Brasileira joga pra ganhar
Enquanto os fogos estouram pelas ruas do bairro, pa-pa-pa-pa-bummmm, e o gato sai correndo pra se esconder embaixo da cama, visto minha camisa amarela me imaginando um antigo guerreiro em seu solene ritual de preparação pra batalha. No lugar da lança, a garrafinha com domecq no bolso da bermuda. Sacomué, os guerreiros precisam estar sempre prevenidos com a poção mágica. Boné da sorte, oquei. Cueca da sorte, oquei. É jogo de Copa do Mundo. Tô pronto.
Lotado o bar que escolhi pra ver o jogo. Mas milagrosamente consigo uma cadeira pertinho do telão e bem ao lado de uma mesa com, não acredito, uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete mulheres! Hummm. Ainda comemoro a boa sorte quando uma rajada de fumaça me atinge o rosto. Argh! Uma delas é fumante. E escolheu logo a mim pra dividir seu risco de câncer, que ótimo. Tava bom demais. Cravo nela meu olhar inquisidor e deixo-lhe uma praga: vai ficar sete anos sem arrumar namorado.
Abrem-se as cortinas, começa o espetáculo, taí o que você queria, bola rolando. Ah, a emoção do futebol, a beleza plástica, a poesia... E a tática? É muito eficiente, já reparou? O jeans justinho preenche com eficiência os espaços, reforça a retaguarda e aperta bem a marcação. A triangulação é perfeita e dá pra acompanhar bem a linha divisória do gramado... Ops. Mazessa crônica não é sobre futebol? Desculpe a falha. Voltemos ao jogo. Sai, Dida! Saaaaai!!! Isso! Ufa... Bolas aéreas são sempre um susto.
Elas aparecem de repente, insinuantes, e aí tem que pegar firme, com as duas mãos, segurar e não soltar mais, senão vão ficar cruzando perigosamente a área dos nossos olhos. Não bote dar decote, digo, rebote. Ahn? Eu disse decote? Putz, tá difícil de prestar atenção no jogo. Parece que todas as mulheres lindas decidiram ver o jogo aqui. Ver o jogo e não deixar a gente ver. Precisava desses decotes tão violentos? Isso é antijogo, a regra é clara. Nosso futebol-arte é reconhecido no mundo inteiro. O verdiamarelo brilha não apenas no uniforme mas no brinco, na bandana, bracelete, sandalinha...
Mas cuidado, o short curtinho deixa o atacante atrás da zaga. E com a camiseta justinha na intermediária, o pírcin, coitado, fica sozinho no ataque... Ah, assim não dá! Impossível se concentrar no jogo. Quer saber duma coisa? Vamos logo virar a câmera pra ela. Vamos falar da torcedora brasileira, o produto mais belo e poético que o futebol gerou. Mais bonito até que aquele gol que Pelé não fez. Não fez porque uma brasileira se levantou na arquibancada, não sei se você sabe, justamente quando o Rei ia tocar pro gol. Culpa dela.
Cá pra nós, já reparou como brasileira fica ainda mais linda em dia de jogo da seleção? O desenho tático fica evidente nos modelitos, já sacou? Ela improvisa bem, mexe daqui, substitui dali e o conjunto não perde a harmonia. A fitinha do cabelo vai pra direita, pra esquerda, que nem as pedaladas do Robinho. E quando se levanta toda jeitosa pra ir ao banheiro? Impedimento escandaloso! Mas ninguém marca e a jogada segue, ainda bem. E quando comete falta no entendimento futebolístico? Ninguém adverte.
Pra quê? Importante é manter o rendimento. Brasileira só joga pra ganhar. E de goleada.Outro dia vi uma matéria mostrando que na Copa ela usa calcinha com motivos patrióticos. Ai, ai. Ainda tem isso... São verdinhas, amarelinhas e algumas têm até umas mensagens bem mimosas, já viu? Você toca daqui, recebe dali, vai avançando, invade a área e de repente tá lá escrito: "vai que é tua, gatão!" Ou então: "pimba na gorduchinha!" Com um incentivo desse, não é possível que você vá pipocar, né? Pobre da unha dela... As bandeirinhas pintadas com tanto esmero já foram todas roídas.
Ela fica nervosa, dá gritinho, se descabela com o gol perdido, pede mais garra, mais chute e mais chope. No meio da tensão geral, o time deles atacando, o maior perigo... e agora ela lá tranquila retocando o batom. Essas viradas de jogo são pra confundir. E quando finalmente a rede adversária balança, uau, que delícia, ela grita, samba, saltita, abraça todo mundo, fica ainda mais linda e cheia de graça, no doce balanço do gol. A partida termina, ufa, o Brasil venceu, que bom.
Levanto pra ir embora, mas antes meu olhar se despede, agradecendo enternecido a todas elas. Até a fumante chata de repente ficou mais bonita. Aliás, desafiando a praga que joguei, ela já tá aos beijos com um bonitão acolá. Zero a zero parece que não é com a moça. Como eu disse, brasileira joga pra ganhar. Pro bem do futebol-arte. E do futebol-paixão.
O colunista Ricardo Kelmer é escritor, letrista e roteirista e mora no Rio de Janeiro, Terra, 3.ª pedra do Sol
www.ricardokelmer.net
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29 junho 2006
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