27 outubro 2007

INSCRIÇÕES ABERTAS

O empresário



Quando garoto em Bauru/SP, eu ia com meus pais aos eventos sociais e sempre admirava os amigos deles. Um era médico. O outro advogado. Outro era juiz. Tinha o professor, o industrial e o engenheiro. Mas tinha uma categoria que me deixava curioso: o empresário.

O termo “empresário”, para mim, sempre teve uma conotação positiva. Nunca foi substantivo, sempre foi adjetivo. Dava a entender que a pessoa era séria, tinha responsabilidades, fazia acontecer. Eu nunca entendi o que seria exatamente um empresário, mas em minha cabeça de garoto a definição acabou sendo simples: "— Ele tem uma firma".

Uma firma! Então empresário era o "dono da firma". E assim cresci, sonhando em um dia ser um empresário, ter a minha firma. A vida acabou me levando para outros caminhos e construí minha carreira como executivo de uma multinacional. Não virei empresário, mas tenho vários amigos que o são. A definição de empresário é: "Indivíduo que estabelece seu próprio negócio, assumindo os riscos e tendo como objetivo a obtenção de lucros".

No Código Civil, encontramos a definição no Artigo 966: "Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços." Portanto, a princípio qualquer um pode ser empresário. O negócio pode ser uma lanchonete. Uma casa de tolerância. Um templo. Uma lavanderia. Um serviço de acompanhantes. Uma boca de fumo. Qualquer negócio dá ao dono o rótulo de "empresário".

Outro dia encontrei um dos meus amigos empresários, o Raul, em plena crise existencial. O Raul enchia a boca dizendo que fazia parte de uma das categorias responsáveis por levar o Brasil pra frente, criando empregos, pagando impostos, movimentando a economia. E isso o enchia de orgulho. Quando chegava aos hotéis, preenchia a ficha de entrada com capricho, escrevendo "empresário" com letras maiúsculas. Mas um dia o Raul começou a prestar atenção às notícias.

Viu o Fred Godoy, aquele secretário do Lula. É empresário. O Silvinho “Land Rover”. Empresário. O Marcos Valério, empresário. Renan Calheiros, em sua versão vaqueira, é empresário. O Lulinha é empresário. O Oscar Maroni Filho, dono do Bahamas, é empresário. Uns pastores aí são empresários.E, pra piorar, um curioso movimento começou a incomodá-lo.

Os empresários verdadeiros começaram a ser considerados exploradores, sonegadores, aproveitadores. E o xingamento supremo chegou: "elite". No Brasil de hoje, ou “nestepaíz”, ser empresário é quase-crime. Principalmente se o sujeito é um empresário bem-sucedido. Lucro é sinônimo de butim... Pronto. O Raul entrou em crise. Passou a ter vergonha de ser identificado como empresário.

Está inconformado. Não quer mais ser empresário. Seu sucesso agora é uma mancha. Sua categoria virou rótulo de bandido. Sente-se persona non grata. Não quer ser colocado no mesmo saco daqueles outros “empresários”. Está sofrendo uma crise de identidade. E me disse, tristonho: — Pô, devia ter vestibular pra empresário.

Pois para ajudá-lo, lançarei a “EmpreZONA”, uma certificação para classificar empresários. A EmpreZONA terá quatro categorias:
1) O empresário-de-ouro, para os que cumprem suas obrigações, causam impacto positivo na sociedade e têm consciência da influência que exercem sobre a comunidade onde atuam;
2) O empresário-de-prata, para os que cumprem as obrigações e têm bom desempenho, dentro do esperado;
3) O empresário-de-bronze para os que estão organizados e empenhados em contribuir, mas apenas começando. E por fim...
4) Os empresários-de-merda. Não precisa explicar, né?

Para concorrer às três primeiras categorias, mande-me um e-mail candidatando-se. Mas para concorrer à quarta categoria tem que pegar senha. A procura será grande...


