01 julho 2011

SOM E SANIDADE

Ode ao silêncio*


Se existe uma coisa com a qual não consigo me conformar, por mais que eu tente denodadamente nos últimos tempos, é com a barulheira caótica, ensandecedora e infernal que assola esta cidade em que sobrevivo, transito e me morro de amores. 

E o que é pior, não tem hora nem dia para começar o diabólico pandemônio. Tanto faz se é de manhã cedo, de tarde, no começo da noite ou até mesmo altas madrugadas. Pouco importa que estejamos em pleno feriado, ou seja um sábado, um domingo. 

Parece que a palavra "silêncio" foi sendo paulatinamente riscada do mapa do respeito ao sossego do próximo e do distante. Não há ouvido humano capaz de suportar a zoadeira generalizada que estoura, sem dó nem piedade, os sofridos tímpanos dos habitantes desta metrópole sem dono, tiranicamente dominada pelos malditos paredões de som que infernam a vida de quem nela habita de modo duradouro ou provisório.

Portanto, acima de tudo que me cerca nesta minha para sempre amada Loura Desposada, banhada pelo sol equatorial, a mim me resta um único e desesperado apelo que ora lanço aos ares como uma branca bandeira de trégua em meio a essa batalha citadina. 

Premido, imprensado entre o sossego e o desassossego, agoniadamente imploro: silêncio, pelo amor de Deus e de todos os santos. Silêncio, eu encarecidamente suplico. Só um bocadinho de silêncio é que o que peço agora. 

Será demais ou um vão e inútil pedido desejar um pouco de silêncio para que eu possa ouvir, sem interferências pandemônicas meus próprios, vadios pensamentos? Acredito que não. 

Afinal, numa cidade modestamente civilizada, em que ainda reste um resquício de indispensável gentileza, todo e qualquer cidadão possui o sagrado direito a um pouco de silêncio, por mínimo que seja, para ser, vez em quando, um Robinson Crusoé de si mesmo, sem a companhia de um Sexta-Feira e sem radinho de pilha na tranquilidade do seu lar.

Sim, evidente que concordo inteiramente com a célebre frase de um autor cujo nome, nesse instante, se escapa à minha não tão confiável memória: nenhum homem é uma ilha. Porém, o que me custa tentar sê-lo uma vez ou outra, quando assim bem o desejar e carecer? 

Ah, que imensa falta me faz o silêncio, por demais bem-vindo nessa tarde tão bela, que tinha tudo para ser de uma calma ansiolítica, quieta, mansa, suavemente recoberta por uma vestimenta silenciosa como uma cadelinha domesticada. 

E não é. Infelizmente, há demasiado barulho ao meu redor. Vozes que ressoam alto dentro dos bares vizinhos, buzinar atordoante dos carros, aparelhos de som estrondeando as insuportáveis trilhas sonoras de um estúpido mau gosto, uma babel de irritantes cacofonias que minhas sambadas oiças já não são capazes de suportar até que me atinja a surdez definitiva, irreversível. 

Não duvido nada que haja baixado em mim um espírito de eremita e tudo o que é humano me parece estranho, exceto o toque-toque das teclas do computador.

No entanto, onde exilar-me na cidade que, ora sim, ora não, sinto que não mais me pertence? Nada do silêncio estéril das catacumbas, da solidão dos cemitérios. Mas o silêncio poético de quem anseia encontrar-se consigo mesmo. 

Da espreguiçadeira instalada no alpendre, observo a vida miúda das formigas laborando, incansáveis, no espaço do quintal, onde algumas plantinhas teimam em brotar nas frestas do cimento. Também procuro ao longo dos telhados o grande gato gordo que não mais os povoa, a caçar pombos invisíveis. 

Somos tão iguais, eu e o desaparecido velho gato grande, gordo, imersos na tarde morna que tinha tudo para ser calma, quieta, mansa, suavemente silenciosa e que assim não o é. Enfim, descubro tristemente que o silêncio por mim desejado é impossível de se obter nesta urbe barulhenta e bárbara. 

Que saudades me dá do suburbano silêncio da minha louca mocidade, tão pacificamente prenhe de segredos, sossegos e maravilhosos mistérios.

*O escritor, cronista, médico-psiquiatra e colunista do Jornal da Praia desde 
os anos 1980, Antônio Airton Machado Monte, é um autêntico repórter desta época que habitamos

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