15 abril 2009

SABEMOS O QUE COLHER

Ao conhecer as sementes


Caminhando pelos campos do passado distante, encontrei alguém esperando por mim. Era um homem que dormia à beira de um riacho, confortavelmente deitado sobre a relva fresca, embalado pela brisa suave e pela música perfeita dos pássaros.

O homem sonhava e, no seu sonho, encontrava-se com alguém em um tempo e lugar estranhos: encontrava-se comigo. Caminhávamos sobre a areia do deserto, sob o sol escaldante.

Buscávamos água para saciar nossa sede, para banhar nossos corpos. Nenhuma brisa, nenhuma ave para mostrar-nos o caminho, somente o céu, o deserto e a areia sob nossos pés. A noite chegou, o deserto tornou-se frio e adormecemos.

Sonhei com o tempo, milhões de anos se passando, as guerras e divindades se sobrepondo, uma a uma, formando camadas, sedimentos da existência humana.

Sonhei com risos e gritos, dor e alegria, desespero e êxtase numa cadeia de horas, dias, anos e milênios, onde cada fato dava sentido ao próximo, perdendo o próprio sentido.

Despertei. A brisa beijava suavemente o meu rosto e a música perfeita da água do riacho era entrecortada pelo canto suave dos pássaros. Olhei para minhas mãos, repletas de relva e me descobri velho, tão velho quanto meu avô, quando o conheci aos quatro anos.

E assim é o nosso planeta, a casa das nossas sucessões, dos campos, dos desertos, do tempo correndo como o riacho, na dimensão que conhecemos.

Não há resposta que já não esteja escrita, código que não tenha sido decifrado, passado que já não tenha sido futuro, como uma imagem fantástica que percorre minha lembrança através de um filme, do grande cinema, do mestre Ingmar Bergman: O sétimo selo.

Após dez anos de lutas, um cavaleiro retorna das Cruzadas e encontra o país assolado pela peste negra. Mergulha em crise existencial, passando a questionar sua fé e o próprio significado da vida. A Morte surge, na figura lúgubre de um homem com o firme propósito de levá-lo, pois era chegada a sua hora. O cavaleiro quer um pouco mais de tempo e convida-a para uma partida de xadrez. Se ele ganhar fica, se perder partirá com a Morte — que naturalmente aceita o desafio, pois nunca perde.

Século XIV é a época onde transcorre a narrativa de O sétimo selo. Representa o ápice da crise do sistema feudal, através da combinação de "guerra, peste e fome" que, junto com a morte, simbolizam os "quatro cavaleiros do Apocalipse" ao final da Idade Média.

A decadência do feudalismo tem início já no século XI e resulta de problemas estruturais, quando a elevada densidade demográfica na Europa determinou a necessidade de crescimento da produção de alimentos, levando os senhores feudais a aumentarem a exploração sobre os servos, que por sua vez iniciaram uma série de revoltas e fugas, agravando a crise já existente.

As cruzadas entre os séculos XI e XIII representaram outro golpe para o sistema feudal, já que os seus objetivos mais imediatos não foram alcançados: Jerusalém não foi reconquistada pelos cristãos, o cristianismo não foi reunificado e a crise feudal não foi sequer minimizada, já que a reabertura do Mediterrâneo promoveu o Renascimento comercial e urbano — já sinalizando o "pré-capitalismo" na passagem da Idade Média para a Moderna.

“Guerra, peste e fome", marcas do século XIV, afetaram tanto o feudalismo decadente como o capitalismo nascente.

A guerra dos Cem Anos (1337-1453) entre França e Inglaterra devastou grande parte da Europa ocidental, enquanto a "peste negra" eliminou cerca de 1/3 da população européia. A destruição dos campos, assolando plantações e rebanhos, trouxe a fome e a morte.

Nesse contexto de transição do feudalismo para o capitalismo, além do desenvolvimento do comércio monetário surgiram transformações sociais, com a projeção da burguesia, políticas, resultantes da formação das monarquias nacionais, culturais com o antropocentrismo e racionalismo renascentistas, e até religiosas com a Reforma Protestante e a Contrarreforma.

“Sabemos o que colheremos quando conhecermos as sementes” é a moral da “História”. Não há resposta que já não esteja escrita, código que não tenha sido decifrado, passado que já não tenha sido futuro.

Pois não é o planeta Terra que pede socorro — somos nós, filhos desgarrados, que perdemos o caminho de casa.

Vivemos em uma eterna adolescência existencial, apesar de tanta história sob nossos travesseiros. Precisamos evoluir, adquirir responsabilidade sobre o que praticamos.

O aquecimento global é nada se comparado ao congelamento dos nossos corações.

A noção de humanidade foi corrompida pela primeira esmola que se deu, pela primeira bala perdida no tempo.

O instinto de autopreservação foi ultrajado com a primeira floresta derrubada, com a primeira queimada.

Verde que te quero matas, amarelo que te quero ouro (para todos!), branco que te quero paz, azul que te quero céu, céu que te quero mar, mar que te quero rios, Ordem que te quero nova e Progresso que te quero humano.

*o arquiteto e paisagista Laccy Silva também toca o projeto Zou Cultural no Del Paseo


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http://folhaspoeticas.blogspot.com

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