*Luciano Pires é um profissional de Comunicação: jornalista, escritor, palestrante e cartunista
luciano@lucianopires.com.br

VEJA MAIS
http://www.lucianopires.com.br/

LIDERANÇA DE EMPRESAS EXTRAORDINÁRIAS (3)

Lembrando Canudos


O objetivo desta série de artigos é responder a duas perguntas: o que é uma "empresa extraordinária" e se o Brasil tem lideranças habilitadas a conduzir esta vitoriosa organização. Desta vez, abordarei alguns fundamentos de sua construção. Indiscutivelmente, um dos primeiros tijolos (o mais importante) na arquitetura deste tipo de empresa é dispor de uma elite de liderança e gestão. Empresa ou grupo empresarial possuidor de um quadro diretivo de altíssima categoria não quebra, a não ser por surpresas totalmente imprevisíveis.

Com um comando competente, tem a possibiçlidade de continuar e até se perpetuar na sociedade e no mercado. O conceito de elite de gestão nada tem a ver, porém, com o nível social, econômico, acadêmico ou de titulação — e sim com o talento de personalidades do gestor.

Ampliando este conceito, feliz a nação possuidora de uma governança corporativa integrada por indivíduos possuidores de características pesoais notáveis, apresentando uma elevada performance. Infelizmente, a governança corporativa no Brasil, com exceção, está se transformando num ajuntamento de amigos, cupinchas, curriola, recrutados em função dos laços de amizade, de experiências passadas, quando um dos fatores prioritários é a independência destes homens e a sua profunda formação intelectual, cultural, ética e de sabedoria de vida, enfim, que sejam verdadeiros estadistas na liderança do empreendimento.

Para reforçar as distorções das governanças corporativas, inexistem no Brasil centros de excelência formando e desenvolvendo esse imprescindível segmento de condução do negócio, enquanto pontificam uns cursinhos superficiais caça-níqueis. O País revela ainda um baixíssimo nível de escolaridade. Idem de leitura, como demonstraram pesquisas relatadas na 19.ª Bienal Internacional do Livro realizada em São Paulo/SP: raros brasileiros lendo mais de dois livros/ano, enquanto em Paris a média de leitura anual é de 15 a 20 livros.

Ademais, é ínfima a atividade cultural, quase toda concentrada no eixo RJ-SP. E, quanto às experiências dos conselheiros, predominam as do cotidiano das organizações, mesmo porque o brasileiro tem resistências em circular pelo mundo, internalizando vivências de vida. Talvez até por condicionantes geográficos, tem uma vocação de se voltar para dentro de si mesmo, enterrado nas fronteiras nacionais.

Esses indicadores negativos se refletem prejudicialmente nas empresas, daí a precariedade das governanças corporativas, que vão beirando o fracasso total, mesmo sendo estas um dos pilares importantíssimos na edificação e, principalmente, na liderança das empresas extraordinárias.

Outros ingredientes deste tipo de organização são doutrina e estratégia. A doutrina compõe um conjunto de crenças, valores e ideologias sedimentadas ao longo dos anos que, proporcionando à organização uma orientação ideológica institucionalizada, dá ao empreendimento uma personalidade adulta e permite ao negócio andar com os próprios pés.

Uma empresa sem doutrina tem vida curta e se conduz de forma desorientada, ao sabor das circunstâncias. No Brasil, essa doutrina repousa pobremente na cabeça dos acionistas, dos donos do poder, tornando-se algo personalista. Diferentemente do que ocorre, por exemplo, no âmbito da Igreja Católica, dotada de uma doutrina responsável pela sua trajetória de milhares de anos na Terra, apesar de determinadas falhas de gestão.

A empresa, ao usufruir de uma doutrina, chega ao ponto de dispensar os gestores tradicionais concentrados nas coisinhas, controlando a força de trabalho para executar tarefas e atribuições. A doutrina, por sua vez, gera uma cultura, ambas contribuindo para a organização ter uma personalidade mais definida.

Quando isso ocorre, o empreendimento torna-se mais sólido. A Al-Qaeda, organização terrorista liderada por Bin Laden, espalha-se por vários países e funciona normalmente e com eficácia sem necessitar de ser cutucada pelos dirigentes.

