O maravilhoso e o incompetente
Quando contemplo o mundo e olho o Brasil, concluo que este País não é competitivo. No entanto, desfruta de ilimitadas chances de se tornar uma das maiores nações do planeta. Basta nos comparar com o Japão, esmagado pelos americanos em 1945, paupérrimo em recursos naturais, localizado entre gigantes (China, União Soviética, tigres asiáticos), rodeado de vulcões por todos os lados, falando um idioma complicado, e mesmo assim, o segundo PIB mundial, ancorado na excelência da população, sobretudo da mão-de-obra, e numa refinada elite governamental e empresarial.
E o Brasil, possuidor de recursos abundantes e ainda patinando como ilustre desconhecido, quando muito em fase de desenvolvimento, apesar da baixa taxa de crescimento até na América Latina. Ao cotejar o desenvolvimento e o crescimento chinês com o brasileiro, ficamos atordoados. Continuamos bloqueados por vários condicionantes internos. Um deles, o auto-engano de eterno ''País do Futuro''. E esse futuro não chega. Nessa falta de competitividade globalizada, entram vários fatores. Um deles, a ''incompetência brasileira''.
Em outro artigo, afirmei: ''O Brasil dispõe de uma cultura, neste alvorecer do século XXI, extremamente pecaminosa, lesiva, banhada pela corrupção, por uma notória incompetência.'' E, acrescentei, ''nada funciona aqui ou funciona de maneira improvisada, a não ser que o indivíduo não tenha olho crítico, seja conformista, alienado''. Não reclama, não luta pelos seus direitos e ainda estimula a mediocridade e o erro. Ambos são protegidos, por causa da ''solidariedade da mediocridade''. E, prossegui, ''se ele tiver um mínimo de cidadania, será um eterno revoltado. A incompetência está ramificada em todos os setores''.
Não tenho medo dos incompetentes nem dos medíocres. Tenho uma enorme insegurança, inquietação com a ''solidariedade'' dos incompetentes e dos medíocres. Eles se irmanam entre si, fechando todas as portas para quem tem um mínimo de talento. A incompetência foi plantada já no descobrimento pelos portugueses, revelando naquela época — há mais de 500 anos — uma miopia imperdoável. Chegaram aqui no século XV e levaram 30 anos para retornar às plagas nacionais, porque não perceberam as nossas potencialidades e riquezas. Só retornaram após se sentirem acossados pelos piratas europeus que começaram a nos cercar.
Outro indicador de incompetência (talvez mais de corrupção), o escrivão da Frota Pero Vaz de Caminha, na primeira carta ao Rei de Portugal, no meio de um texto superficial, pedia um emprego para seu sobrinho. Outra luz na construção da incompetência nacional ocorreu com os primeiros passos da educação escolar, que vem se deteriorando ao longo dos séculos, chegando agora ao fundo do poço. As aulas ministradas pelos jesuítas no começo da colonização, uma imposição aos silvícolas de valores, ideologias, visões importadas sem nenhum compromisso com a realidade local.
Essa distorção continua, com uma desvantagem: transmissão de utopias intermediadas por ineficazes e mal-intencionados processos pedagógicos. Portanto, no momento da elaboração deste artigo, o Brasil se apresenta assentado em dois pilares. De um lado, uma nação maravilhosa para se viver, do ponto de vista geográfico. A geografia brasileira é incomparável. Único País do mundo a preencher todas as necessidades autênticas do ser humano, daí a luta dos estrangeiros — por exemplo, os executivos — em querer continuar residindo aqui.
O Brasil oferece tudo para o indivíduo passar a existência levando uma vida saborosa, prazerosa. Amplo, rico e atraente litoral, praias deslumbrantes, clima ameno, nação agradável, sem terremoto, sem terrorismo, povo bom, de excelente relacionamento, de estimulante convivência, onde se desfruta de privilegiados espaços de sobrevivência. Só morre de fome quem detesta trabalhar, tem cabeça truncada e o lazer, a ociosidade por opção. Mas quem possui um mínimo de inteligência, vontade de dar duro, usufrui de todas as condições para viver dignamente.
Há uns 10 anos fiz uma viagem de estudos dentro de um programa de formação e desenvolvimento de executivos internacionais com alunos da Universidade de São Paulo (USP), visitando seis países europeus. Numa reunião com um dos diretores da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Genebra, um dos alunos perguntou ao diretor do órgão as possibilidades de ele fazer uma carreira trabalhando na Suíça. O executivo foi enfático na resposta: ''Nem pensar nesse desejo. Volte para o Brasil, porque lá se encontram notáveis atrações.'' E completou: ''Aqui na Europa todos os espaços estão ocupados''.
Outras ilustrações do Brasil maravilhoso. Na coordenação da programação dos alunos de MBA da Whorton, conceituada e famosa escola de negócios dos Estados Unidos e uma das mais credenciadas do mundo, com sede na Filadélfia, incluí Fortaleza. Ficaram nesta cidade 10 dias. Ao término do estágio na capital do Ceará, fui procurado por eles. Isso me preocupou. Em resumo, a questão central deles era a seguinte: ''Professor Cléber Aquino, será que há possibilidades de nós trabalharmos em Fortaleza ou de montar um negócio?'' Fiquei perplexo com esta interpelação.
São considerados os melhores estudantes do mundo em Gestão, preparados para presidir corporações globais, multinacionais, jovens viajados, poliglotas, filhos de ricos e estudantes nos Estados Unidos. E querendo viver e trabalhar no Brasil/Nordeste. Constantemente sou procurado por estrangeiros cursando disciplinas na USP, com os mesmos interesses. Um deles francês, residindo em Paris ao lado da Torre Eiffel, terminando o doutorado no Canadá, sua idéia fixa é morar no Brasil. Procurei mergulhar nas motivações deles, principalmente dos alunos da Whorton.
Por unanimidade, afirmaram que o Brasil mexeu com a cabeça deles, passaram a questionar se valia continuar no tal do "primeiro mundo", considerando a qualidade de vida aqui. Por outro lado, na paralela desse Brasil maravilhoso, deslumbrante, encanto dos estrangeiros, nós brasileiros somos metralhados por um show de incompetência, indo desde o porteiro de um prédio residencial à Presidência da República, e daí ao parque empresarial, aos profissionais liberais, enfim, em todos os segmentos nacionais. Até a corrupção é conduzida de maneira incompetente.
VÁ ALÉM
Cleber Aquino é professor da Universidade de São Paulo (USP), consultor de Alta Gestão e coordenador dos 6 volumes de História empresarial vivida – Depoimentos de empresários brasileiros bem-sucedidos (Editora Gazeta Mercantil, 1986 – compre em http://www.livronet.com.br/produtos.php?codigo=189084). Escreve quinzenalmente aos domingos para a coluna Análise Econômica do jornal O Povo
www.opovo.com.br
26 agosto 2006
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