28 novembro 2007

A MIS HERMANOS

Mutatis mutandis



Un árbol derribado no es un árbol: es un río,
Que crece entre los hombres.


Un río que crece entre los hombres no es un río: es un sueño,
Que en los días de Verano se desborda sobre tu tierra seca.


Y un sueño que en los días de Verano se desborda sobre tu tierra seca no es un sueño:
Es la hoguera en la que, por un tiempo,
Ha de temblar tu delicioso cuerpo.


Pero la hoguera,
En la que por un tiempo ha de temblar tu delicioso cuerpo

No es, como supones, una fuente.


Es tan sólo árbol, un río, un sueño
Que te dicen inutilmente que sí,


Que es mentira,
Que no lo volverás a hacer.




*Hildebrando Pérez Grande é poeta, professor universitário, jornalista e editor, nascido em Lima (Peru) em 1941. Declamou seus versos na abertura da I Feira de Livros de Cabo Verde (Claridade na Terra da Luz) em Fortaleza/CE, em 27/11/07











25 novembro 2007

FELICIDADE EXISTE?!?

Bergman e o espelho da angústia contemporânea


Foi em sua terra natal que Bergman ajustou os focos de suas lentes para produzir uma visão transcendental. Morreu no dia 30 de julho último aos 89 anos na ilha de Faaro, território sueco no Mar Báltico, documentado pelo cineasta em 1969 como um média-metragem. Cidadão de Upsala, nascido num dia histórico para a humanidade — o 18 de Brumário da Revolução Francesa, explicado pelo filósofo Karl Marx como um coup d'État —, Ernst Ingmar Bergman (1918-2007) era filho de um pastor luterano.

Do luteranismo amargou uma criação autoritária, baseada em conceitos relacionados ao pecado, confissão, castigo, perdão e indulgência. Em sua autobiografia Lanterna mágica, Bergman faz relatos impressionantes. Sempre que contava uma mentira recebia castigos constrangedores, como “desfilar vestido de menina ou ser trancafiado num armário”. É nesse período que vivencia sentimentos como vergonha ou humilhação, tão explorada em seus filmes.

A iniciação profissional do diretor deu-se através de um dos patriarcas do cinema sueco, Victor Sjöstrom (homenageado por ele em Morangos silvestres / Smultronstället, Suécia 1957), em que Sjöstrom interpreta o protagonista que perde a noção da memória face à iminência da morte. Mas também o levou à Universidade de Estocolmo. Em 1941, iniciou sua carreira no teatro com Morte de Kasper. Seu sucesso o levou a tornar-se revisor de roteiros de cinema, até que um dia trocou uma de suas revisões por um texto próprio, A tortura do desejo, entregue ao diretor Alf Sjöberg — o qual abriu-lhe as portas para a Sétima Arte.

Esta pode ser fundamental com respeito ao resto da cultura, porque cultura é a reunião das asserções de conhecimento e a arte, em particular a cinematográfica, adjudica tais asserções. Enquanto práxis, aparece como a tentativa de ratificar ou desbancar asserções de conhecimento feitas pela ciência, moralidade, ou religião. A arte pode fazer isso porque, “em si”, no sentido hegeliano do termo, com os recursos tecnológicos, estéticos e artísticos que lhe são comuns apresenta condições e possibilidades “para si” destes fundamentos, num estudo do homem através de “processos mentais” ou da atividade de representação — os quais, desse ponto de vista, tomam a sociedade como espelho reflexivo da cultura, que por sua vez torna o conhecimento possível.

Conhecer, então, é representar acuradamente o que está fora da mente. Assim, compreender a possibilidade e a natureza do conhecimento é compreender o modo pelo qual a mente é capaz de construir tais representações.

Bergman leu Kierkegaard e Kierkegaard leu o último Hegel (o da Phänomenologie des Geistes, 1807), um Hegel que exalta o sacrifício da felicidade individual e geral que daí resulta, ou da angústia (como observou o filósofo Jean Wahl no conhecido texto Le malheur de la conscience dans la 'philosophie de l'Esprit' de Hegel / Paris: PUF-Presses Universitaires de France, 1951).

E, se todo o pensamento de Kierkegaard é desenvolvido a partir do seu íntimo (tal como também ocorre com Bergman), é porque decorre de uma escolha consciente do pensador “por si próprio”. Apesar disto, o filósofo experimenta os valores da tradição ou da “moda” filosófica de seu tempo, mas é, sobretudo em sua existência que Kierkegaard encontra elementos por ele considerados importantes para embasar a construção de seu pensamento. Com uma vida conturbada e grandes alternativas se descortinando, o resultado de sua filosofia é uma novidade muito mais de acordo com suas próprias experiências do que com outros sistemas anteriores a seu tempo.

