18 maio 2006

PRISÃO PREVENTIVA

Um mal necessário?

Partindo do Direito Processual Penal, vamos tratar do instituto da Prisão Preventiva — que recebe, aliás, inúmeras críticas dos juristas brasileiros com relação à forma como vem sendo utilizado em nosso País, bem como no que tange à sua constitucionalidade. Historicamente, a evolução da sociedade viu surgirem atuações ilícitas que prejudicavam as pessoas, e para protegê-las houve a necessidade de um controle, exercido através de regras seguidas por sanções. Ao Estado foi dada a incumbência de aplicar estas regras, objetivando assim a segurança da sociedade e a tranqüilidade social.

A partir do momento em que a lei é violada pela atuação negativa de uma ou de algumas pessoas, o Estado tem a função de punir os responsáveis por essa violação, restituindo a paz à sociedade. Com o passar do tempo e o aumento da gravidade dos atos ilícitos, observaram-se graves conseqüências sociais. O Estado viu-se obrigado a retirar do convívio social as pessoas que causavam mal-estar à sociedade — através das prisões. Encontramos já em um passado muito remoto indícios da existência de prisões, muitas vezes com outros nomes (tais como “cárceres”). Objetivamente, até hoje a paz social é buscada pelo Estado, porém, este nunca conseguiu realmente efetivá-la, mesmo aplicando as medidas restritivas da liberdade humana.

No presente, há duas espécies de prisões: a prisão penal e a prisão sem pena. Nesta última, uma de suas subespécies — denominada prisão provisória ou cautelar — é aplicada antes da condenação irrecorrível do acusado. As prisões podem ser classificadas em: prisão em flagrante delito, prisão preventiva, prisão temporária, prisão decorrente de decisão de pronúncia e prisão decorrente de sentença penal condenatória passível de recurso. Portanto, a prisão preventiva é uma subespécie de prisão cautelar.

Eduardo Espínola Filho (Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, vol. 3, Bookseller, 2000, p.363) define precisamente a prisão cautelar: “É a prisão determinada antes do julgamento como medida garantidora da permanência do indiciado à disposição da justiça, contribuindo, consideravelmente, para que ao processo possa assegurar-se marcha normal, perfeita e rápida”, tendo como finalidade, portanto, a proteção da ordem pública e a garantia da aplicação da lei penal. Porém, mesmo com a observação destas finalidades, a prisão cautelar só se justificará antes do julgamento ou da sentença irrecorrível quando o indivíduo for encontrado na flagrância de crime ou contravenção, ou se a prisão for determinada, por escrito, por autoridade competente — isto é, o juiz ou tribunal a que for afeto o processo contra o indiciado (quer já esteja em curso a ação penal, quer para isso seja remetido o inquérito, prevenindo a competência).

A prisão preventiva vem inserida entre os artigos 311 a 316 do Código de Processo Penal e é uma medida fundamentada por despacho judicial, que pode ser intentada em qualquer fase do inquérito policial ou da ação penal, antes de transitar em julgado a sentença penal condenatória, podendo ser decretada de ofício pelo Juiz ou a pedido do Ministério Público, do querelante ou por representação da autoridade policial. A sua finalidade é impedir que ocorram novos crimes por parte do indiciado ou acusado, garantindo assim a ordem pública, evitando-se violação ou grave ameaça à economia. Ou seja, garantindo a ordem econômica e mantendo estável e regular a produção de provas, com a conveniência da instrução criminal e, finalmente, efetivando a aplicação da lei penal. A prisão preventiva não é definitiva, devendo o encarceramento durar somente o curso do processo e até a decisão final, pois, havendo a condenação, e sendo esta definitiva, não fala mais em prisão, e sim, em reclusão ou detenção como pena privativa de liberdade. A prisão preventiva também pode ser, a qualquer tempo, revogada pelo juiz (desde que haja justificativa para isso).

Seguimos neste post o mestre Júlio Fabrini Mirabette (Processo Penal, Atlas, 2001, p. 384), quando o mesmo denota que “a prisão preventiva é um ato de coação processual, e, portanto, medida extremada de exceção, que só se justifica em situações específicas, em casos especiais onde a segregação preventiva, embora um mal, seja indispensável”. Os pressupostos para a admissibilidade da prisão preventiva vêm contidos no artigo 312 do CPP, onde se lê “quando houver prova da existência do crime e indícios suficientes da autoria”, e portanto, percebe-se que o primeiro pressuposto se refere à materialidade do crime, devendo haver prova da existência do fato criminoso — que pode ser, por exemplo, laudos de exame de corpo de delito, documentos, provas testemunhais e outros. Mas é necessária a “prova” da existência do crime, não bastando meros indícios para a decretação da prisão preventiva do acusado.

O segundo pressuposto para a decretação da prisão preventiva é contrário ao primeiro, pois agora a lei atém-se a meros indícios da autoria, não necessitando assim de uma certeza plena, contentando-se com elementos probatórios menos robustos do que os necessários para o primeiro pressuposto. Neste segundo requisito, o legislador confiou no prudente arbítrio do magistrado, não definindo regras gerais ou padrões para a decretação desta forma de prisão. Também pode o juiz decretar novamente, ou redecretar, a prisão preventiva quando achar necessário, observando todos os pressupostos, fundamentos e condições de admissibilidade desta, a qualquer momento do processo ou do inquérito policial.

Sobre a constitucionalidade da prisão preventiva, cremos ser a liberdade um dos direitos fundamentais do homem, consagrada em nossa Constituição Federal e pela Declaração Universal de Direitos Humanos. Tentando preservá-la, o legislador constitucional limitou a atuação dos órgãos detentores do poder público. Por isso lemos no artigo 5.º, inciso LVII da CF: “Ninguém será considerado culpado até trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Este inciso diz respeito ao Princípio da Presunção de Inocência, ou seja, enquanto não transitar em julgado a sentença penal condenatória, tornando-se a mesma irrecorrível, o acusado deve ser tido como inocente da prática do crime a ele imputado.

