04 novembro 2008

O JOGO

Nas ondas da crise


Pediram-me para comentar a crise global que começou com os tais subprimes nos EUA. Fico apreensivo, não sou economista e provavelmente falaria besteiras. Mas aí me lembro daquelas famosas duas regras da economia: 1. Para cada economista existe outro igual dizendo exatamente o contrário. 2. Ambos podem estar errados...

Poxa, então posso dar meus pitacos! Olha só.

Luca Bartolomeo de Pacioli foi um monge franciscano e matemático italiano considerado o pai da contabilidade moderna. Em 1494 publicou um livro que ficou famoso, a Summa de Arithmetica, Geometria proportioni et propornaliti. Um capítulo desse livro definiu o que veio a ser a contabilidade de dupla entrada: entra um tanto, sai outro tanto e a diferença é o que vai dizer se o negócio vai bem ou mal. Esse método ficou famoso, mas tem uma limitação: é baseado em interações, na troca de bens ou serviços por dinheiro ou por outros bens ou serviços.

Quando a internet surgiu com força total, o mundo mergulhou de cabeça em transações bilionárias que prescindiam de produtos e serviços. As transações eram baseadas em idéias, em algo que poderia valer no futuro. Assistimos a coisas malucas, como uma companhia aérea cujas centenas de aviões valiam menos que o software criado para gerenciar as emissões de passagens. Uma idéia na cabeça valia mais que um produto na mão.

E o mundo enlouqueceu, pois o modelo de Luca Pacioli não contemplava a transação de nada com coisa nenhuma. E quando se percebeu que aquelas idéias não tinham lastro, a bolha explodiu. E ninguém entendeu...

Outro exemplo: uns trinta anos atrás o Japão era o tigre asiático, crescendo como ninguém, tornando-se a segunda maior economia do mundo e mostrando uma exuberância econômica de fazer inveja. No auge dos meus vinte e poucos anos eu não entendia o milagre japonês.

- Eles não têm terras. Não têm matérias-primas. Não têm água. É impossível sustentar essa posição sem ter base, sem ter raízes, sem ter extensão territorial.

E ao longo dos anos 1980 o Japão foi definhando e para mim o que aconteceu foi simples: o Japão só tinha promessas. Desenvolveu capacidade tecnológica e criatividade para trabalhar sobre as matérias-primas de outros países.

A falta de raízes, de base, de lastro, logo esgotou o modelo japonês, que interrompeu aquela exuberância para entrar num processo infinito de quase estagnação. Ainda são poderosos e ricos, mas não podem ir mais adiante. O Japão não tem lastro.

A bolha da internet, aquele Japão e a atual crise dos subprimes dos EUA têm muito em comum: são complexos processos de interações econômicas baseados em percepções. Em riquezas virtuais. Em algo que não existe. São, portanto, insustentáveis.

Estamos assistindo a um jogo no qual todos os jogadores blefam. Na hora de mostrar as cartas, a casa cai. E quem arriscou mais, perde mais. Ou ganha mais.

E no meio desse tiroteio, só tenho certeza de uma coisa: o capitalismo curará suas feridas e sairá ainda mais forte.

O que verdadeiramente me apavora é a tentativa de explicar a crise econômica pelas lentes da ideologia. Isso é papo de jogador que não sabe perder.

*o jornalista Luciano Pires é o demiurgo da despocotização

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