Das influências que recebe, parte de um conceito amplamente utilizado por Sócrates — o de ironia. Kierkegaard considera Sócrates como “precursor e patrono da filosofia da existência” (conforme Pierre Mesnard, em Kierkegaard, Lisboa: Edições 70). Daí o “paradoxo de conseqüências não-intencionais” (para lembrarmos Max Weber), devido ao fato de que, se sua obra é obtusa, Bergman, de outra parte, está em dia com questões como a incomunicabilidade e a efemeridade, tão caras também a cineastas como Michelangelo Antonioni (de Blow-Up / Depois daquele beijo, Inglaterra/Itália, 1966) ou Federico Fellini (de Amarcord, Itália/França, 1973), que às vezes o aproximariam de um bom-humor imprevisível como em Sorrisos de uma noite de Verão (Sommarttens Leende, Suécia, 1955), que retrata uma comédia romântica, verdadeira ciranda de paixões inspirada na peça de Shakespeare (assim reconhecido pelo Festival de Cannes em 1955).

Responsável pela projeção internacional definitiva do cineasta, o filme inspirou um musical de grande sucesso na Broadway e ainda Sonhos eróticos de uma noite de Verão, do iconoclasta Woody Allen, mas também a eroticidade angustiante dos filmes de Walter Hugo Khouri, como As amorosas (Brasil, 1968) e Corpo ardente (Brasil, 1966) para ficarmos nestes exemplos.

Além disso, para o que nos interessa, Kierkegaard era profundo conhecedor de obras clássicas. Entre as fontes que o influenciavam estavam as belas-artes, a filosofia clássica e moderna, a teologia etc. Pode-se perceber em sua obra um pensamento reflexivo bastante abrangente, fruto desta sua diversidade de fontes, abrangência cujo objetivo é confrontar as idéias, os fatos, as experiências à luz do cristianismo — que é, para ele, uma "consciência moderna".

Seu pensamento baseia-se em sua cultura incomum e nos complexos sentimentais profundos. Através “de si” e de seus problemas, quer encontrar uma explicação para a (sua) existência. Mas não bastava para Kierkegaard analisar o conteúdo da consciência para se encontrar aí uma filosofia da existência. Tem-se, também, que ter idéias e, entre estas, tem-se que estabelecer uma dialética. É através desta dialética que Kierkegaard percebe os estágios da existência: estético, moral e religioso.

É então que se pode perguntar: "Quem é feliz realmente?" e "Dos que buscam o prazer, o mais feliz não será aquele que não experimentou felicidade alguma?" Terá o homem que empenhar, pois, toda a força para manter a vida conjugal. A partir desta consciência de vida ética, começa a aparecer no pensamento de Kierkegaard sua traumática experiência amorosa e a dificuldade em entender e relacionar-se com o sexo feminino.

Para ele, a manutenção da vida conjugal — característica essencial da ética — será dificultada ao homem pela presença feminina que, para o filósofo, tem enorme dificuldade de se situar em uma relação definida. Kierkegaard vai ainda mais longe: para ele, a mulher situa-se naturalmente no estágio estético (onde, aliás, ela é objeto de desejo em última instância), mas a plena revelação da mulher só será possível no estágio religioso.

Como apelo à subjetividade profunda, o estágio religioso pratica uma devoção ao "Deus que não aparece" e comunica-se através do silêncio que provém desta relação: isto nos faz perceber que os dois primeiros estágios são mais populares do que o terceiro. Kierkegaard entendia que os estágios estético e ético não podiam existir sem o estágio religioso. Em outras palavras, o religioso estava presente tanto no estético quanto no ético.

O religioso é um estágio conseqüente, pois é a partir da desordem dos estágios inferiores que se tem a possibilidade de encontrar a realidade superior da vida religiosa. Nesta sua escolha pela vida religiosa solitária, Kierkegaard foi conduzido a uma crise com os oficiais da Igreja Luterana (igreja oficial da Dinamarca). O filósofo compreendeu que acontecia, em seu tempo, a descristianização do mundo. Sua luta solitária, contra pastores e bispos oficiais preocupados com suas carreiras eclesiásticas, aumentará o seu sofrimento e o fará alvo das chacotas populares, aumentando, a cada dia, sua solidão.