Alguns autores, como Fernando Capez (Curso de Processo Penal, Saraiva, 1999, p. 226), Mirabette (supracitado) e Luiz Flávio Gomes (Reformas Penais (IX): Liberdade provisória – acesse em http://www.mundojuridico.adv.br/html/artigos/documentos/texto209.htm), entendem que a prisão preventiva, assim como as demais prisões provisórias, devem ser aceitas como necessárias. Todavia, nem por isso deixam de ser injustas. O próprio Superior Tribunal de Justiça estabeleceu (em sua Súmula 09) que “a exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência”: “A Constituição reservou ao legislador ordinário a tarefa de definir o cabimento, forma e exigência da liberdade provisória ...”(RT, 687/279).

Mesmo antes da promulgação da Carta de 88, qualquer estudante de Direito mais aplicado sempre teve obrigação de saber que a prisão preventiva, por sua própria natureza e destinação, é providência excepcionalíssima, a ser empregada somente em casos em que o interesse público supere de muito a impostergável exigência de manutenção da liberdade, indicando a necessidade de encarceramento antes de decisão condenatória com trânsito em julgado. Não por acaso, a prisão preventiva é conhecida no jargão jurídico como “medida vexatória” (como aponta Félix Valois Coelho, em Prisão Preventiva Obrigatória: crueldade ou tolice?, publicado no Boletim IBCCrim de jan/2001 – acesse em http://www.internext.com.br/valois/artfvcj2.htm).

Luiz Flávio Gomes (Penas e Medidas Alternativas à Prisão, Editora Revista dos Tribunais, 2000, p.72) também acrescenta: “Ninguém contesta que o acusado (ou mesmo indiciado) pode ser preso no curso do processo (ou da investigação) e que essa prisão não viola a presunção de inocência, porém, desde que presentes motivos concretos justificadores do encarceramento ante tempus, cabendo ao juiz demonstrá-los em sua decisão”. Portanto, a prisão preventiva, como as demais prisões cautelares, de forma alguma colide com os princípios da presunção da inocência ou da liberdade da pessoa humana, desde que seja decretada com base na garantia da ordem pública, da ordem econômica, na conveniência da instrução criminal e no asseguramento da aplicação da lei penal, e que possua natureza cautelar, processual, instrumental e provisória, tudo somado à prova da existência do crime e indícios suficientes da autoria.

Os adversários desta forma de prisão cautelar respaldam-se no abuso de poder com que é decretada, deixando de lado as críticas ao uso da mesma, isto porque ainda existem magistrados que, esquecidos de sua função, decretam a prisão preventiva por meras suspeitas, quando não por simples capricho. Portanto, acreditamos que o erro — o inconveniente — está no ser humano, nas atitudes deste e não no instituto da prisão preventiva.

A seguir, alguns inconvenientes causados pela decretação da prisão preventiva que justificam o seu uso minimizado, somente em casos excepcionais, como salienta a majoritária corrente doutrinária:
  • Cerceamento de Liberdade: consiste não na violação de um direito, mas no estreitamento deste, pois priva licitamente o cidadão de sua liberdade;
  • Mácula: o réu preso preventivamente que obtém uma sentença absolutória pode até mesmo adquirir maus hábitos em virtude do que viveu e presenciou dentro do cárcere;
  • Desonra: quando há a decretação da prisão preventiva de um cidadão, mesmo que seja julgado inocente, quando posto em liberdade a sociedade o discrimina, não há como deixar a prisão sem uma mancha de desonra;
  • Inconveniente Financeiro: sob o aspecto econômico, a decretação da prisão provisória impede que o réu produza o que iria produzir se estivesse solto, sendo este um dos males mais caros ao Estado;
  • Problema Carcerário: como é notório em nosso País, o problema carcerário assola tanto cadeias públicas quanto penitenciárias. Há muito mais presos do que instituições para recolhê-los, e por isso as pessoas presas provisoriamente — que deveriam ficar separadas dos presos condenados de forma definitiva (art. 300 do CPP) — são presas conjuntamente, o que acarreta inúmeros males ao réu que seja, futuramente, considerado inocente.

    Hélio Tornaghi (Curso de Processo Penal, Saraiva, 1995, p. 9) acrescenta, sobre estes inconvenientes, que “a verdade, a verdade verdadeira e insofismável, é que o povo liga a prisão a um caráter ultrajante. E o preso sai dela difamado. Pode não perder a estima, a consideração dos homens esclarecidos quanto à natureza do encarceramento provisório, sabedores do resultado do processo e da honradez do liberado. Mas no espírito de muitos, menos informados a respeito de tanta cousa, não deixa de permanecer a dúvida, muito razoável”.

    Por fim, não há como negar que a prisão preventiva é, em alguns casos, um mal; porém, um mal necessário, cuja finalidade é evitar outro muito maior. Isto posto, cremos, talvez até utopicamente, que o ideal seria apenas privar da liberdade um indivíduo após a sentença penal condenatória transitada em julgado. Mas, infelizmente, para que haja o bom andamento processual, e também para que salvaguarde-se a sociedade, muitas vezes é necessária a decretação da prisão preventiva como providência para proteger o bem comum.

CONTATE
A colunista e advogada Karina Melissa Cabral é membro da Comissão da Mulher Advogada da OAB (Osvaldo Cruz/SP) e autora do livro Direito da Mulher: de acordo com o Novo Código Civil
kmelcab@hotmail.com