03 maio 2010

SUPERIORIDADE FEMININA

Intimidade íntima*



Nos últimos meses, tenho debatido com meus alunos e amigos uma ideia que tem me chamado a atenção: o fato de as mulheres reclamarem de que não conseguem ter intimidade com os respectivos maridos ou namorados.

No entanto, quando pergunto o mesmo para os homens, eles acham que têm, sim, intimidade com suas parceiras — com quem compartilham momentos que consideram muito íntimos, como fazer sexo, beijar, carinhos, ficar nu.

Para eles, a intimidade é da ordem do corporal, do toque, da visão. É uma intimidade sexual. É uma intimidade física.

Elas reagem: esta não é a verdadeira intimidade, não é uma intimidade íntima. Intimidade, para elas, é um tipo muito particular de estar juntos, de conversar, de escutar, de compartilhar o silêncio, um nível mais profundo de comunicação psicológica. É uma intimidade emocional.

Para eles, a intimidade tem gradações, níveis, escalas. Eles podem ter mais ou menos intimidade, pouca ou muita intimidade, falar de um problema com alguns familiares e de outro com amigos.

Eles hierarquizam e medem a intimidade que têm com as pessoas, e classificam com quem podem (ou não) falar sobre mulheres, trabalho, futebol, política etc. É uma intimidade repartida, partida.

Para alguns homens, a intimidade é da ordem do segredo, do que pode ser dito apenas para aqueles em quem confiam (pais, irmãos, esposa, namorada, amigos) ou do que não pode ser dito para ninguém: "É algo só meu, do meu interesse".

Muitos disseram que só têm intimidade total consigo mesmos: que existem coisas que só podem e devem ser ditas para si próprios. Coisas que não interessam a mais ninguém, que devem ser guardadas, reservadas, protegidas.

Alguns homens me disseram que, quando estão com problemas no trabalho ou com a mulher, desabafam com o amigo, que diz: "Vamos beber". Consideram que, assim, conseguem esquecer o problema — o qual, efetiva e eventualmente, passa.

Já as mulheres, ruminam, por muito tempo, os seus problemas. Repetem exaustivamente a arquitetura dos mesmos conflitos, sem buscarem uma solução. Nenhuma me disse que adota a tática do "Vai passar! Vamos beber e esquecer!"...

Pois é, os homens querem esquecer, e as mulheres relembram incessantemente. Eles querem resolver o problema, de preferência muito rapidamente. Elas querem refletir sobre o problema, sem necessariamente resolvê-lo.

Os familiares e amigos íntimos são fundamentais para reforçar tanto a postura de resolver como a de refletir sobre os problemas. Os homens têm uma visão prática da intimidade. É uma intimidade objetiva. Já as mulheres têm uma percepção reflexiva da intimidade. É uma intimidade subjetiva.

Para as mulheres, a intimidade parece estar relacionada a uma forma específica de conversar, não ao seu conteúdo. É uma intimidade sem gradação, nível, escala. Ou se tem, ou não se tem intimidade. É uma intimidade única.

É um jeito de falar sobre si, e de ser escutada pelo Outro. Sem interferências, sem medo de ser julgada, de ser rejeitada, criticada, ironizada. É um tipo de conversa especial, de entrega singular, de quem fala e de quem escuta.

É uma conversa em que existe aceitação, respeito, troca, apoio. Em que os dois podem ser vulneráveis e revelar suas fragilidades e medos. Pode ser uma intimidade silenciosa.

O importante é que não exista ruptura, ruído, atrito, neste tipo de encontro. Uma intimidade singular, especial, a dois. Que não necessita de um tópico especial ou de um segredo.

É um jeito muito particular e valorizado de falar e, principalmente, de ser escutado(a). O Outro deve ser maleável, flexível, adaptável, para saber como ser passivo, e simplesmente escutar sem interferir, ou, quando necessário, ser ativo e dar algum tipo de resposta.

Um nível profundo e psicológico de comunicação e de reciprocidade. É a intimidade íntima. Coisa que — elas dizem —, os homens são incapazes de compreender.

É possível perceber que as mulheres falam de si mesmas como se fossem superiores aos homens, neste domínio tão valorizado por elas e tão pouco elaborado na vida deles. Elas se consideram mais sensíveis, maduras e profundas do que eles, que são vistos como mais carnais, físicos, sexuais.

A intimidade íntima parece ser um privilégio e, também, um poder feminino. O que mostra que as mulheres podem exercer dominação exatamente nos domínios em que constroem e hierarquizam diferenças de gênero. Domínio em que os homens são esmagados pela superioridade feminina.

É interessante pensar que esta onipresença da ideia de intimidade nas minhas pesquisas pode ser parte de um discurso de dominação, que legitima o poder feminino em tudo o que se relaciona ao mundo privado, ao mundo das emoções, dos sentimentos e das relações entre os gêneros.



*Mirian Goldenberg é antropóloga, professora da UFRJ e autora de "Infiel: notas de uma antropóloga" (Ed. Record)