A estratégia (não confundir com os obsoletos planejamentos estratégicos) são caminhos inteligentes formulados pela cúpula da organização, visando objetivos de longo prazo. No Brasil, predominam as reuniões de fim de ano, cuidando do orçamento, do dinheiro disponível no caixa para a empresa operar no ano seguinte. Não é inerente à cultura nacional a postura estratégica.

Nem o Ministério do Planejamento apresenta uma proposta estratégica para o Brasil sequer a médio prazo, isto dito a mim por um ex-ministro. A estratégia aqui ressaltada seria como na China, onde o falecido Deng Xiaoping, genial arquiteto do progresso chinês, costurou metas ambiciosas de 100 anos à frente. Em torno desta arquitetura futura, antes de morrer o líder Deng conseguiu mobilizar a sociedade chinesa na busca de construir sua invejável caminhada, definindo habilmente o destino daquele país.

Como o Brasil não cultiva o hábito de se direcionar sob uma roupagem estratégica, uma das resultantes desta distorção é o parque empresarial ser tocado ao sabor das instabilidades, tornando-se passivo de ser punido pela História e pelas circunstâncias, evidenciando a carência local de um projeto de futuro.

A estrutura organizacional é outro degrau na construção de empresas extraordinárias, como meio de implantar a arquitetura estratégica. No entanto, não se pode confundi-la com os ridículos e folclóricos organogramas.

A estrutura por mim sonhada lembra a de Canudos. Um grupo de pessoas motivadas, sob a liderança talentosa de Antonio Conselheiro, enfrentou quatro vezes gloriosamente o treinado Exército por meio de uma estrutura ancorada em valores compartilhados dos conselheiristas, gente humilde e analfabeta mas imbuídos da defesa de uma causa maior. A estrutura brotou da cultura, do contexto onde eles existiam e sintonizada com a época e com os desideratos estratégicos do mencionado movimento.

Outro exemplo é o Sendero Luminoso, movimento terrorista peruano. Seu fundador, Abimael Guzmán, brilhante professor de Filosofia da secular Universidad Nacional Mayor de San Marcos, ao ser preso pela polícia do então presidente Alberto Fujimori, disse: "Vocês estão me prendendo, mas não conseguem trancafiar a causa do nosso movimento".

Outra ilustração de estruturas organizacionais eficazes são as escolas de samba, responsáveis pelo maior evento diversional do mundo, o Carnaval. Não é do meu conhecimento que essas escolas tenham organogramas, muito menos os inúteis departamentos de Recursos Humanos ou gerências de Treinamento.

As escolas de samba, espontaneamante, treinam o ano todo, diariamente, e vão ao asfalto no período momino sem chefias martelando os sambistas e, mesmo assim, dão um show de desempenho superior a muitas empresas multinacionais.

Enquanto isso, é usual a existência de milhares de empresas escoradas em pomposos organogramas, em áreas custosas de departamentos de RH, palco de muitos treinamentos em variados atributos ultrapassados das escolas clássicas de Administração. São fracassadas e no mínimo exibem condutas sofríveis.


*O Dr. Cleber Pinheiro de Aquino é professor da USP-Universidade de São Paulo, consultor de alta gestão e coordenador dos 6 volumes de História empresarial vivida – Depoimentos de empresários brasileiros bem-sucedidos (Editora Gazeta Mercantil, 1986)
VÁ ALÉM

REFLEXÕES LÍQUIDAS

Nem tão metafísicas



Na minha aldeia tem um rio, que se chama Pacoti. Rio que me chama, com seu corpo de águas, a gerar os frutos do mar. A ser útero, que tece a vida para nutrir os filhos da Terra com seus peixes, ostras, caranguejos, siris... brotados do seu mangue.

O rio me ensina a compaixão pelos homens, para os quais, mesmo maculando o seu viver, ele continua a doar o que ainda lhe ocorre de dádivas, até à exaustão do seu poder de fazer-se alimento e hóstia para saciar-lhes a fome (as fomes, já que o rio também alimenta a alma com sua beleza, mistério e encanto de um ser urdido da trama das águas e das algas), a aliviar a secura do mundo, a aliviar a sede do meu ser que busca mistérios para construir sua trajetória no caminho das artes, a cumprir um chamado — em mim tão profundo e amplo como o rio na Terra faz sua morada.

