Numa empresa fundada com uma concepção de excelência, as relações de trabalho e as políticas de recursos humanos são saudáveis, proveitosas, os conflitos entre o Capital e o Trabalho maduramente resolvidos. Há respeito mútuo entre os integrantes do quadro pessoal e os dirigentes. O clima organizacional torna-se gostoso, motivador, há alegria e satisfação em ir ao trabalho, que deixa de ser um suplício como ocorre na maioria dos casos. O marketing deixa de ser uma caça psicótica para laçar o cliente de qualquer maneira, transformando-se numa atividade mercadológica amadurecida.
Em 2004 fiz uma palestra em São Paulo para um grupo de empresários, executivos, universitários, sobre Liderança de Empresas Extraordinárias, minha paixão acadêmica e profissional nos últimos tempos, como única alternativa do parque empresarial brasileiro, em termos de tornar-se competitivo e respeitado nessa reformulação do mundo e na competição globalizada no século XXI. A conferência foi proferida numa entidade conceituada e o encontro presidido por um ex-presidente de um dos maiores grupos financeiros do planeta, com sede em NY e filiais no Brasil. Antes da reunião, esse alto executivo me perguntou: "O que é uma empresa extraordinária?" A seguir, fez outra interpelação: "O Brasil tem lideranças?"
O objetivo deste e dos dois próximos artigos é repassar aos leitores minhas respostas, dadas ao ex-presidente (CEO) do poderoso grupo internacional.
Inicialmente, disse que a empresa extraordinária não erra. Ele ficou espantado, quase traumatizado, mesmo porque — segundo ele — as organizações são feitas por pessoas. E o ser humano é uma obra inconclusa, cometendo falhas a todo momento. Mesmo assim, as empresas desse altíssimo padrão de excelência não permitem falhas, principalmente as graves, que geram danos. O dono de um dos restaurantes mais bem-sucedidos do mundo, quando esteve em São Paulo, respondendo a uma pergunta da imprensa sobre as razões do sucesso do seu negócio, foi taxativo: "No Bali (nome do restaurante, localizado próximo a Barcelona), ninguém tem o direito de errar." No crime organizado (Máfia etc.), nas organizações terroristas (Al Qaeda, etc.), a política administrativa é a mesma. A falha, o mínimo tropeço, são punidos com extremo rigor, chegando a punição usualmente à morte — daí uma das razões do êxito delas.
No Brasil, ocorre exatamente o contrário. As empresas erram freqüentemente, com um agravante: o erro é estimulado, protegido e raramente executivos e empregados são punidos. Entra em cena o corporativismo, com a aprovação dos patrões. E, quando surgem pessoas reclamando das mancadas da organização, tornam-se antipáticas, solitárias, vistas com desagrado. Eu estou no meio dessas pessoas que reagem aos erros e por essa razão sou vítima da incompreensão e repúdio da maioria. Recebo toneladas de conselhos de amigos me recomendando mudar meu estilo, com o argumento de sempre: "Aqui é assim. Isso é Brasil, você não vai consegui mudar. Esse comportamento faz mal à sua saúde".
Parece ser motivador viver na bagunça, na desorganização, na falta de profissionalismo, de responsabilidade, sobretudo (ou inclusive) na ambiência organizacional/empresarial. Se alguém reclama nos restaurantes, nos hospitais, nos hotéis, nas lojas, enfim em qualquer lugar, torna-se uma pessoa antipatizada. Se o indivíduo tem um mínimo de exigência, de busca de qualidade, é perfeccionista, não consegue se relacionar com as empresas instaladas no território nacional. Todos erram: em maior ou menor quantidade. E a vítima sente-se impotente, porque não tem a quem recorrer para as devidas providências. Para quem almeja sobreviver na desorganização empresarial tupiniquim, a melhor alternativa é se especializar nas pessoas, ou seja, em cada estrutura escolha o menos ruim para lhe atender continuamente.
