15 setembro 2016

"VAZIO" BUDISTA


Desapegue e terá o universo*



O jovem Keisuke Matsumoto resolveu escrever um livro sobre os hábitos de faxina diária dos monges e virou um autor de sucesso. Seu Manual de Limpeza de um Monge Budista, publicado no Brasil pela Editora Planeta, entrou na lista dos mais vendidos no Japão, na Espanha e na Itália.

Foi um dos livros mais delicados que li nos últimos tempos. Parece auto-ajuda, mas chega perto da poesia. Sua força está concentrada na crença budista de que fazer faxina remove a sujeira do espírito.

A orelha do livro já anuncia: "Um dos discípulos de Buda encontrou o nirvana enquanto estava varrendo". Simples e profundo, Keisuke Matsumoto explica aos poucos a relação entre o ambiente e o espírito.

Por exemplo: ele aconselha "lavar imediatamente cada louça suja", da mesma forma que devemos expulsar todo pensamento ruim assim que ele chega, para que em nós não encontre morada.

Acumular louça na pia e coisas por arrumar na casa só torna as tarefas mais pesadas pelo volume de trabalho e perturba o espírito. A rotina de limpeza dos monges é de um pouco por dia. “Cada segundo de faxina é de pleno significado”, ele diz. E justifica, com tranquilidade, página por página.

O que impressiona nesse livro tão delicado é que ele nos leva a um estado de paz de espírito ao longo da leitura. Quase uma meditação. Logo no começo, ele sugere que as janelas sejam sempre abertas pela manhã para que o ar puro limpe a casa com o frescor de cada estação.

A descrição é tão bonita que é quase possível sentir uma lufada de vento japonês no rosto. A relação com os objetos ao redor também merece atenção do autor. O minimalismo é levado a sério.

Ele sugere que tenhamos apenas “objetos de qualidade excelente feitos mediante tempo e esforço. Ao tocar algo assim, toda energia concentrada na sua manufatura percorre o corpo e chega ao coração”.

Lembrei imediatamente das rendas, do linho e dos bordados, das peças feitas com a força de uma tradição e que já estão deixando de existir, pouco a pouco, porque não cabem mais na pressa da vida ocidental.

O minimalismo que ele prega está centrado na crença de que precisamos de muito pouco para viver. Uma casa com menos objetos é mais fácil de limpar. Uma vida com excessos torna-se mais pesada. “Desapegue e terá o universo. É o 'vazio' budista”.

Há tempos, venho pensando no resultado de sermos uma sociedade com tantas marcas de um regime escravocrata, acostumados a pensar nos serviços de casa como algo a ser feito somente por empregadas domésticas, como se limpar a própria casa diminuísse o valor de alguém.

Associar a limpeza do ambiente com a cura do espírito faz absoluto sentido. Por muitas vezes, tive inspiração para novos livros enquanto lavava louça ou fazia outra atividade doméstica.

O efeito desse texto é quase literário porque tem o poder de transporte para uma vida em outro ritmo, tão diferente da nossa correria habitual, acumulando obrigações, objetos, cansaço. Assim, o Manual de Limpeza de um Monge Budista é, sobretudo, uma pausa.

E uma forma de enxergar a rotina diária como possibilidade de meditação ou de iluminação, a depender da alma de cada um.


*Socorro Acioli é escritora. Conteúdo publicado em www.opovo.com.br





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