O discutido Plano Diretor de Fortaleza se traduz como momento ímpar no debate sobre as políticas públicas de regularização e ordenamento da cidade e seu modelo de desenvolvimento. A proposta apresentada para o debate é avançada, centrada na utilização social do solo, na preservação dos mangues e APAs, regulamentando os espaços de interesse social em sua essência e contrariando a lógica de apropriação e acumulação do capital que seguia livremente em nossa cidade, sem intervenção do poder público.
Para as comunidades da periferia de Fortaleza, o Plano vem como um freio ao apartheid que se instalou na quarta maior capital do País. Essas comunidades são recorrentemente varridas do mapa pelos empreendimentos imobiliários, muito deles chancelados e financiados com recursos públicos. Como exemplo, basta observar o que ocorre no entorno das vias expressas e a remoção das populações pobres e pretas das proximidades dos bairros mais estruturados, tais como Aldeota, Meireles e Dionísio Torres, revelando uma política de limpeza étnica e social.
As comunidades históricas de Fortaleza sofrem com um Racismo Ambiental que as impede de ter espaços para manifestar suas crenças locais. Vivenciam um exílio compulsório, sem nunca terem saído da cidade. Os grandes grupos econômicos não entendem que progresso algum paga os recursos naturais e o território, tão fundamentais para essa populações garantirem sua história, sua identidade, seus vínculos afetivos e a reprodução de sua intensa vida social e cultural.
Esse apartheid é o mesmo que garante a derrubada dos barracos e destrói a natureza para a construção de campos de golfe ou resorts. É financiado em dólar, promete progresso e emprego, no entanto os sinais de sua fatura não condizem com suas promessas. Quem duvida, basta constatar o que foi feito na conhecida Praia de Iracema, onde a comunidade local teve seu espaço ocupado pela intelectualidade emergente e, em seguida, pela burguesia ascendente, sobressaindo-se um discurso de progresso e de urbanização que foi expulsando os pobres, até restar somente o rastro de latinhas perfuradas — sinalizando que ali o crack que reside não é mais o da bola.
Defender um Plano Diretor comprometido com a natureza e com a maioria da população é enfrentar um modelo de desenvolvimento insustentável, que necessita de mais de 20 mil homens da segurança privada para poder transitar e que tem, como resultado, a existência de mais de 700 favelas, que polui e destrói os recursos naturais, impossibilitando, inclusive, o povo de desfrutar dos privilégios e serviços ambientais que a natureza oferece.
Mesmo com todos os indicadores da crise, quando se propõe a discutir uma cidade a partir de suas características locais, comprometida com as demandas ambientais e sociais de Fortaleza, grandes grupos econômicos se levantam para continuar garantindo a manutenção desse apartheid.
Um alerta fica para as comunidades do lado Leste da cidade, onde ainda restam alguns recursos naturais e a presença de pobres e pretos é ainda bem expressiva em bairros como Água Fria, Edson Queiroz, Sapiranga e Sabiaguaba.
É preciso neste Plano selar um pacto comprometendo os vários setores da sociedade, em particular a Prefeitura, com um novo projeto para Fortaleza. Caso contrário, na medida em que não se dividam as riquezas e se pense um modelo diferenciado da relação homem-meio ambiente-economia, estaremos todos condenados às tragédias sociais e aos castigos da natureza.
*Preto Zezé é coordenador da CUFA-Central Única das Favelas do Ceará e membro do Conselho de Leitores do jornal O Povo.
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