Em parte, essa situação de acintosa improvisação organizacional explica-se em função de dois fatores: a falta de cidadania do brasileiro, medroso de fazer a mínima crítica, vivendo no auto-engano de que tudo está OK. E no baixo grau de maturidade institucional do parque empresarial, construído improvisadamente nos últimos anos. Uma imaturidade alimentada pela atitude de não criticar do brasileiro, com receio de ferir suscetibilidades. O Brasil continua com a mentalidade colonial, rural, feudal, de comerciantes, anticapitalista, de industrialização tardia, com baixíssimo nível de escolaridade, de cultura. Ademais, ostenta uma nítida vocação ao lazer, à informalidade, como escrevi num dos meus mais recentes artigos, apresentando o ano de 2006, o mais maravilhoso de nossa História.
Porque traz uma tonelada de festejos (alta estação, Carnaval, Copa do Mundo, festas de São João, forrós por todos os lados, eleições, campanha eleitoral), tudo isso somado a centenas de feriados no meio das semanas. Nesse contexto, estamos muito distantes de empresas profissionalizadas, bem administradas e muito menos extraordinárias. Se, com a improvisação, com a sua arapuca, o tal empresário está ganhando dinheiro, o resto que se dane. E quem tentar cutucar essa cultura da informalidade corre o risco de ser isolado para sempre. O conceito de empresa extraordinária é muito amplo. Dadas as limitações do espaço jornalístico, apenas acrescentarei alguns outros itens, configurando o mencionado tipo de empresa/grupo empresarial, inexistente ainda no Brasil.
A construção da empresa extraordinária começa na cabeça do(s) acionista (s), dos fundadores, empreendedores. Quando o indivíduo funda um negócio com idealismo, com uma visão ampla, olhando acima da mera lucratividade, motivado por razões políticas (não confundir com política partidária), no sentido da empresa ser, também, um meio, um instrumento de contribuição à melhoria do País, aos rumos da humanidade, as sementes da empresa mencionada são plantadas. Esta postura dos pioneiros tem reflexos positivos nas decisões, funções, estilo de gestão etc. e na trajetória da organização. Basta comparar empreendimentos de proprietários civilizados, responsáveis, éticos, com negócios de controladores irresponsáveis, gananciosos, desonestos, sem envolvimento com a sociedade. Indivíduos que estão pouco se lixando se a empresa quebra, torna-se concordatária, seja vendida. Desde que ele fique com os bolsos cheios da grana e termine tristemente sua vida como empresário aposentado.
Ao contrário, numa empresa fundada com uma concepção de excelência, as relações de trabalho e as políticas de recursos humanos são saudáveis, proveitosas, os conflitos entre o Capital e o Trabalho maduramente resolvidos. Há respeito mútuo entre os integrantes do quadro pessoal e os dirigentes. O clima organizacional torna-se gostoso, motivador, há alegria e satisfação em ir ao trabalho. Trabalhar não é um suplício como ocorre na maioria dos casos. O marketing deixa de ser uma caça psicótica para laçar o cliente de qualquer maneira, transformando-se numa atividade mercadológica amadurecida, de profundo conhecimento e respeito em relação ao comportamento, mormente, das necessidades dos consumidores.
A publicidade passa a ser uma atividade digna e não uma encenação visando enfiar de goela abaixo produtos e serviços junto a consumidores incautos, indefesos e enterrados nos apelos da mesquinha sociedade de consumo, onde tudo gira em torno do mercado e as pessoassão avaliadas pelo "ter" e não pelo "ser". Aliás, o termo "cliente" é obsoleto, superado e inadequado nas empresas extraordinárias, que estão substituindo esse conceito predatório pelo de "seres humanos", dotados de uma história de vida e de um elenco de carências a serem eticamente atendidas e não apenas exploradas através de manipulações publicitárias e mercadológicas.
VÁ ALÉM
O Dr. Cleber Aquino é prof. da Universidade de São Paulo (USP), consultor de alta gestão e coordenador dos 6 volumes de História empresarial vivida – Depoimentos de empresários brasileiros bem-sucedidos (Editora Gazeta Mercantil, 1986 – busque em http://www.livronet.com.br/produtos.php?codigo=189084). Escreve quinzenalmente aos domingos no jornal O Povo de Fortaleza, que vc acessa em
http://www.noolhar.com/