Vizinhos*
“É dom de Deus não ter vizinhança”, dizia um personagem franciscano que certa vez conheci — e houve um tempo em que eu concordava. Porque experimentei alguns vizinhos medonhos, nos três condomínios em que já morei.
Podem dizer que sou irritadiça e melindrosa, mas o mínimo que exijo de meu lar é privacidade e silêncio. Não consigo, por exemplo, ignorar um desfile matutino de salto alto, com repercussão de martelada, sobre minha cabeça.
Infelizmente — oh — há coisas muito piores! Como aquele morador (sempre no apartamento de cima) que arrastava mobília à meia-noite, ou tinha mania de jogar bila para que o cãozinho a perseguisse pela casa toda. Houve um que instalou uma banheira e trouxe como brinde várias infiltrações, propagadas pelo prédio inteiro...
Também já amarguei muito sobressalto com vizinhas histéricas, que gostam de chamar os filhos com cada grito que nem mesmo Munch suportaria!
Existem os que cozinham pratos nauseabundos com aroma poderoso; os que instalam karaokê aos fins de semana; os que têm mania de pintar as paredes mensalmente, com tinta intoxicante.
E os mais perigosos: os que não cumprimentam no elevador (são os mesmos que monopolizam o elevador, ou o empestam com colônia adocicada, ou arrancam os botões do painel para completar alguma secreta coleção).
Há os que praticam arremesso de embalagem pela janela, todas as manhãs. Imagino que fiquem bem satisfeitos ao encontrar, no pátio, o próprio lixo. Devem conferir os potinhos de iogurte e as caixas de suco com idêntico prazer ao de um bicho farejando a urina com que demarcou o território...
E há os sonâmbulos, que de madrugada assombram os corredores e buscam a vertigem das varandas. Os apressados, que cruzam a garagem com desespero e fúria. Os gatunos curiosos, que furtam extratos bancários da caixa postal.
Os adolescentes mudos, que fazem planos pirotécnicos, ou as crianças ociosas, que meditam travessuras... Conheci cada um desses tipos temíveis, mas por sorte também encontrei pessoas discretas e amáveis.
Na minha atual vizinhança, existem fisionomias gentilmente familiares. De todos os que poderia citar, elejo um simpático senhor, que certo dia confessou gostar de minhas crônicas.
Os adolescentes mudos, que fazem planos pirotécnicos, ou as crianças ociosas, que meditam travessuras... Conheci cada um desses tipos temíveis, mas por sorte também encontrei pessoas discretas e amáveis.
Na minha atual vizinhança, existem fisionomias gentilmente familiares. De todos os que poderia citar, elejo um simpático senhor, que certo dia confessou gostar de minhas crônicas.
Em viagens rápidas ao terceiro e sétimo andar, já compartilhamos o encanto pelos textos de Mia Couto e trocamos ideias sobre a multiplicação dos livros — milagre lento que um dia nos tomará todo o espaço de habitação.
Pois a ele, o tal Vizinho Exemplar, dedico as palavras de hoje. Afinal, dom de Deus — cada vez mais raro — é conseguir uma morada tranquila.
*Tércia Montenegro é escritora, fotógrafa e professora da UFC-Universidade Federal do Ceará
(imagem: apartmenttherapy.com)
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