15 janeiro 2016

SÉTIMO CONTINENTE


Era do Lixo*



Concentração de plástico e materiais descartados é vista flutuando no Oceano Pacífico
Plástico e materiais descartados podem ser vistos até do espaço flutuando no Oceano Pacífico

O ano de 2016 começou cheio de ideias. Algumas, bem curiosas. Cientistas voltados para o espaço estudam o plantio de batatas em Marte, por suas propriedades nutricionais para a sobrevivência humana quando chegarmos ao planeta vermelho.

Cientistas voltados para a Terra concluem que é chegada a hora de assumirmos uma nova época geológica. Sugerem o termo Antropoceno para identificar a era de pleno domínio dos seres humanos e que se tornou inquestionável a partir dos anos 1950.

O período é apropriado para entendermos o papel do homem e a grandiosidade dos seus atos. Os nascidos nos anos que se seguiram à catástrofe da Segunda Guerra Mundial, a maior de todos os tempos (até agora), ficaram conhecidos como "Geração Baby-Boomer".

Não só porque houve uma explosão populacional no pós-guerra, mas também porque essa foi a guerra da bomba atômica, a guerra dos estrondos que redefiniram os destinos do mundo.

Em algum momento, tenhamos ou não nos mudado para saborear batatas em Marte, as camadas geológicas do planeta Terra exibirão vestígios do Antropoceno, a era de nossa passagem por aqui: concreto, plástico, carbono, metano etc.

Além da imaginação

Enquanto isso, um criativo arquiteto belga concebeu uma cidade submarina a ser totalmente construída com o lixo que os humanos atiram ao mar. Seria uma forma maravilhosa de reciclagem para a atualidade e, por ser tão maravilhosa, ele naturalmente visualizou a Baía da Guanabara como cenário perfeito para sua obra futurista.


A beleza do Rio de Janeiro é tão forte no imaginário das pessoas, sejam elas daqui ou de qualquer outro lugar, que todos querem salvá-la. Mesmo que seja apenas no plano das ideias.

É certo que o Rio está sob os holofotes globais por causa da proximidade da Olimpíada deste ano (que muitos insistem em mencionar no plural, talvez porque ela vá valer por muitas Olimpíadas). Mas também é certo que o lixo marítimo não é exclusividade da cidade.

Ele predomina soberano em toda a costa brasileira e em oceanos afora. No Pacífico, por exemplo, há ilhas de lixo que já podem ser vistas do espaço.

Segundo os cientistas franceses que desde maio de 2012 investigam o Sétimo Continente (a quantidade de plástico no Oceano Pacífico que já assumiu a dimensão de um continente), "estima-se que 300 milhões de toneladas de plástico são produzidas anualmente em todo o mundo. Cerca de 10% desse montante acabam nos oceanos".

Para quem quiser saber mais, vale a pena uma visita ao site do Sétimo Continente: (www.septiemecontinent.com). 

Utopia
Este texto acabou saindo carregado de ironia, mas não de todo desesperançado. No domingo, 10 de janeiro, os organizadores da prova de Redação da segunda fase da Fuvest propuseram o tema "Utopia" para os candidatos.


O tema enseja a reflexão sobre a sociedade perfeita, aquela que se sonha construir e usufruir, mas também remete à questão de sua viabilidade. Nós, seres humanos, somos capazes de criar uma sociedade ideal? Escrever sobre a utopia é um desafio, tamanha a riqueza de ideias que possam surgir sobre a busca de um ambiente mais favorável e digno à vida humana.

É possível investir no desenvolvimento e manter a floresta em pé? É possível trocar o combustível fóssil pela energia que vem do sol e dos ventos? É possível ter água limpa e condições básicas de higiene para uma população que vive à beira de praias impróprias para o banho e córregos fétidos contaminados por esgotos?

É possível ter filhos saudáveis que, no futuro, não sejam chamados de "Geração Zika-Boomer"? É possível reinventar o planeta?

