02 agosto 2006

MINHA VIDA

Reminiscências de um brasileiro


Nasci em 1956, cinqüenta anos atrás. O Brasil (1) estava em estado de sítio e, pra piorar, nasci corintiano: levei mais de 20 anos pra ver meu time ganhar um título. Em 1959, os militares tentam derrubar JK. Em 1961, Jânio toma um porre e renuncia. Em 1962, a crise dos mísseis em Cuba quase descamba numa guerra nuclear.

Em 1964, o golpe militar, a revolução, que impõe ao País duas décadas de ditadura. Em 1968 vem o AI-5, o ato institucional que acaba de vez com os direitos individuais. Em 1969 tivemos o auge da guerrilha urbana, assustando a todos com os roubos, seqüestros e assassinatos. Em 1972 tem início a guerrilha do Araguaia, que acontece longe de nossos olhos. Mas acontece.

Em 1973 vem a crise do petróleo, que muda de vez a história da humanidade. Em 1975 Vladimir Herzog morre, torturado nos porões da repressão. E o regime militar começa a balançar. Em 1977 o presidente Geisel fecha o Congresso. Quem é que se lembra disso? Em 1978 acontecem as greves do ABC, com os metalúrgicos se mobilizando. Surge o Lula.

Em 1981 a bomba do Riocentro gera um escândalo que prenuncia o fim do regime militar. Em 1984 o povo vai às ruas pelas Diretas Já, que não são aprovadas pelo Congresso. Em 1985, finalmente a volta, ainda meia-boca, da democracia. Tancredo Neves é eleito presidente e morre... Entre 1980 e 1994 vivemos uma superinflação crônica, uma moratória externa, um confisco monetário, duas recessões, dois colapsos cambiais, cinco planos econômicos, seis moedas e uma quase moeda. O Brasil teve 11 ministros da Economia e 14 presidentes do Banco Central!

E tivemos também o Plano Cruzado. As eleições diretas. O Plano Collor e aquela tungada em nosso dinheiro. Tivemos o impeachment, o plano Real, as crises asiática e russa. O apagão. A eleição de Lula. O mensalão... Muito prazer, esta é a história de minha vida, que completou cinqüenta anos no domingo, 25 de junho. E olhando para a minha história, pergunto-me como será viver num país sem crise... Não sei.

Desde que nasci, vivo de crise em crise. Nunca vi o Brasil com paz de espírito. Sempre enrolado, atrapalhado, desorientado, enganado, roubado, ameaçado... cara, como é difícil ser um brasileiro com 50 anos! Fui falar com meu pai, pra perguntar como era antes... E ele veio com as histórias da guerra...

Muito bem. Estou "de aniversário", como dizem os gaúchos. E estou feliz. Chego aos cinqüenta melhor que meu pai, melhor que meu avô, com uma aparência mais jovem, mais viajado, mais estudado. E meus filhos, que estão melhores do que eu estava na idade deles, provavelmente estarão melhores do que estou hoje, quando chegarem aos cinqüenta. Sou um privilegiado.

Tem gente que acha que sou “sortudo”. Sou, sim... Isso me lembra a frase de Thomas Jefferson: "Creio bastante na sorte. E tenho constatado que, quanto mais eu trabalho, mais sorte tenho"... Então é isso.

Naquele domingo, abri um vinho e brindei aos meus 50 anos. E enquanto sorvia um gole saboroso, meu pensamento esteve concentrado numa questão intrigante: como estaria eu... Aliás, como estaríamos nós, se nos últimos 50 anos o Brasil não estivesse permanentemente em crise?


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(1) O Brasil é o maior país da América Latina, seu território abrange aproximadamente metade (47.3%) da América do Sul, ocupando uma área total de 8.511.965 Km². É o quinto maior país do mundo, depois da Rússia, Canadá, China e Estados Unidos. O Brasil possui fronteiras com todos os países da América do Sul, com exceção do Chile e do Equador. Aqui, assume uma dimensão crítica que inspira o colunista

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