Em busca de qualificação*
A oportunidade de fazer alguma coisa positiva pelos outros, ou por nós mesmo(a)s, é frequente, cotidiana, embora, na maioria das vezes, não percebamos isso.
Outro dia, enquanto aguardava a chamada para exames na sala de espera de um laboratório, o comportamento de um casal chamou minha atenção. Ele, acompanhante confesso, estava irritado. Reclamava da demora e repetia que devia ter ficado em casa. Ela, carinhosa, falava baixo e, de vez em quando, passava a mão pelo rosto dele, fazia um carinho, dava um beijo.
Nem jovens, nem velhos demais, os dois me pareceram ter ainda muitos anos pela frente, juntos. Pensei no quanto podem ser afortunados numa relação de equilíbrio que só o afeto constrói.
Os laços de sangue, tão enfatizados quando alguém é da família, não significam muita coisa na prática. De fato, a família pode ser o foco de todos os males, como a dramaturgia universal bem documentou em obras-primas atemporais. Porém, o inverso também é possível.
As pequenas irmãs que protagonizaram a história da doação de medula, que acompanhamos pelo noticiário recente, podem até se desentender em anos vindouros. Mas, duvido que se esqueçam de que, pela coragem e persistência, foi a mãe que fez a diferença nas vidas das duas.
ENREDOS
Muita gente já disse, e concordo plenamente, toda vida vale uma história. Os enredos variam, alguns mais dramáticos, outros mais simplórios, mas todos carregados de sentimentos, ações, reações, exemplos.
Toda vida é um exemplo, e até sem muito esforço, só pela observação, vamos percebendo as sutilezas que nos distinguem. Elas não se identificam pelo tom da pele, ou pela cor dos olhos. Também não nos fazem melhores ou piores, por causa da roupa que vestimos.
Elas se destacam pela maneira como nos comportamos, pelos ideais que abraçamos, pelo que acreditamos e pelo que partilhamos.
Somos únicos, em função das lições que tiramos da vida. Somos únicos, mas não nos bastamos. Precisamos dos outros para crescer pessoal e profissionalmente, para trocar experiências, para evoluir.
Precisamos dos outros para aprender a ser, para distinguir o que é certo e o que é errado e fazer nossas próprias escolhas.
O QUE NOS APRIMORA
Coisas muito simples transformam nossos dias e nossas relações com as pessoas. Enxergar o próximo e descobrir que o muito de que ele precisa pode ser quase nada para nós é um desafio cotidiano.
Não falo de “beatitudes”, mas de um aprimoramento de atitudes, de um reavivamento dos valores éticos que pais e professores nos passaram.
Os primeiros passos começam com mais sorrisos, mais abraços, mais gentilezas e até mais silêncios. A partir deles, e assim mais confiantes, podemos dar passos mais largos, que compreendem coisas aparentemente mais complexas, mas definitivas para que uma existência valha a pena: respeito, responsabilidade, cidadania.
Somos movidos pela ambição e não há nada de errado com ela. Só não podemos esquecer que são valores, como a dignidade, que nos aprimoram e nos qualificam.
Resgato do arquivo matéria de 17 de dezembro de 1999, assinada pelo jornalista Humberto Rezende, no
Correio Braziliense. Ela relata a história de uma escola do Distrito Federal que adotou um programa criado por um professor americano e que recebeu o nome de “
Character Counts” (
Caráter Faz a Diferença, em uma tradução livre).
O professor, diz o texto, era convidado para palestrar sobre ética para empresários e políticos, mas se sentia frustrado porque o que dizia nunca era praticado. O programa, então, surgiu da reunião de ideias de 30 educadores que pensaram em desenvolver a ética em crianças e, assim, reduzir a violência entre jovens.
De volta à escola do DF, os professores discutiam com alunos na faixa dos oito anos de idade o que significava ser ético e ter caráter, na prática. A escola, pelo que apurei, não existe mais. Do programa, nunca mais ouvi falar.
*Lucila Cano assina a coluna Responsabilidade Social e Ética no jornal O Povo.