27 junho 2009

PAPO DE BUGRE

Idioma brasileiro


No Brasil dos paradoxos, acontecem coisas em que a mais fértil imaginação não teria condição de acreditar. O retrato da identidade nacional é composto por um branco, um índio e um negro e, obviamente, falamos um idioma formado por palavras oriundas destas três fontes lingüísticas. No entanto, temos a coragem de dizer que "no Brasil, fala-se o Português". Ledo engano.

No Brasil fala-se um idioma que só se fala no Brasil -- e em nenhum lugar mais. Aliás, somos a única ex-colônia portuguesa que não fala com sotaque português. E isto deve-se à influência da língua tupi, pois seja, o Nheengatú -- ou, como quer o presidente, ao nhén-nhén-nhén... Esta espinha dorsal lingüística brasileira está um tanto desbotada diante de tantas "lavagens culturais" a que foi submetida ultimamente, pelos estrangeirismos que empesteiam o nosso idioma.

A língua portuguesa original trazida para o Brasil continha 140 mil verbetes ou palavras. O Português, esta "língua de marinheiro", contém hoje 260 mil verbetes, fato que o torna a mais rica língua em sinonímica do mundo. Os 120 mil verbetes excedentes em nosso idioma falado, ficam por conta das culturas africanas e tupi-guarani.

Portanto, a tão alardeada "unificação ortográfica e gramatical" torna-se impossível a partir da própria conseqüência lingüística que este idioma adquiriu no Brasil. Isto porque o significado de milhares de palavras oriundas do Tupi, falados diariamente, são completamente desconhecidos por todos indistintamente. E isto, ainda, sem mencionarmos, obviamente, a contribuição lingüística africana.

As três línguas que formam o idioma brasílico têm um sentido e uma objetividade declaradamente importante: o africano nos deu verbetes com os quais nos expressamos na forma espiritual, culinária, lazer, gíria e glotologias. Exemplos: bunda, xodó, bizú, gogó, tijolo, zureta, muvuca, mumunha, maluco, garfo e por aí vai, aos milhares também.

O Tupi nos deu verbetes que permitem-nos ir e vir no real sentido locativo e toponímico. O Português nos deu verbetes que nos fornecem condições jurídicas, políticas e didáticas. Tornar-se-ia impossível a um brasileiro fazer tudo que faz diariamente usando apenas o recurso da língua portuguesa. Daí que....

É IMPOSSÍVEL UMA UNIFICAÇÃO ORTOGRÁFICA COM OS DEMAIS PAÍSES DE "LÍNGUA PORTUGUESA"!

Corrigir a injustiça histórica secular para com a cultura ameríndia brasílica, origem da formação nacional e espírito latente de insubmissão à dominação estrangeira, deve ser o objetivo de todos aqueles que lidam com a Educação e Cultura deste País e que tenham um pouco de amor ao verde-e-amarelo. Antes, devemos propiciar aos milhões de brasileiros que diariamente expressam-se na língua tupi a oportunidade de saberem o significado dessas palavras e, sabendo-o, terem condições de conhecer a história da grande nação Tupi, fato que gerará o inevitável espírito nacionalista e a responsabilidade por sua preservação.

A conseqüência imediata desta providência será a expansão, para além das nossas fronteiras, da verdadeira epopéia da estruturação brasileira, permitindo ainda que as demais nações, por intermédio dos milhares de turistas que pisam o território nacional, saibam, em seu próprio idioma, o significado dos nomes e palavras tão comuns nos logradouros públicos, locais e cidades mundialmente famosas, e, cujos nomes em Tupi não têm, até a presente data, tradução literal e significação, uma vez que os próprios brasileiros não o sabem.

Apenas como informação, longe de ser alguma língua morta e sem origem, o Tupi ou Nhengatú possui uma gramática expositiva dividida em quatro partes -- exatamente como a língua portuguesa: Fonologia, Morfologia, Taxonomia e Sintaxe.

Estamos, portanto, diante de uma prova de que os milhares de nomes toponímicos que descrevem e definem lugares, cidades, praças, ruas, produtos, objetos ou fenômenos da Terra, não foram jogados ao vento "por um caboclo brejeiro qualquer", como quer a explicação até hoje passada nas escolas do País, mas sim fazem parte do aspecto topográfico local, traduzido pelo idioma brasílico, genuíno irmão lingüístico do Português.

Se observarmos apenas algumas das palavras que pronunciamos diariamente, já teremos uma pequena idéia da nossa ignorância e da nossa conseqüente responsabilidade para com o futuro: jacarepaguá é "lago do jacaré"; andaraí é "água do morcego"; aracaju é "tempo de caju"; tijuca é "barro mole"; pará é "mar"; paraná é "rio afluente"; paraguai é "rio do papagaio"; paraíba é "rio ruivo" ou "encachoeirado"; pirapora é "peixe que salta"; pindorama é "país das palmeiras"; sergipe é "rio dos siris"; goiás é "gente da mesma raça"; piratininga é "seca peixe"; curitiba é "barro branco"; mogi-mirim é "riacho das cobras"; carioca é "casa de branco"; anhangabaú é "buraco do diabo"; e ipanema é "água suja".

