25 março 2008

DIGESTÃO PREMIADA

Haja suco gástrico



O filme Estômago arrasou no XI Festival Internacional de Cinema de Punta del Este, recentemente encerrado no Uruguai, levando os prêmios de Melhor Filme e Melhor Ator — para o protagonista João Miguel. Concorreu com outras 16 produções vindas de Alemanha, Argentina, Brasil, Chile, Cuba, Espanha, França, China, México e Venezuela, no evento em que foram projetados quase 100 títulos entre longas-metragens, documentários e curtas.

Estômago também deu-se bem em sua estréia internacional. Em Rotterdam, recebeu o prêmio Lions Award, dedicado ao melhor filme da seção Sturm und Drang do festival, e foi o segundo lugar no julgamento do público entre 196 filmes, atrás somente de um filme de animação. O filme teve suas quatro sessões completamente lotadas, tendo sido visto, apenas neste festival, por um público de aproximadamente 2 mil pessoas.

Estômago, seguindo sua exitosa trajetória além-mar, também compareceu à mostra de Cinema Culinário do Festival de Berlim, às mostras competitivas do Jameson Dublin Film Festival (Irlanda) e ao Miami International Film Festival (EUA).

Em outubro do ano passado, Estômago foi o grande vencedor do Festival do Rio 2007. O longa-metragem do diretor Marcos Jorge brilhou na noite da premiação: além de eleito o Melhor Filme segundo o público, recebeu os troféus de Melhor Direção, Ator (dado a João Miguel), e o Prêmio Menção Especial do Júri, entregue ao coadjuvante Babu Santana. A produção de Zencrane Filmes, Indiana Production e Downtown Filmes traz no elenco João Miguel (Raimundo Nonato / Alecrim), Babu Santana (Bujiú), Carlo Briani (Giovanni), Zeca Cenovicz (Zulmiro), Paulo Miklos (Etecétera), Jean Pierre Noher (Duque) e apresenta Fabiula Nascimento (Íria), entre outros novos craques da cena. É mais um "campeão" que entrou para a seleção do Programa Petrobras Cultural.

Produzido em 2007 no Brasil por Cláudia da Natividade (que também assina a produção executiva), Fabrizio Donvito e Marco Cohen, com roteiro de Lusa Silvestre, Marcos Jorge, Cláudia da Natividade e Fabrizio Donvito (o argumento é de Lusa Silvestre e Marcos Jorge), Estômago tem direção de Fotografia de Toca Seabra, montagem de Luca Alverdi, direção de Arte de Jussara Perussolo e música assinada por Giovanni Venosta. Marisol Grossi responde pelo figurino e o colunista da revista Trip e ex-presidiário Luis Mendes Jr. foi o "consultor de Comportamento no Cárcere".

Já a consultoria de Comportamento na Cozinha teve o apuro de Geraldine Miraglia, sendo o agito todo livremente inspirado no conto Presos pelo estômago, escrito por Lusa Silvestre. O filme de 112 minutos recebeu da crítica excelentes notas, com expressões apaixonadas como “Belíssimo filme que sacia nossa fome de diversão inteligente” (Marcelo Janot em Críticos.com.br), “Diretor acerta a mão em fábula indigesta” (Marcos Dávila na Folha de S.Paulo) e “Muito original, muito inteligente e divertido... Promete virar uma das sensações do ano” (Luiz Carlos Merten n'O Estado de São Paulo). A jornalista Anna Accioly (ADois Comunicação) declarou: "Esse filme é maravilhoso! Meio felliniano, uma coisa! Quando o assisti no Festival do Rio, pensei: 'vai ganhar'. Ganhou os melhores prêmios!".

Sobre Estômago, assim se posicionou Jorge Jellinek, o diretor do Festival Internacional de Punta Del Este: “Em uma sociedade onde uns devoram e outros são devorados, o cozinheiro joga um papel decisivo, e pode decidir qual é o melhor bocado. Este é o ponto de partida de Marcos Jorge para lançar um olhar nada complacente sobre a realidade brasileira contemporânea. Sob a aparência de uma comédia satírica, o filme nos oferece uma aguda reflexão social, que atravessa os diferentes extratos sociais. No país do 'Fome Zero' e da 'cultura antropofágica' exposta por Glauber Rocha, a parábola traçada pelo diretor aponta para as entranhas de uma contraditória realidade”.

Já segundo Cléber Eduardo (Cinética), "é possível rir e se emocionar simultaneamente com as experiências entre as caricaturas, com a doce visão dos presidiários, com a relação entre Nonato e uma prostituta felliniana e até com a própria narração do protagonista. São forças geradas por detalhes, sutilezas, pela explosão verbal de um Babu, por um olhar de lado de João Miguel, por um resmungo, por pequenas modulações de expressões e vozes. Um filme de minúcias, de um conjunto poderoso, que merece transpor certo gueto de circulação".

