Intimidade íntima* Nos últimos meses, tenho debatido com meus alunos e amigos uma ideia que tem me chamado a atenção: o fato de as mulheres reclamarem de que não conseguem ter intimidade com os respectivos maridos ou namorados.
No entanto, quando pergunto o mesmo para os homens, eles acham que têm, sim, intimidade com suas parceiras — com quem compartilham momentos que consideram muito íntimos, como fazer sexo, beijar, carinhos, ficar nu.
Para eles, a intimidade é da ordem do corporal, do toque, da visão. É uma intimidade sexual. É uma intimidade física.
Elas reagem: esta não é a verdadeira intimidade, não é uma intimidade íntima. Intimidade, para elas, é um tipo muito particular de estar juntos, de conversar, de escutar, de compartilhar o silêncio, um nível mais profundo de comunicação psicológica. É uma intimidade emocional.
Para eles, a intimidade tem gradações, níveis, escalas. Eles podem ter mais ou menos intimidade, pouca ou muita intimidade, falar de um problema com alguns familiares e de outro com amigos.
Eles hierarquizam e medem a intimidade que têm com as pessoas, e classificam com quem podem (ou não) falar sobre mulheres, trabalho, futebol, política etc. É uma intimidade repartida, partida.
Para alguns homens, a intimidade é da ordem do segredo, do que pode ser dito apenas para aqueles em quem confiam (pais, irmãos, esposa, namorada, amigos) ou do que não pode ser dito para ninguém: "É algo só meu, do meu interesse".
Muitos disseram que só têm intimidade total consigo mesmos: que existem coisas que só podem e devem ser ditas para si próprios. Coisas que não interessam a mais ninguém, que devem ser guardadas, reservadas, protegidas.
Alguns homens me disseram que, quando estão com problemas no trabalho ou com a mulher, desabafam com o amigo, que diz: "Vamos beber". Consideram que, assim, conseguem esquecer o problema — o qual, efetiva e eventualmente, passa.
Já as mulheres, ruminam, por muito tempo, os seus problemas. Repetem exaustivamente a arquitetura dos mesmos conflitos, sem buscarem uma solução. Nenhuma me disse que adota a tática do "Vai passar! Vamos beber e esquecer!"...
Pois é, os homens querem esquecer, e as mulheres relembram incessantemente. Eles querem resolver o problema, de preferência muito rapidamente. Elas querem refletir sobre o problema, sem necessariamente resolvê-lo.
Os familiares e amigos íntimos são fundamentais para reforçar tanto a postura de resolver como a de refletir sobre os problemas. Os homens têm uma visão prática da intimidade. É uma intimidade objetiva. Já as mulheres têm uma percepção reflexiva da intimidade. É uma intimidade subjetiva.
Para as mulheres, a intimidade parece estar relacionada a uma forma específica de conversar, não ao seu conteúdo. É uma intimidade sem gradação, nível, escala. Ou se tem, ou não se tem intimidade. É uma intimidade única.
É um jeito de falar sobre si, e de ser escutada pelo Outro. Sem interferências, sem medo de ser julgada, de ser rejeitada, criticada, ironizada. É um tipo de conversa especial, de entrega singular, de quem fala e de quem escuta.
É uma conversa em que existe aceitação, respeito, troca, apoio. Em que os dois podem ser vulneráveis e revelar suas fragilidades e medos. Pode ser uma intimidade silenciosa.
O importante é que não exista ruptura, ruído, atrito, neste tipo de encontro. Uma intimidade singular, especial, a dois. Que não necessita de um tópico especial ou de um segredo.
É um jeito muito particular e valorizado de falar e, principalmente, de ser escutado(a). O Outro deve ser maleável, flexível, adaptável, para saber como ser passivo, e simplesmente escutar sem interferir, ou, quando necessário, ser ativo e dar algum tipo de resposta.
Um nível profundo e psicológico de comunicação e de reciprocidade. É a intimidade íntima. Coisa que — elas dizem —, os homens são incapazes de compreender.
É possível perceber que as mulheres falam de si mesmas como se fossem superiores aos homens, neste domínio tão valorizado por elas e tão pouco elaborado na vida deles. Elas se consideram mais sensíveis, maduras e profundas do que eles, que são vistos como mais carnais, físicos, sexuais.
A intimidade íntima parece ser um privilégio e, também, um poder feminino. O que mostra que as mulheres podem exercer dominação exatamente nos domínios em que constroem e hierarquizam diferenças de gênero. Domínio em que os homens são esmagados pela superioridade feminina.
É interessante pensar que esta onipresença da ideia de intimidade nas minhas pesquisas pode ser parte de um discurso de dominação, que legitima o poder feminino em tudo o que se relaciona ao mundo privado, ao mundo das emoções, dos sentimentos e das relações entre os gêneros.