Estas são apenas algumas das milhares de palavras do idioma tupi faladas e escritas diariamente e que, identificando locais e cidades nacional e internacionalmente conhecidas, fazem parte do nosso vocabulário diário. Porém, as suas traduções ou significados são desconhecidos por todos.

Os padres jesuítas José de Anchieta e Manuel da Nóbrega dedicaram suas vidas ao estudo e codificação da língua tupi-guarani, bem como os usos, costumes, história e origem antropológica desta grande nação cujo sangue corre em nossas veias, direta ou indiretamente.

Centenas de outros jesuítas sucederam-se aos pioneiros na continuidade deste trabalho, legando-nos verdadeiros tratados acerca de tal assunto, vez que, já àquela época, previam a necessidade das futuras gerações acerca do conhecimento da língua brasílica que faria parte da nossa existência como nação. Mas a leviandade, o preconceito e o racismo de alguns "intelectualóides de beira de jardim" que se revezaram durante anos no controle da educação e da cultura, desprezariam por completo o trabalho destes jesuítas, preferindo dar cunho oficial aos anglicanismos, galicismos e outros estrangeirismos que corroem o nosso idioma e alteram o nosso comportamento.

De tal maneira desafiaram o conceito de "nação" que hoje, nas faculdades, ninguém sabe gramática portuguesa e muito menos gramática tupi-guarani. Só para exemplificar, aí vai um texto que prova a importância da cultura indígena na nossa vida:

"Aí, o presidente Fernando Henrique Cardoso saiu do palácio às margens do Lago do Paranoá, observou uma siriema que ciscava no Palácio do Jaburu e chegou ao seu gabinete, sendo recebido pelo mordomo Peri. Lembrou um assessor sobre as comemorações da Batalha do Humaitá, convocou o ministro do Itamaraty e o governador de Goiás, que visitava seu colega no Palácio do Buriti, e, uma vez juntos, tomaram um suco de maracujá, comentaram sobre as reformas do estádio do Maracanã e as recentes obras no Vale do Anhangabaú, riram de um antigo comentário do Barão de Itararé sobre obras públicas, e, abrindo uma agenda confeccionada em pele de jacaré, passaram, a decidir sobre o carvão de Criciúma, os suínos de Chapecó e a safra de arroz de Unaí."

Viram, falaram, beberam e escreveram em Tupi e não se aperceberam disto. O embaraço maior seria se tivessem que traduzir todas estas palavras para o chanceler francês que visitava o Brasil.

E já que é assim, por que não inserir em todas as placas de ruas, praças, avenidas, estradas, rodovias, monumentos e locais cujos nomes sejam originalmente em língua tupi, o significado em Português, o qual, via de regra, poderá ser traduzido para qualquer idioma estrangeiro?

E por que não explicar nas escolas primárias e secundárias esta fusão da língua portuguesa com a língua tupi-guarani e seus fenômenos toponímicos e gramaticais, usados no cotidiano desde a tenra idade?

Achamos esta saída ideal para um problema que tem gerado situações embaraçosas a brasileiros no Exterior, quando alguém pergunta o significado da palavra ipanema ou, dentro do seu próprio País, quando um filho ou uma filha pergunta: "...Papai, o que quer dizer 'carioca'?"

Diante do desconhecimento total por parte dos brasileiros acerca desta cultura e herança, corremos os riscos de permitir que as gerações futuras pensem que tais palavras, hábitos e costumes, fazem parte da cultura e da língua portuguesas, porém, sem significado e explicação. É o máximo!

E, caso algum especialista em educação e cultura ache que é possível viver sem esta influência lingüística, poderá começar por retirar todas as palavras em Tupi do nosso vocabulário. Inicialmente, terá que trocar o nome de dez estados e sete capitais brasileiras, cujos nomes são em Tupi. Ao depois, trocar os nomes de centenas de municípios, milhões de ruas, praças, avenidas, estradas, rodovias e localidades topográficas cujos nomes também são originários da língua tupi. E finalmente, terá que mudar milhares de nomes próprios e palavras comuns do nosso dia-a-dia, que são verbetes da língua tupi. Aí verá que a comunicação e a locomoção tornar-se-ão impossíveis.

Já que esta terra era propriedade de uma raça tão importante -- que mesmo dizimada, nos legou um tratado lingüístico e antropológico de beleza ímpar --, nada melhor do que repetir a célebre frase de Aimberê, o cacique-comandante da Confederação dos Tamoios no Rio de Janeiro: "Nhandê coive ore retama!" -- ou seja, "Esta terra é nossa!"...

Por esta razão, me considero um legítimo Tupinambá... mesmo porque, no Brasil, TODO DIA É DIA DE ÍNDIO!



*o carioca Eduardo Fonseca Jr. é jornalista e escritor, autor do livro Zumbi dos Palmares -- a História do Brasil que não foi contada e diretor da Sociedade Yorubana Teológica de Cultura Afro-brasileira



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