Muito polêmicas são as conclusões brandidas no livro A cabeça do brasileiro, lançado em 2007 pelo sociólogo e cientista político Alberto Carlos Almeida, e que representa, tomando-se as palavras do próprio autor, “um teste quantitativo da antropologia de Roberto DaMatta”.
Este — a quem o sociólogo, em primeiro lugar, dedica sua obra —, é exaltado como sendo "o Tocqueville brasileiro". Alexis de Tocqueville (Charles-Alexis Clérel de Tocqueville, 1805-1859), pensador e político liberal, foi um dos observadores mais lúcidos das transformações produzidas, em sua época, pela revolução liberal.
Este intelectual francês analisou a democracia na América igualitária, enquanto que DaMatta revela no Brasil uma sociedade tremendamente hierarquizada. E, o que nos interessa, Almeida nos mostra que pessoas de escolaridade baixa têm menos propensão a expressar os valores democráticos e igualitários, enquanto que “pessoas mais educadas tendem a se afastar da autoridade superior e a rejeitar as relações sociais verticais, em benefício de relações de poder mais horizontais”.
O trabalho de Almeida e suas conclusões realizaram-se através da aplicação de 2.363 entrevistas feitas nas cinco regiões do País, cujos questionários foram confeccionados a partir da teoria antropológica de DaMatta.
Os temas investigados na pesquisa, apresentados nos 11 capítulos do livro, variam entre racismo, o "jeitinho" brasileiro, hierarquia, relações parentais, sexualidade, a presença do Estado, o público e a lei na sociedade brasileira, entre outros.
No bojo de diversas observações, Almeida concluiu que, quanto menor o grau de instrução dos entrevistados, maior o índice de aprovação da quebra das regras sociais patrocinadas pelo “jeitinho brasileiro”. “Entre esta população de baixa escolaridade, há também uma tendência em mostrar-se tolerante com a corrupção”, afirma o autor.
O ponto que mais gerou polêmica em seu trabalho é que a pesquisa retira o véu religioso, que no Brasil encobre o discurso acerca da pobreza e dos menos instruídos, do cotidiano da nação.
Tradicionalmente, o governo e a igreja sempre se encarregaram de “cuidar” dos pobres e dos analfabetos. Sobre eles, historicamente, foi depositada uma película de comiseração ideológica acerca de qualquer crítica que, por acaso, se pudesse fazer aos pobres ou iletrados.
Outro aspecto impactante da pesquisa é a revelação de que a escolaridade baixa é a causa principal dos problemas brasileiros, num País — uma observação que não é do autor — onde o Presidente orgulha-se de não ter precisado de diploma para chegar ao cargo mais alto do Executivo.
Para o autor, “é a educação que comanda a mentalidade”. A pesquisa mostra que a população de baixa escolaridade tende a aprovar mais a censura e a intervenção do Estado, entre outras coisas. Por exemplo, 17% da população aprovam o nepotismo nos cargos públicos.
Esta faixa populacional também comanda um índice maior de aprovação no que se refere ao tão famoso "jeitinho" brasileiro. Estas práticas sociais agravam-se mais ainda, porque o "jeitinho" — o da pechincha, o da lábia, o da ginga, o das manobras políticas e o dos favores pessoais — acaba sendo a porta de entrada da corrupção.
Mas, tragicamente, a pesquisa revela que “o favor ainda é concebido pela população como algo legítimo na esfera pública”. Basta o leitor ouvir dos nossos políticos o número de vezes que estes se utilizam da palavra "negociação" quando deveriam se referir à palavra "discussão".
É sabido que o "favor" e o "jeitinho" sempre foram as práticas políticas mais convencionais da nossa história passada. Porém, daquela "sala-de-visitas", o governo atual passou definitivamente para o âmbito seguinte: o "espaço das negociações".
O governo, portanto, torna-se o lugar onde se fazem negócios — o que equivale a dizer que os brasileiros transformaram a política em compras e vendas de votos, projetos e medidas provisórias. Pior, as pessoas sequer dão-se conta do significado trágico desta semântica forçada.
Eu perguntaria, ao leitor esclarecido: esse tipo de política relacional feita na Casa do Povo entre parentes, amigos e amantes, é da ordem do "jeitinho", do favor ou da corrupção? Afinal, trata-se de uma "questão de ordem, Excelência!”.
*Gilberto Gnoato é psicólogo, mestre em Psicologia da Infância e da Adolescência, professor do Curso de Psicologia da Faculdade Dom Bosco e coordenador do Projeto Gincana de Morretes/PR
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www.estadao.com.br/noticias/suplementos,como-anda-o-prazer,133357,0.htm
www.veja.abril.com.br/220807/p_086.shtml
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