Precisamos, com urgência, repensar o que estamos fazendo por aqui. Durante um bom tempo as batatas de Marte não serão acessíveis à maioria dos humanos.

Uma cópia perfeita do Rio de Janeiro em solo vermelho soa improvável. Talvez, então, a saída seja fazermos da Era do Homem uma era de ideias boas e viáveis.

Não essa Era do Lixo que agora vivemos.

* Lucila Cano  é colunista especializada em temas relacionados
ao 3º Setor.
Graduada em Comunicação Social pela FAAP (SP), é 
consultora editorial e assina a coluna Responsabilidade
Social e Ética 
em alguns periódicos, dando seguimento ao
trabalho
do jornalista e escritor Engel Paschoal. 
Conteúdo publicado em http://educacao.uol.com.br





EVIDÊNCIAS E MITOS


Saber tradicional contra 
a mudança climática*


Adolfo é um exemplo dos benefícios da agroecologia camponesa em El Salvador.
(Foto: Jason Taylor/Amigos da Terra Internacional)

Milhões de agricultores africanos não precisam se adaptar à mudança climática, já que o fizeram graças à agroecologia, baseada em práticas e saberes tradicionais, que também permitem garantir a segurança alimentar.Como muitas comunidades na África, as das Terras Altas de Gamo, na Etiópia, estão bem preparadas para as variações climáticas.

A grande biodiversidade da área, a base de seu sistema agrícola, permite adaptar suas práticas agrícolas com facilidade às variações do clima.Essa comunidade também está acostumada a administrar o ambiente e os recursos naturais de forma adequada e sustentável, arraigada em seus costumes e conhecimentos tradicionais, o que as torna resilientes a inundações e secas.

Os sistemas agrícolas ancestrais costumam ser considerados muito arcaicos pelos governos centrais, mas têm muito a ensinar ao mundo, especialmente diante dos desafios apresentados pela mudança climática e a insegurança alimentar.A partir dos conhecimentos indígenas, agricultores de todo o continente conseguiram acumular muita experiência e inovação de sucesso em matéria agrícola.

Esses esforços se desenvolveram de forma consistente nas últimas décadas, após as secas que atingiram muitos países nos anos 1970 e 1980.No Quênia, o sistema de agricultura biointensiva foi desenhado nos últimos 30 anos para ajudar os pequenos agricultores a cultivarem maior quantidade de alimentos nas terras mais pobres e com um mínimo de água.

Cerca de 200 mil agricultores quenianos, que alimentam aproximadamente um milhão de pessoas, adotaram a agricultura biointensiva, que utiliza até 90% menos água do que com a alternativa convencional, alémde reduzir entre 50% e 100% a compra de fertilizantes, graças a um conjunto de práticas agroecológicas que fornecem mais material orgânico ao solo, a quase continuidade da cobertura de terras cultivadas e uma fertilidade adequada para a boa saúde das plantas e raízes.

A região do Sahel, na fronteira do deserto do Saara, é conhecida por suas duras condições ambientais e pela ameaça da desertificação. O que não se sabe muito é a respeito do enorme êxito das ações adotadas para deter o avanço das terras áridas.Lançado nos anos 1980, o Projeto de Desenvolvimento Rural Keita, em Níger, demorou 20 anos para recuperar o equilíbrio ecológico e melhorar drasticamente a economia agrária na região.

Nesse período, foram plantadas cerca de 18 milhões de árvores, a superfície florestal aumentou 300%, enquanto a estepe com arbustos e dunas diminuíram 30%. Além disso, as terras cultiváveis se expandiram em cerca de 80%.Em toda a região, um grande número de projetos utilizou soluções agroecológicas para restabelecer as terras degradadas e poupar os escassos recursos hídricos, ao mesmo tempo aumentando a produção de alimentos e melhorando a resiliência e o sustento dos agricultores.


