Bombas na tevê
Hoje, a tarde é gris. Grisalhas são as nuvens parcas, pairando sobre minha cabeça como se fossem chover. Na cozinha, a geladeira é um clarão azul, recém-pintada, contrastando com o agressivo branco dos azulejos das paredes.
Em ouro líquido derrama-se o refresco de manga no copo prateado de alumínio. Meu cachorro resplandece de um retumbante negro e amarelo. E assim de loucos desejos, feito cores variegadas, sou feito à minha própria imagem e semelhança.
O mar tem a cor da imaginação dos olhos de quem o vê, menos a cor do desespero. Já a minha tristeza é avermelhada como as brasas do fogão de lenha de minha avó, no tempo das grandes inocências. Minha alegria é um arco-íris de uma timidez sem par.
Acendo um cigarro, penso na vida que estou levando e tudo no mundo volta ao normal. Sou um cara teimoso e, como diria Otto Lara Resende, sei que intelectual no Brasil não passa de um bostinha e o saber torna-se uma condenação ao ostracismo.
No Brasil, somente os cretinos fundamentais são considerados felizes e a mediocridade se transforma numa milagrosa bênção. Algumas pessoas odeiam de morte os intelectuais, mas se não lhes custasse demasiado caro, decerto possuiriam um de estimação, pra fazer bonito na sala de visitas quando dessem uma festa para puxar o saco do patrão ou do cacique político.
Meus raros dissidentes afetivos dizem de mim que sou um poço sem fundo de vaidade indevida. Vai ver estão todos absolutamente certos ou esquecem que sou míope e míope é mesmo uma gentinha que não se enxerga.
As bombas terroristas explodem vez em quando na tevê e eu vejo, banhada em sangue, a pomba da paz crucificada em minha janela. Tenho tanta coisa séria para pensar hoje, porém só consigo pensar em mim mesmo — e em como a existência cotidiana anda difícil nesses tempos tão bicudos.
Aporrinhações, aperreios, aflições, falta de dinheiro e até mesmo de um pouco de esperança. Portanto, se faz necessário imediatamente uma pitada de bom-humor, senão onde me restaria um pingo de fugidia esperança?
Esperança. Por vezes, me pergunto se não seria mais sadio riscar esta palavra do meu dicionário. Como sou teimoso, insisto em acreditar nela até que não me seja mais possível acreditar em mais nada.
*Airton Monte é psiquiatra, escritor e colunista do Jornal da Praia há pelo menos 20 anos
20 abril 2009
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