Contracultura e feirinhas gastronômicas*
Em dia de eleição, você come democraticamente uma refeição republicana, na rua. Há muito os cozinheiros tentaram sair das cozinhas, agora que conseguiram, a cozinha os chama de volta. Não a cozinha de preparação, porque desta jamais devemos sair, mas a “cozinha” de forma metafórica ou figurada, o ambiente “quente”, “sujo” e “engordurado”. A mesma que era restrita às escravas no período colonial e onde se cumpria medidas punitivas até certo tempo atrás. E agora à sarjeta.
Proliferou-se pelo mundo a onde do Foodtruck. Não foi um movimento brasileiro e nem é algo novo. Foodtrucks são recorrentes e antigos em grandes metrópoles. Mas ela se renovou quando um empreendimento chamado “Le Camion Qui Fume”, um velho ônibus adaptado para vender cachorro quente, começou a circular e a fazer sucesso nas ruas de Paris vendendo sanduíches. Na mesma Paris, cujos restaurantes já foram acusados de ser a contra-cultura dos momentâneos rompantes socialistas; que desde 1750 foram símbolo de ostentação burguesa por parte de Grimod de La Reynière, distribuindo dois tipos de convites para seus jantares: um convite para quem podia comer e outro que só dava direito a olhar.
Nessa mesma Paris, de tantos contrastes e de tanta influência da alimentação em sua sociedade e economia, renasceu a comida de rua. Disseminou tanto e tão rápido que levas de cozinheiros e amadores têm corrido para realizar seu sonho empreendedor, montando sua casa de repasto na traseira de uma Kombi, achando que de lá serão solucionadas todas as questões que envolvem esse empreendimento e seus ideais.
No Brasil, mais especificamente em São Paulo, os locais das feirinhas já migraram da rua para estacionamentos privados. Os defensores do Foodtruck (comida sobre caminhão) não aceitam dividir espaço com barracas de “pobres”. A mesma segregação que leva cozinheiros experientes e tarimbados a trocarem restaurantes em imóveis para virarem ambulantes num caminhão de luxo, não aceitam o cozinheiro que vai numa carrocinha de hot-dog, assim como este também não aceita o cozinheiro que surge em tendinha de lona.
O país do individualismo incorporou como poucos a gastronomia como ferramenta de socialização e lazer, mas não o aceita como empreendimento econômico. Na mesma velocidade que cresce o campo da gastronomia, aumenta-se a oferta de empreendimentos, pipocam negócios de especialidade, que nascem com um destino da destruição de valor de determinados alimentos.
Destruímos os produtos de tanto consumo desenfreado, de deturpação do modo de preparo, destruímos os empreendimentos e seus empreendedores e incapacitamos os novos a atingirem o sucesso, porque no momento, o máximo que podemos ofertar para estudantes e profissionais de cozinha é montarem a sua barraquinha e viverem como ambulantes, esse é o ideal do momento e é o que o capital de pequenos empreendedores permite.
Os defensores do movimento Foodtruck sugerem que é um boicote aos aluguéis abusivos, é um incentivo aos pequenos empreendedores e uma forma de facilitar o acesso de mais pessoas à gastronomia. Concordo com todos os argumentos. Acho o Foodtruck uma boa ferramenta de marketing. Só não entendo porque para o campo da gastronomia foi reservado a possibilidade de se fazer “feirinhas” e evoluirmos para ambulantes e para outros segmentos da economia o estado organiza e facilita simpósios, convenções e congressos. Aos cozinheiros a “cozinha”. E à sociedade que se socializava envolta do conforto e da segurança de um restaurante, o estado te sugere a sarjeta.
*O chef Rodrigo Viriato é articulista do jornal O Povo.