Frederic Mousseau coordena as pesquisas a partir do
Instituto Oakland, sediado na Califórnia, EUA.
(Foto: Cortesia do autor)

Em Tombuctu, norte de Mali, o Sistema de Intensificação do Arroz conseguiu resultados surpreendentes com produção de nove toneladas desse cereal por hectare, mais que o dobro do que permitem os métodos convencionais, ao mesmo tempo em que foi possível economizar água e outros insumos.Em Burkina Faso, as técnicas de conservação de água e do solo, incluída uma versão modernizada da tradicional forma de plantar com poços, teve muito êxito na recuperação das terras degradadas e melhoria da produção de alimentos e da renda.

Os países da África austral lidam com contínuas secas, que geram grandes perdas nos cultivos de milho, o principal cereal da região. Há vários anos, agricultores e governos criaram uma variedade de soluções agroecológicas para evitar as crises alimentares e impulsionar a resiliência frente aos impactos climáticos.O enfoque comum foi abandonar o cultivo exclusivo de milho, que é altamente vulnerável às variações climáticas, além de muito custoso e de exigir a compra de insumos, como sementes híbridas e fertilizantes.

As soluções sustentáveis e acessíveis de sucesso incluem gestão e coleta de água da chuva, ampliação da agricultura de conservação e regenerativa, promoção da produção e do consumo de mandioca e outros tubérculos, diversificação da produção e integração de cultivos com árvores fertilizantes e plantas leguminosas que fixam o nitrogênio.

Os exemplos anteriores procedem de uma série de 33 estudos de caso, divulgados pelo Instituto Oakland, que ilustram o enorme sucesso da agricultura agroecológica em todo o continente africano diante da mudança climática, da fome e da pobreza. Um dos aspectos que todos apresentam em comum é que os agricultores, entre os quais há muitas mulheres, estão à frente de seus próprios projetos de desenvolvimento.

Outro elemento comum é que não se baseiam em insumos agrícolas externos, como as sementes comerciais, os fertilizantes sintéticos e os pesticidas químicos, a base da agricultura chamada convencional.Os principais insumos para a agroecologia são a própria energia das pessoas e o senso comum, conhecimentos compartilhados e, naturalmente, o respeito pelos recursos naturais e seu uso adequado.

A pergunta sobre a razão de esses casos de sucesso não serem conhecidos é pertinente; ficam enterrados sob a retórica do discurso favorável a um desenvolvimento baseado em um coquetel destrutivo de ignorância, cobiça e neocolonialismo.

Desde a crise dos preços dos alimentos em 2008, ouviu-se uma e outra vez o argumento de que a África necessitava do investimento estrangeiro na agricultura para “desenvolver” o continente, de uma revolução verde, de mais fertilizantes sintéticos e de cultivos transgênicos para combater a fome e a pobreza. 

Pois bem, os estudos de caso da agroecologia jogam por terra esses mitos.

A evidência, fatos e dados irrefutáveis, estão ali: milhões de africanos já desenharam suas próprias soluções para seu próprio beneficio e conseguiram se adaptar tanto aos sistemas agrícolas insustentáveis herdados da época colonial com aos atuais desafios que a mudança climática e a degradação ambiental apresentam.

Outra boa notícia é que a transição para a agroecologia é acessível para os governos africanos, que já gastam milhares de milhões de dólares por ano em subsídios para fertilizantes e pesticidas. No Malawi, os subsídios à agricultura chegam a cerca de 10% do orçamento nacional anual.

A evidência existente, baseada na experiência de milhões de agricultores, deveria impulsionar os governos africanos a optarem pela única alternativa razoável: que o continente seja o protagonista na superação da fome e na exploração corporativa e avanço para uma forma sustentável e adaptada ao clima para a produção de alimentos para todos. 


*Frederic Mousseau é diretor de políticas 
do Instituto Oakland e coordenador da 
pesquisa do projeto de agroecologia.
Conteúdo publicado em www.envolverde.com.br