10 maio 2006

CAMINHOS

Qual a melhor “passagem”?


Nenhuma religião ou filosofia é a melhor. Porque não é o caminho o que verdadeiramente importa — é o caminhante. Todos os caminhos que há são apenas a realidade brincando de se explicar para nós. Não fosse esse espírito lúdico, que transforma a realidade, essa coisa infinita e assombrosamente complexa, em fascinantes caminhos para se percorrer, nós pobres humanos não teríamos como de fato acessá-la.

Portanto, todos os caminhos são válidos, pois todos são a realidade se experimentando para a limitada e esforçada compreensão humana. Evidente que é impossível percorrer todos. Mas podemos, durante a vida, escolher alguns, caminhar por eles com alegria e entender um pouco mais sobre a realidade. Há, porém, bem à entrada de cada um deles, um aviso aos navegantes que, embora de séria importância, a maioria não lê, empolgada com as maravilhas da via recém-escolhida. O aviso diz: "Para o caminho não criar lodo, não
perca a noção do todo."

Caminhos são sedutores porque cremos que neles está a verdade e que ela nos libertará. Sim, a verdade liberta. Ela, porém, não cabe no caminho: o caminho é que faz parte da verdade. Quando perde isso de vista, o caminhante se entorpece e fica cego. Em seu exclusivismo, passa a crer que somente o seu caminho é verdadeiro e os demais são ilusão. Especializa-se cada vez mais em suas paisagens e esquece que cria lodo a água que não corre. Paisagens são bonitas, sim, descansam a vista... mas se paramos muito tempo para as admirar, acabamos nos tornando parte da paisagem — e assim o caminho perde seu maior sentido: o movimento.

Então experimentemos os caminhos com entusiasmo, extraindo deles o máximo que pudermos. Escolhamos aqueles que ecoam alma adentro e nos fazem tremer, aqueles que fazem a vontade de viver correr pelas veias. Temos uma vida inteira para experimentá-los. Lembremo-nos, porém, de que os caminhos cruzam com outros e é justamente nesses cruzamentos que a verdade brilha mais forte.

Por isso, quando você encontrar alguém que descobriu o único de todos os caminhos que leva à verdade, sorria e seja compreensivo(a). Esse alguém está trilhando seu caminho intensamente, com entusiasmo tanto que não tem tempo para erguer-se um pouco acima dele e constatar que, na verdade, todos os caminhos são um único caminho, que se experimenta de todas as formas.

A verdade liberta, sim, mas apenas se você conseguir enxergá-la onde ela sempre esteve: em tudo.


ACESSE
O colunista Ricardo Kelmer é escritor, letrista e roteirista e mora no Rio de Janeiro, na Terra — a 3.ª pedra do Sol

www.ricardokelmer.net

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