Ao comentar Estômago para a Screen International, Denis Seguin explica que o filme é “uma mistura de comida, sexo e poder que não é vista no cinema desde O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante, de Peter Greenaway. Assim, o filme de estréia de Marcos Jorge é um suspense surpreendente, um mistério que gira em torno não de 'quem fez?', mas sim de 'o que foi feito?'. Como uma deliciosa refeição em um clima estrangeiro, Estômago atravessa o paladar para oferecer um inesperado, mas apropriado final. Talvez nem todos os clientes saiam satisfeitos da sala de projeção, mas é impossível assistir ao filme sem ficar com fome.”

Há muitas outras loas mais cantadas a Estômago, valendo tratar de conferir porque: a história da ascensão e queda de Raimundo Nonato, um cozinheiro com dotes muito especiais, abarca dois temas universais: a comida e o poder. Mais especificamente, focaliza a comida como meio de adquirir poder, podendo também ser adequadamente definido como “uma fábula nada infantil sobre poder, sexo e culinária”.

Em sua estréia européia, no Festival Internacional de Roterdã (Holanda), em que recebeu o Lions Award, Estômago foi o segundo colocado — entre 200 longas — na preferência do público. Em sua participação especial no Festival de Berlim 2008, houve até jantar inspirado nos pratos do filme. Como adendo, vários filmes e vídeos do diretor Marcos Jorge — que estreou com Estômago na direção de longas-metragens —, já venceram mais de 50 prêmios nacionais e internacionais.

As filmagens do longa aconteceram durante cinco semanas em Curitiba e São Paulo, em fins de 2006, e toda a finalização foi realizada na Itália (Milão e Roma), em meados de 2007. Isto se justifica: Marcos Jorge viveu por lá durante a década de 90. Assim, Estômago tornou-se a primeira co-produção cinematográfica realizada a partir do acordo de co-produção bilateral Brasil-Itália, assinado no início dos anos 1970. Trata-se de um filme de dupla nacionalidade — brasileiro para o Brasil e italiano para a Itália.

Na telona, desponta o ator baiano João Miguel como protagonista, junto à curitibana Fabiula Nascimento (em sua estréia no cinema) e aos cariocas Babu Santana e Alexander Sil, bem como o italiano Carlo Briani e o rocker paulista Paulo Miklos (um dos Titãs). Seu ambiente musical tem o carisma do compositor Giovanni Venosta, que criou premiadas trilhas sonoras de vários filmes italianos: Pão e tulipas (2000), Queimando ao vento (2002) e Ágata e a tempestade (2004).

Como grande parte da história se passa dentro de uma cela de cadeia, Luis Mendes Jr. — que entrou semi-analfabeto na prisão aos 19 anos e saiu 30 anos depois como escritor e cronista, com o apoio recebido do editor da Trip Magazine, o radialista Paulo Anis Lima — atuou como consultor de vida e comportamento no presídio.

Estômago foi ainda vencedor do Prêmio de Produção de Filmes de Baixo Orçamento do MINC e seu roteiro participou do prestigioso seminário de co-produção internacional Produire au Sud, financiado pelo governo francês.

O protagonista é um dos muitos migrantes que partem em direção à cidade grande na esperança de conseguir uma vida que lhe permita, no mesmo dia, almoçar e jantar. Contratado como faxineiro em um bar, Raimundo Nonato logo descobre seu talento nato para a cozinha e, com suas coxinhas, transforma o boteco em um local de grande sucesso. É Giovanni, o dono de um conhecido restaurante italiano da região, quem primeiro intui os dotes de cozinheiro de Nonato e muda sua vida, contratando-o como ajudante de cozinheiro.

Assim acontece para Nonato a descoberta da cozinha italiana, das receitas, dos sabores — e, como não poderia deixar de ser, do vinho. Sua vida muda, e inicia-se a sua afirmação no mundo: uma casa, roupas, relacionamentos sociais — e, sobretudo, o amor de uma mulher, a prostituta de bom apetite Íria, com a qual estabelece uma ancestral relação de sexo em troca de comida.

O talento de Nonato na cozinha também é rapidamente descoberto por seus companheiros de cela. Para eles e seu violento chefe, Bujiú, a chegada do novo companheiro na cela é a salvação, pois logo o miserável rancho da cadeia logo se transforma em pratos exóticos. Nonato, à sua revelia, passa então a ser conhecido como Alecrim, e com esse apelido começa também a sua escalada ao poder.

Como e porque Nonato acabou na cadeia, isto não sabemos. Esta é uma pergunta que será respondida apenas no final da história, quando se descobrirá o delito cometido por este homem e se completará o seu aprendizado. Pois Nonato, apesar de sua ingenuidade e simplicidade, rapidamente aprende as regras da sociedade dos que devoram ou são devorados. Regras que ele usa a seu favor, porque mesmo os cozinheiros têm direito a comer sua parte — e eles sabem, mais do que ninguém, qual é a parte melhor.

Neste mês de julho, Estômago estará sendo apresentado em três festivais internacionais. O longa-metragem, que já tem nove eventos desse quilate no currículo, abre a Mostra Premiére Brazil no MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York), participa do 25.º Festival de Cinema de Jerusalém (Israel) e será visto no Festival Internacional de Cinema de Durban (África do Sul).