Minha filha adolescente dá um trabalho...
Tira notas baixas na escola e quando vou reclamar ela diz, com todas as letras: "Todo mundo foi mal, até mais do que eu."
Reclamo que ela não estuda, que fica tempo demais na internet. E ela é infalível: “Os outros alunos também ficam.”
No final de semana, sai com as amigas. E eu fico "na orelha" para que ela não ande no carro dos amigos mais jovens, que ainda não têm noção do perigo e que bebem nas festinhas. “Ah, pai, todo mundo anda!”
Quer festa de aniversário, vai convidar os amigos. Menores. Digo que não vou deixar servir bebidas alcoólicas. Lá vem bomba: “Mas em todas as festas que eu vou eles servem!”
Aí chegam as provas de final de ano. Resultado: dependência. As malditas “depês”. Pulo na garganta dela, só para ouvir: “Os outros também ficaram.”
E quando ela vem com suas desculpas de adolescente, mando o velho "Quando você vai com o milho, já voltei com o fubá".
E assim levo a vida, em constante atrito com a "aborrescente". Até ela amadurecer e entender que existe uma coisa chamada “responsabilidade”, e que não deve usar o comportamento da maioria de seus amigos como justificativa para seus erros e omissões.
Este talvez seja o maior desafio dos pais: desenvolver o senso de responsabilidade nos filhos. E também o de ensinar como utilizar a prática da paridade.
Paridade é uma comparação que prova que uma coisa é igual a outra, ou semelhante. É por meio dela que entendemos o mundo. A gente vê ou ouve as coisas e exercita a paridade, comparando o que vemos ou ouvimos com o que conhecemos. Tal exercício comparativo — com base em nossos valores e convicções — é que fundamenta nossos julgamentos. Consideramos algo bom ou ruim a partir dessas comparações.
O que minha filha faz é um exercício de paridade de adolescente. Quando reclamo das notas baixas, ela compara com os outros amigos. E conclui que o problema não é só dela, é "da maioria". Portanto, deve ser normal. E se é normal, não deve ser tão ruim... “Ah pai, não exagera!”
Seu conceito de “responsabilidade” ainda não amadureceu para entender que a normalidade não se determina pelo comportamento dos outros. Nem da maioria. Fosse assim, 300 torcedores de um time trucidando um torcedor do time adversário seria normal.
E esse mau uso da paridade não é problema exclusivo dos adolescentes, não. Olhem o caso dos gastos com cartões corporativos do governo. Um escândalo que traz à luz mais uma vez um exercício da paridade dos adolescentes feito por adultos. Alguém apontou comportamento errado dos integrantes do governo? Compare com o governo anterior.
Não importa se o PT governa desde 2003. Importa é ver se os outros também tiraram notas baixas: “Ah, mas no tempo do FHC gastava-se mais!”. “O mensalão foi criado na época do FHC!" “Só aceito CPI se ela cobrir também a época do FHC!”... O Brasil é um país adolescente.
Nossa democracia é adolescente. Mas nossos políticos são bem crescidos. Não podem usar justificativas adolescentes para seus atos. Ah, os problemas estão sendo encontrados? A CPI vai ser criada? A ministra já caiu? O ministro já devolveu o dinheiro? O governo está fazendo tudo pela moralidade? Temos transparência?
Quando vocês vêm com o milho, já voltei com o fubá.
Mas digamos que tudo isso fosse verdade e que providências estão sendo tomadas. Ainda assim teríamos uma grande encrenca, pois o pior problema não dá pra contabilizar: o exemplo que está sendo passado aos nossos filhos, de que os erros passados justificam ou atenuam os atuais.
Não justificam. Não atenuam.
Responsabilidade. É isso que explico todo dia para minha filha. E haja milho...
*O jornalista Luciano Pires, ao ter a sensação de que o Brasil "estava ficando burro", escreveu o livro "Brasileiros pocotó", tornando-se um paladino da luta contra a mediocridade no País
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