19 maio 2006

POLÍTICA

"Não é isso que está aí..."

Lá estava eu, nos meus 20 e poucos anos, diante daquele senhor. Ele era um político experiente, que teve projeção nacional. Estava com mais de 70 anos e a saúde bastante abalada. Sentamos na sala de seu apartamento. Imaginei a quantidade de gente que não teria se sentado ali para as audiências com o político influente. Nomes como Juscelino, Lacerda, Adhemar de Barros e Laudo Natel, entre outros, foram citados várias vezes, com muita familiaridade. Lá pelas tantas, ele pôs a mão no meu ombro, assumiu um ar paternal e me deu um conselho:

- Luciano, se eu puder te dar um conselho, é o seguinte. Se um dia te oferecerem algum negócio meio obscuro, por baixo dos panos, aceite! Não faça como eu, que jamais aceitei entrar em negociatas e hoje estou aqui, acabado, enquanto eles estão lá, numa melhor...

Aquilo foi uma porrada! Em que mundo vivia aquele velho político, para aconselhar um garoto a vender a alma ao diabo em troca de benefícios materiais? Um senhor. Com quase 80 anos! Podia ser meu avô!

Fiquei chocado. Mas mais tarde refleti sobre o que ouvi. Alguma coisa não batia... Ele não devia estar falando sério. Não senti em suas palavras a malandragem tão comum aos vigaristas de todo dia. Não vi a face do mal. Não vi a intenção de enganar, roubar ou tripudiar sobre os que o elegeram. Vi amargura. De alguém que, após uma vida dedicada à política, fazia um balanço e descobria que o saldo era negativo. Do ponto de vista moral.

Meu velho amigo concluíra que aqueles que adotaram a moral torta, levaram a melhor. E, por apreço, não queria que acontecesse o mesmo comigo.

Pois bem... Trinta anos depois, o Brasil mudou. E aquele conselho que me indignou e que recebi privadamente, hoje é esfregado na cara de meus filhos diariamente. Pela televisão. Pelos jornais. Pelo rádio.

E como pai, brasileiro e preocupado, me vejo obrigado a repetir, todo dia, todo o tempo:

- Meus filhos, política não é isso que está aí!

Essa coisa feia. Ruim. Feita por gente desonesta. Política não é bandidagem.

Isso que está aí tem outro nome. Não é um meio, é um fim. É um jogo de vale-tudo. Vale o roubo. A morte. A corrupção. A chantagem. Isso tem outro nome, que eu nem sei qual é. Mas não é "política". Política é inevitável, faz parte da nossa vida e não tem que ser uma coisa má. Política é o meio pelo qual são tomadas as decisões de nossa comunidade. É a forma como são estabelecidas as regras para o comportamento de grupos. Política é o jeito de regular a competição por posições de liderança. É a forma de minimizar os efeitos nocivos das disputas.

Política não é isso que está aí.

Política é a arte de posicionar suas idéias de forma visível e saber o que dizer, como dizer e para quem dizer. Isso é política. E conhecer política, é bom! Praticar política é bom. É a política que nos mantém vivendo em sociedade. É a política que rege nossas interações. É a política que torna possível conviver em harmonia com seu irmão. Com seus pais. Com seus vizinhos. É a política que costura os interesses e faz crescer a nação. Isso sim é política! Uma ação positiva e construtiva. Para o bem.

Por isso, em nome do meu velho amigo que já morreu, digo e repito:

- Meus filhos, política não é isso que está aí.

Isso aí tem outro nome.

Que eu não sei bem qual é...


ACESSE
O colunista Luciano Pires é jornalista, escritor, conferencista e cartunista, atuando contra a mediocridade:

www.lucianopires.com.br

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