No entanto, quando pergunto o mesmo para os homens, eles acham que têm, sim, intimidade com suas parceiras — com quem compartilham momentos que consideram muito íntimos, como fazer sexo, beijar, carinhos, ficar nu.
Para eles, a intimidade é da ordem do corporal, do toque, da visão. É uma intimidade sexual. É uma intimidade física.
Elas reagem: esta não é a verdadeira intimidade, não é uma intimidade íntima. Intimidade, para elas, é um tipo muito particular de estar juntos, de conversar, de escutar, de compartilhar o silêncio, um nível mais profundo de comunicação psicológica. É uma intimidade emocional.
Para eles, a intimidade tem gradações, níveis, escalas. Eles podem ter mais ou menos intimidade, pouca ou muita intimidade, falar de um problema com alguns familiares e de outro com amigos.
Eles hierarquizam e medem a intimidade que têm com as pessoas, e classificam com quem podem (ou não) falar sobre mulheres, trabalho, futebol, política etc. É uma intimidade repartida, partida.
Para alguns homens, a intimidade é da ordem do segredo, do que pode ser dito apenas para aqueles em quem confiam (pais, irmãos, esposa, namorada, amigos) ou do que não pode ser dito para ninguém: "É algo só meu, do meu interesse".
Muitos disseram que só têm intimidade total consigo mesmos: que existem coisas que só podem e devem ser ditas para si próprios. Coisas que não interessam a mais ninguém, que devem ser guardadas, reservadas, protegidas.
Alguns homens me disseram que, quando estão com problemas no trabalho ou com a mulher, desabafam com o amigo, que diz: "Vamos beber". Consideram que, assim, conseguem esquecer o problema — o qual, efetiva e eventualmente, passa.Já as mulheres, ruminam, por muito tempo, os seus problemas. Repetem exaustivamente a arquitetura dos mesmos conflitos, sem buscarem uma solução. Nenhuma me disse que adota a tática do "Vai passar! Vamos beber e esquecer!"...
Pois é, os homens querem esquecer, e as mulheres relembram incessantemente. Eles querem resolver o problema, de preferência muito rapidamente. Elas querem refletir sobre o problema, sem necessariamente resolvê-lo.
Os familiares e amigos íntimos são fundamentais para reforçar tanto a postura de resolver como a de refletir sobre os problemas. Os homens têm uma visão prática da intimidade. É uma intimidade objetiva. Já as mulheres têm uma percepção reflexiva da intimidade. É uma intimidade subjetiva.
Para as mulheres, a intimidade parece estar relacionada a uma forma específica de conversar, não ao seu conteúdo. É uma intimidade sem gradação, nível, escala. Ou se tem, ou não se tem intimidade. É uma intimidade única.
É um jeito de falar sobre si, e de ser escutada pelo Outro. Sem interferências, sem medo de ser julgada, de ser rejeitada, criticada, ironizada. É um tipo de conversa especial, de entrega singular, de quem fala e de quem escuta.
É uma conversa em que existe aceitação, respeito, troca, apoio. Em que os dois podem ser vulneráveis e revelar suas fragilidades e medos. Pode ser uma intimidade silenciosa.
O importante é que não exista ruptura, ruído, atrito, neste tipo de encontro. Uma intimidade singular, especial, a dois. Que não necessita de um tópico especial ou de um segredo.
É um jeito muito particular e valorizado de falar e, principalmente, de ser escutado(a). O Outro deve ser maleável, flexível, adaptável, para saber como ser passivo, e simplesmente escutar sem interferir, ou, quando necessário, ser ativo e dar algum tipo de resposta.
Um nível profundo e psicológico de comunicação e de reciprocidade. É a intimidade íntima. Coisa que — elas dizem —, os homens são incapazes de compreender.
É possível perceber que as mulheres falam de si mesmas como se fossem superiores aos homens, neste domínio tão valorizado por elas e tão pouco elaborado na vida deles. Elas se consideram mais sensíveis, maduras e profundas do que eles, que são vistos como mais carnais, físicos, sexuais.
A intimidade íntima parece ser um privilégio e, também, um poder feminino. O que mostra que as mulheres podem exercer dominação exatamente nos domínios em que constroem e hierarquizam diferenças de gênero. Domínio em que os homens são esmagados pela superioridade feminina.É interessante pensar que esta onipresença da ideia de intimidade nas minhas pesquisas pode ser parte de um discurso de dominação, que legitima o poder feminino em tudo o que se relaciona ao mundo privado, ao mundo das emoções, dos sentimentos e das relações entre os gêneros.
*Mirian Goldenberg é antropóloga, professora da UFRJ e autora de "Infiel: notas de uma antropóloga" (Ed. Record) 
SAIBA MAIS
www.miriangoldenberg.com.br
www.miriangoldenberg.com.br