Um soldado
embaixo da
sua cama*
Diferentemente da maioria das pessoas, não me surpreendi quando estourou a denúncia do técnico da CIA (agência de espionagem americana) Edward Snowden, informando que os Estados Unidos grampeavam deus e o mundo, com ajuda das grandes empresas da internet, como Google e Facebook.
A reportagem do jornalista Gleen Greenwald, para o jornal britânico The Guardian, apenas confirmava o que eu já lera no livro Cypherpunks, escrito por Julian Assange (WikiLeaks), em parceria com outros militantes da internet livre, Jacob Appelbaun, Andy Müller-Maguhn e Jérémie Zimmerman.
No livro, a reprodução de uma conversa entre os autores, Assange equipara a vigilância via internet a uma “ocupação militar”. Chegou a tal ponto, diz ele, que é como se cada um de nós tivesse “um soldado embaixo da cama”. Para Assange, “todos nós vivemos sob uma lei marcial no que diz respeito às nossas comunicações: "só não conseguimos enxergar os tanques, mas eles estão lá”.
Müller-Maguhn afirma que atualmente é mais eficiente para os governos “pegar tudo” o que trafega na rede e nos telefones para “esmiuçar depois”. Justamente o que faz o governo americano, como mostrou o programa Fantástico, na edição de domingo. Assange chega a fazer piada, dizendo que o celular “é um dispositivo de monitoramento que também faz ligações”.
GOOGLE E FACEBOOK: EXTENSÃO DAS AGÊNCIAS DE ESPIONAGEM
Jérémie Zimmermann destaca a vigilância sobre as pessoas comuns: “Se você for um usuário padrão, o Google sabe com quem você se comunica, quem você conhece, o que está pesquisando e, possivelmente, sua preferência sexual, sua religião e suas crenças filosóficas”. Para Zimmermann, Facebook e Google podem ser considerados “extensões” das agências de espionagem americanas”. (Exatamente o que Snowden denunciou.)
Jacob Appelbaun afirma que os governos ocidentais agem de forma parecida com países de governos ditatoriais. Appelbaun dá o próprio exemplo: pesquisador do Tor Project, sistema online que possibilita contornar a censura e a vigilância na internet, ele diz que é detido para “averiguação” a cada vez que tem de sair (ou entrar) nas fronteiras de seu próprio país: os Estados Unidos.
BRASIL
Dito isso, seria muita ingenuidade acreditar na explicação da Casa Branca, dizendo que coletava apenas os “metadados” (no caso, a lista de quem escrevia ou falava com quem, tempo de ligação, etc.), sem ter acesso ao conteúdo das conversas ou dos emails. É muito óbvio que se apoderando dos metadados, era só dar mais um passo para chegar aos dados em si. E, tendo a posse dos dados, quem resistiria a dar uma espiadinha? Nada inocente, diga-se.
A espionagem americana não tinha o objetivo de "tornar o mundo mais seguro", conforme disse Obama (risos). Conforme revelou a reportagem do Fantástico, tinha a ver com o temor americano pela ascensão dos países “pobres”, que poderiam abalar o poder do Império, além de assuntos mais prosaicos como obter vantagens para os seus negociantes.
Com as provas apresentadas, parece muito difícil que a Casa Branca tenha uma explicação “satisfatória” -- como quer o Brasil -- para o que aconteceu. A presidente Dilma Rousseff disse estar “muito irritada” e “indignada” com o atrevimento dos Estados Unidos, mas reação oficial tem de ir muito além disso. Devido à gravidade da situação, é preciso resposta vigorosa do Palácio do Planalto. A espionagem não atacou um governo específico: é uma ofensa à soberania brasileira.
Sugestão: o governo brasileiro poderia conceder asilo político a Edward Snowden. Creio que nada deixaria Barack Obama mais “irritado” e “indignado” do que isso. Dilma estaria pagando com a mesma moeda.
A PROPÓSITO
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo (1.º/9/2013), o professor da London School of Economics e da Universidade de Nova York, Richard Sennett, 70 anos, afirmou que “ser progressista hoje é lutar pelo desmembramento do Google”. Sennet é considerado um dos mais famosos sociólogos do mundo.
Ele entende que o governo americano deve acabar com o monopólio das gigantes empresas da internet. Mas, vamos ligar os pontos: por que o governo americano agiria assim, se ele controla a internet, e tem o beneplácito do Google e do Facebook para violar a correspondência alheia?
P.S.: No meu blog (http://blog.opovo.com.br/pliniobortolotti/) venho fazendo postagens sobre o perigo que representa o monopólio das gigantes da internet. Este texto foi baseado em alguns desses posts. Quem se interessar, pode pôr na pesquisa do blog palavras como “assange” ou “internet”, e terá acesso a alguns posts sobre o assunto.
*o jornalista Plínio Bortolotti é diretor
Institucional do Grupo de Comunicação O Povo.
Institucional do Grupo de Comunicação O Povo.
Charge (por Clayton) publicada em www.opovo.com.br
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