Na minha aldeia tem um rio, que se chama Pacoti. Rio que me chama, com seu corpo de águas, a gerar os frutos do mar. A ser útero, que tece a vida para nutrir os filhos da Terra com seus peixes, ostras, caranguejos, siris... brotados do seu mangue.
O rio me ensina a compaixão pelos homens, para os quais, mesmo maculando o seu viver, ele continua a doar o que ainda lhe ocorre de dádivas, até à exaustão do seu poder de fazer-se alimento e hóstia para saciar-lhes a fome (as fomes, já que o rio também alimenta a alma com sua beleza, mistério e encanto de um ser urdido da trama das águas e das algas), a aliviar a secura do mundo, a aliviar a sede do meu ser que busca mistérios para construir sua trajetória no caminho das artes, a cumprir um chamado — em mim tão profundo e amplo como o rio na Terra faz sua morada.
Diante do rio tenho um sentir, que o recebe em mim e me faz reconhecer um vínculo que existe entre nós: dois seres cósmicos que se buscam, se conectam e se nutrem... E estamos energeticamente unidos desde sempre e para sempre (somos filhos do mesmo plasma).
Diante do rio tenho um sentir, que o recebe em mim e me faz reconhecer um vínculo que existe entre nós: dois seres cósmicos que se buscam, se conectam e se nutrem... E estamos energeticamente unidos desde sempre e para sempre (somos filhos do mesmo plasma).
O que disso capto, com minha sensitividade, não pode ficar silencioso em mim. Mesmo que, em silêncio, tenha sido gerado, deve nascer para o mundo e a ele ser revelado, pois lhe pertence, como ao rio os peixes, o mangue... a vida.
Certa tarde, a contemplar o rio, refleti (senti): qual seria a minha função enquanto artista, diante de toda essa complexidade cósmica?...
Certa tarde, a contemplar o rio, refleti (senti): qual seria a minha função enquanto artista, diante de toda essa complexidade cósmica?...
Frente a toda essa grandeza, sentido algum teria o(a) artista existir apenas para criar arte do substrato do seu próprio umbigo, desvinculado(a) do Todo e sem compromisso algum com a evolução do planeta. Uma arte que seria então medíocre, aliciadora de vaidades rasteiras, que não atingiria níveis mais amplos da teia cósmica da qual fazemos parte.
"Seria o(a) artista um filósofo da vida?", pensei. "Não só", concluí. O(A) artista vai além disso, pois pensa, repensa, pressente, sente, ressente, recria e transfigura o mundo e os seres, com a sua criação artística. O(A) artista é antena que capta o sentir do mundo e o codifica, como assim fazem os médiuns, em sua vocação de sondar e escutar os espíritos dos homens desencarnados, sendo para eles um canal de comunicação.
O(A) artista sonda e perscruta não só o espírito dos homens (desencarnados ou não), mas sim o de todos os seres do mundo (dos mundos): perscruta o espírito e a carne do rio, do mangue, dos peixes, das ostras, o espírito e a carne da Terra (hoje em tempos apocalípticos) a sentir dores de parto para (desejamos) parir-se, renovada.
Nós, artistas, devemos nos abrir para que seja revelada em nós a verdadeira e real função norteadora da nossa vocação de xamãs, magos, bruxos, alquimistas catalisadores dos mundos, pois é isso que somos.
Nós, artistas, devemos nos abrir para que seja revelada em nós a verdadeira e real função norteadora da nossa vocação de xamãs, magos, bruxos, alquimistas catalisadores dos mundos, pois é isso que somos.
E por isso, devemos lapidar nossos corpos (instrumentos-canais) para captarmos o substrato plasmador da Arte. E, desta forma, ampliar nosso alcance, para podermos sair do nosso restrito mundinho egóico e alcançarmos dimensões mais amplas, capazes de nos fazer comungar com o Todo. E perscrutar não só o corpo, nem só o espírito, mas corpo e espírito fundidos. Atingindo, assim, energias cada vez mais elevadas, portentosas e cósmicas, capazes de trazer à Terra a música dos anjos, o léxico dos deuses e espalhar, aqui, a boa-nova que nos venha esclarecer que somos todos um só corpo e um só espírito.
Corpo-Espírito que ora se transforma, transmutando feridas-dores, para alcançar a cura e se transportar para um novo tempo, onde o rio não mais seja maculado pelos homens e sim respeitado, como um ser cósmico que equilibra, alimenta e salva todo o planeta — e, também por isso, não deve ser atingido por nada que viole a integridade de sua vida.
Corpo-Espírito que ora se transforma, transmutando feridas-dores, para alcançar a cura e se transportar para um novo tempo, onde o rio não mais seja maculado pelos homens e sim respeitado, como um ser cósmico que equilibra, alimenta e salva todo o planeta — e, também por isso, não deve ser atingido por nada que viole a integridade de sua vida.
Onde a vida de um filhote de gatinho pé-duro e a de um filhote de homem-pobre não seja menos respeitada, cuidada e protegida do que a vida de um filhote de homem rico.
Um novo tempo, onde já seja realidade a boa-nova de uma Terra onde não haverá mais ricos nem pobres, pois a energia da abundância já será manipulada por todos... A boa-nova, que (nos) diz termos o direito de sermos alegres e felizes, e que a alegria de cada ser, somada uma a uma, gera a alegria do mundo e irradia a grandeza do divino que em nós habita e pulsa.
A boa-nova, que nos vem libertar de limitações e culpas, impostas por crenças erradas em um deus cruel que nos castiga, quando na verdade cada um de nós é co-criador com Ele. Então, criamos cada realidade do que somos e de tudo o que nos rodeia.
Assim sendo, temos o poder de criar toda a boa ou má ventura, conforme a escolhemos. Esta escolha está em nossas mãos...
*Fabiana Rocha Guimarães é poetisa e vive à beira-rio: Pacoti é o seu nome
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