01 janeiro 2009

CABEÇA FEITA

No meio do caminho...



Brasileiro adora crise. Se não está no meio de uma, está especulando quando chegará a próxima. Que por sinal, será a definitiva, a maior de todas, o Juízo Final.

Perguntado sobre como vejo a crise, contei mais uma das muitas histórias da minha viagem ao Campo-Base do Everest, que tantas lições me trouxe. Quando viajei para lá em 2001, tive a precaução de marcar a viagem com um ano de antecedência, assim teria tempo de sobra para me preparar.

Todos diziam que a viagem ao Everest era "90% cabeça" e que, se eu me preparasse para enfrentar os desconfortos psicológicos, teria grandes chances de ser bem-sucedido. Assim, passei um ano fazendo minha cabeça.

Ao finalmente embarcar para o Nepal, eu estava mentalmente preparado para enfrentar uma avalanche de neve ou cair numa fenda sem fundo no gelo. Para tomar um tombo de 3 mil metros ou enfrentar os guerrilheiros maoístas. Para encarar uma comida que destrói os delicados estômagos ocidentais...

Pois sabe o que aconteceu? Nenhum dos problemas que ocuparam minha mente durante aqueles 12 meses aconteceu! Tinha avalanche? Claro que sim. Mas não iríamos até as áreas de risco. Tinha fendas no gelo? Sim. Mas não chegaríamos até o local onde elas estavam. Era perigoso cair da montanha? Claro! Mas a trilha era cuidadosamente escolhida para minimizar os riscos.

Os guerrilheiros maoístas estavam lá? Sim. Mas não na região por onde seguiríamos... Sabe qual foi o grande problema que quase acabou com minha viagem? Os toaletes do Everest.

Não sei como é com você, mas eu trato a ida ao banheiro como um momento quase espiritual, de reflexão, relaxamento e contemplação. Quero conforto, iluminação, música e ventilação.

Mas aqueles toaletes do Everest — pequenas casinhas de pedra, com um buraco no chão, sem ventilação, sujas e desconfortáveis — eram um inferno! Dava vontade de ir ao banheiro, mas quando entrava neles, não tinha jeito: a vontade passava...

Os toaletes do Everest foram o maior e pior problema. E deram-me uma lição valiosa.

Naqueles 12 meses em que fiz a cabeça para os grandes problemas, não dediquei um segundo sequer a pensar nos toaletes. Afinal, tinha tanto problema imenso, que “ir ao banheiro” parecia coisa banal...

Quando voltei, contei essa história para um amigo budista, que disse: "Luciano, ninguém tropeça em montanhas. A gente tropeça em pedregulhos..." E então eu respondo como vejo a crise: do jeito que aprendi a ver minha viagem...

O petróleo subiu, é? O petróleo caiu? O banco quebrou? Os juros subiram? Cada um desses grandes acontecimentos está aí, como uma avalanche ou a fenda no gelo ou os guerrilheiros maoístas. Mas temos que continuar a caminhar, não podemos simplesmente voltar para casa, não é?

E daí? O que é que eu posso fazer a respeito? Primeiro, tenho que conhecer a trilha. Entender o contexto, as áreas de risco e os problemas que podem acontecer. Depois, tenho que montar meu plano.

Se tem avalanche aqui, vamos por ali. E, por fim, botar na cabeça que, para vencer a trilha, a gente tem que andar sempre, um passinho de cada vez, pequeno, constante, sistemático. Parar não é solução. A gente congela...

Enquanto estamos preocupados com os grandes problemas sobre os quais temos nenhuma influência, a vida está correndo. As oportunidades passando. Enquanto estamos de olho nas montanhas, são os pedregulhos espalhados pelo caminho que vão ameaçar a caminhada.

Contemple as montanhas. Mas tome cuidado com os pedregulhos.


*O jornalista Luciano Pires milita ativamente no combate à mentalidade pocotó que assola o País — e o mundo (na inspiradora imagem, o Cerro Tronador, divisa com o Chile situada na zona Sul do Parque Nacional Nahuel Huapi, na Patagonia argentina, com cerca de 3.554 metros de altura)

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