras personagens de sua história, Eu carrega o silêncio nos ombros. E a Fortaleza que se avoluma o assusta, mesmo resgatando sentimentos diversos. Eu balança-se na rede cor-de-vinho.
Uma brisa brisa. A canção soa. No céu, um pássaro rodopia e pousa na antena parabólica no alto do edifício ao lado. A tarde tarda. Talvez seja impróprio inventar o mundo, reinventar a identidade, ou até mesmo meditar. Certo ou errado, a única opção viável é aparentar frieza. Fugir da toca, rasgar o peito e deixar à vista o coração fragilizado, mostrar-se arrependido ou exposto ao que possa confundir-se com o supostamente ridículo.
Afinal, o lugar é este, Fortaleza, e Eu é apenas uma conseqüência humana. Dizer, pois, que amar é mais que uma simples palavra, é falsear a verdade. Por qual motivo, então, não expressar somente seu amor pela cidade que o acolheu? Eu se desafiaria... assim, Eu se desfiaria?
*Jorge Pieiro, um menor que Eu... é escritor e editor da revista Caos Portátil
A imagem acima (go get your English dictionary): Allegorical Portrait of an Artist, painting from about 1680-85 attributed to Michiel van Musscher (Dutch, 1645-1705) but also known (or mistaken by) as Vermeer's Lost Self-Portrait. Comments include: "Seated before fruits and flowers, the raw material that her skill transforms into art, the skill and reputation of this female painter is trumpeted by the figure of Fame who appears overhead. At the same time, a cherub crowns her with a laurel wreath, symbol of victory. Attributes of the liberal arts rest on the table beside her, while in the background stands a statue of Minerva, the mythological patroness of the arts. The identity of the painter is unknown, and even the recent discovery of the flower still life sitting on the easel has done little to solve this mystery. Interestingly, The Netherlands, unlike most of Europe in the seventeenth century, could boast of a number of successful and innovative female artists."
LOAS AO COLUNISTA
jorgepieiro@secrel.com.br
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