Pobre flor do Lácio*
Ah, pobre de mim, que ainda sou capaz de acreditar na seriedade e nas boas intenções das instituições brasileiras. E que elas foram e são criadas para cumprir à risca as funções para as quais supostamente se destinam, segundo os meandros da burocracia governamental.
Devido a essa minha patriótica credulidade, quando menos espero percebo que fui enganado, ludibriado, e que estou fazendo papel de bobo, pois cara de palhaço, pinta de palhaço foi o que sobrou pra mim.
É, parece que não tem mesmo jeito de sustar essa vocação circense há séculos incrustada no modelo institucional brasileiro e na cabeça de quem porventura o comanda, dando-nos a indecorosa pecha de sermos tudo, menos um país sério.
E ainda temos a cara lisa de nos sentirmos feridos em nossos brios quando nos expomos à galhofa internacional pelas palhaçadas e momices várias que cometemos com o aval das autoridades ditas competentes. É ou não é, Seu Zé?
Em minha santa ingenuidade, cheguei mesmo a pensar que o nosso Ministério da Educação tinha como papel precípuo educar o povo, fomentar a cultura, o conhecimento, levando-os aos mais distantes rincões da nação, reduzindo de modo drástico a ignorância que grassa ancestralmente nessa terrinha abençoada por Deus e bonita por natureza.
Que nada, necas de pitibiriba. Mais uma vez caí na esparrela, feito um patinho bobo. Com tanto tempo de janela, culpa minha não haver aprendido que algumas instituições não são realmente o que aparentam ser aos nossos incautos olhos e se tornam exímias especialistas em fazer justamente o contrário do que deviam, pouco ligando para a opinião pública.
Seus mandatários fazem o que bem querem, inclusive perpetrando piramidais atentados contra a inteligência alheia com a desculpa furada, manjada de que agem em nome da modernidade, do progresso, da civilização.
Quem, dentre nós, mesmo aquele dotado de uma mente poderosamente criativa, de uma fertilidade espantosa, poderia sequer imaginar que o nosso Ministério da Educação tivesse a suprema coragem e ousadia de adotar um livro destinado ao ensino da língua portuguesa para jovens e adultos, repleto de crassos erros gramaticais da primeira à última página?
E o que é pior, tal nefanda obra vai ser distribuída impunemente por quase todas as escolas existentes no brasílico território. Para mostrar que não estou exagerando na dose, cito aqui, de maneira literal, algumas frases contidas no almanaque do besteirol: ”Os livro mais interessante estão tudo emprestado”; “Os menino pega o peixe”; e outras preciosidades de igual quilate.
Num gesto de boa vontade, também desejo colaborar com a publicação, inserindo mais algumas pérolas de concordância verbal: ” Nós escreve bem”; “Vocês faça o favor de trazer alguma coisa pra mim fazer”; “Fui, fui, fui e acabei fondo”.
Os insignes autores defendem ardorosamente o seu aleijão, garantindo que sua intenção é acostumar o indefeso aluno com a linguagem popular — e não ensinar errado o Português. Além de proteger os estudantes de preconceito linguístico, por falarem e escreverem de modo errôneo.
O importante, de acordo com tais “puristas”, é que a ideia de correto e incorreto ao usar a língua seja substituída pela ideia, inteligentíssima, por sinal, de uso adequado e inadequado, dependendo da situação comunicativa. Vocês entenderam alguma coisa? Nem eu.
Falaram tanta água que daria pra encher todos os açudes. Estes deseducadores não passam de umas bestas quadradas de quatrocentas patas. Nelson Rodrigues dizia que só tinha inveja de uma coisa na vida. Da burrice, porque é eterna.
Coitada da nossa Flor do Lácio tão maltratada, tão espezinhada, coitadinha. O Ministério da Educação, por aceitar tamanha aleivosia, merece ser chamado, daqui em diante, de Ministério da Deseducação e Promoção do Analfabetismo.
*Médico-psiquiatra, escritor, cronista e colunista do Jornal da Praia desde a década de 1980, Antônio Airton Machado Monte é um legítimo repórter da nossa época
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