Diante do rio tenho um sentir, que o recebe em mim e me faz reconhecer um vínculo que existe entre nós: dois seres cósmicos que se buscam, se conectam e se nutrem... E estamos energeticamente unidos desde sempre e para sempre (somos filhos do mesmo plasma).

O que disso capto, com minha sensitividade, não pode ficar silencioso em mim. Mesmo que, em silêncio, tenha sido gerado, deve nascer para o mundo e a ele ser revelado, pois lhe pertence, como ao rio os peixes, o mangue... a vida.

Certa tarde, a contemplar o rio, refleti (senti): qual seria a minha função enquanto artista, diante de toda essa complexidade cósmica?...

Frente a toda essa grandeza, sentido algum teria o(a) artista existir apenas para criar arte do substrato do seu próprio umbigo, desvinculado(a) do Todo e sem compromisso algum com a evolução do planeta. Uma arte que seria então medíocre, aliciadora de vaidades rasteiras, que não atingiria níveis mais amplos da teia cósmica da qual fazemos parte.

"Seria o(a) artista um filósofo da vida?", pensei. "Não só", concluí. O(A) artista vai além disso, pois pensa, repensa, pressente, sente, ressente, recria e transfigura o mundo e os seres, com a sua criação artística. O(A) artista é antena que capta o sentir do mundo e o codifica, como assim fazem os médiuns, em sua vocação de sondar e escutar os espíritos dos homens desencarnados, sendo para eles um canal de comunicação.
O(A) artista sonda e perscruta não só o espírito dos homens (desencarnados ou não), mas sim o de todos os seres do mundo (dos mundos): perscruta o espírito e a carne do rio, do mangue, dos peixes, das ostras, o espírito e a carne da Terra (hoje em tempos apocalípticos) a sentir dores de parto para (desejamos) parir-se, renovada.

Nós, artistas, devemos nos abrir para que seja revelada em nós a verdadeira e real função norteadora da nossa vocação de xamãs, magos, bruxos, alquimistas catalisadores dos mundos, pois é isso que somos.

E por isso, devemos lapidar nossos corpos (instrumentos-canais) para captarmos o substrato plasmador da Arte. E, desta forma, ampliar nosso alcance, para podermos sair do nosso restrito mundinho egóico e alcançarmos dimensões mais amplas, capazes de nos fazer comungar com o Todo. E perscrutar não só o corpo, nem só o espírito, mas corpo e espírito fundidos. Atingindo, assim, energias cada vez mais elevadas, portentosas e cósmicas, capazes de trazer à Terra a música dos anjos, o léxico dos deuses e espalhar, aqui, a boa-nova que nos venha esclarecer que somos todos um só corpo e um só espírito.

Corpo-Espírito que ora se transforma, transmutando feridas-dores, para alcançar a cura e se transportar para um novo tempo, onde o rio não mais seja maculado pelos homens e sim respeitado, como um ser cósmico que equilibra, alimenta e salva todo o planeta — e, também por isso, não deve ser atingido por nada que viole a integridade de sua vida.
Onde a vida de um filhote de gatinho pé-duro e a de um filhote de homem-pobre não seja menos respeitada, cuidada e protegida do que a vida de um filhote de homem rico.
Um novo tempo, onde já seja realidade a boa-nova de uma Terra onde não haverá mais ricos nem pobres, pois a energia da abundância já será manipulada por todos... A boa-nova, que (nos) diz termos o direito de sermos alegres e felizes, e que a alegria de cada ser, somada uma a uma, gera a alegria do mundo e irradia a grandeza do divino que em nós habita e pulsa.
A boa-nova, que nos vem libertar de limitações e culpas, impostas por crenças erradas em um deus cruel que nos castiga, quando na verdade cada um de nós é co-criador com Ele. Então, criamos cada realidade do que somos e de tudo o que nos rodeia.

Assim sendo, temos o poder de criar toda a boa ou má ventura, conforme a escolhemos. Esta escolha está em nossas mãos...


*Fabiana Rocha Guimarães é poetisa e vive à beira-rio: Pacoti é o seu nome