Tal solidão no sofrimento torna-se o centro da meditação de Kierkegaard — e, por extensão, de Bergman, que, no plano cinematográfico, desenvolve a partir da solidão e do sofrimento o sentido da subjetividade e da existência que vêm do seu interior.
No filme Cenas de um Casamento (Scener ur ett äktenskap, Suécia, 1973, com Liv Ullman, Erland Josephson e Bibi Andersson), Bergman realiza uma das mais contundentes análises feitas pelo cinema sobre os encontros e os desencontros do matrimônio. É um apaixonante e digno estudo sobre um casamento em desintegração e o relacionamento daí decorrente, fora do que até hoje existe e já foi produzido na e pela indústria hollywoodiana a respeito.



*Ubiracy de Souza Braga é sociólogo, cientista político e professor da Coordenação do Curso de Ciências Sociais da UECE-Universidade Estadual do Ceará


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14 novembro 2007

ECOSSOCIALISMO

Ecologismo dos Pobres?


“Do ponto de vista de uma formação socioeconômica mais avançada, a propriedade privada dos indivíduos na Terra parecerá tão absurda como a propriedade de um homem sobre outros homens. Mesmo uma sociedade inteira, uma nação, ou mesmo todas as sociedades existentes num dado momento, em conjunto, não são donos da Terra. São simplesmente os seus possuidores, os seus beneficiários, e têm que a legar, num estado melhorado, para as gerações seguintes, como boni patri familias (bons pais de família).” Karl Marx, em O Capital


John Bellamy Foster, autor de um dos livros mais importantes para os ecossocialistas (A ecologia de Marx, materialismo e natureza, Civilização Brasileira), em artigo recente, intitulado A ecologia da destruição, chama-nos a atenção para o fato de que “é uma característica da nossa época que a devastação global pareça sobrepor-se a todos os outros problemas, ameaçando a sobrevivência da Terra como a conhecemos”.

A grande repercussão do quarto relatório do IPCC-sigla em inglês do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU-Organização das Nações Unidas, em que milhares de cientistas de quase todo o planeta não só constataram a relação direta entre fenômenos climáticos intensos decorrentes do aquecimento global — com a emissão dos chamados GEE-gases de efeito estufa pelas atividades industriais, energéticas e agrícolas —, mas também apontaram projeções catastróficas para este século caso não haja drástica mudança na matriz energética e no padrão de consumo, deu foros de cientificidade ao documentário Uma verdade inconveniente, do ex-vice-presidente estadunidense Al Gore, que recebeu o Oscar em 2007 e também, juntamente com o próprio IPCC, o prêmio Nobel da Paz.

Portanto, com exceção da minoria dos chamados “céticos”, entre os quais figuram cientistas sérios como o brasileiro Aziz Ab'Saber e organizações bancadas pelo governo Bush e pelas grandes indústrias de petróleo e carvão mineral no mundo, há uma ampla maioria de representantes da comunidade científica (e aqui perfilam-se brasileiros como José Goldenberg, Carlos Nobre e Luis Pinguelli Rosa), dos movimentos ambientalistas, de governos e até de setores empresariais que, a partir dos dados do IPCC, procuram encontrar saídas para a crise planetária, manifestada hoje pelo aquecimento global que ameaça a vida na Terra.

Abram-se aqui parênteses para aduzir que a aposta que os céticos — em sua versão séria e não comprometida com os interesses do capital petroleiro e mineiro — fazem é uma aposta perdida, em suas duas possibilidades: se eles estiverem errados (quando afirmam que o fenômeno do superaquecimento é natural e que as previsões do IPCC estão equivocadas), podem, de forma involuntária, estarem contribuindo com o lobby das grandes corporações petrolíferas e mineiras, impedindo a mudança do padrão energético para as fontes renováveis e serem co-responsáveis pela catástrofe que se prenuncia. Por outro lado, se estiverem certos (contrariando o amplo consenso científico alcançado depois de quase 20 anos de IPCC), estão atrasando a nossa evolução para a despoluição do planeta.

Ou seja, ainda que, numa hipótese quase absurda, não esteja ocorrendo o aquecimento provocado pelas atividades humanas, o alerta do IPCC, no mínimo, questiona o modo de produção e o modo de vida humana no planeta e nos induz a mudanças profundas e necessárias.

Vou apenas listar, em parte, o extenso e impactante elenco de fenômenos climáticos e suas resultantes sobre a vida no planeta, já amplamente divulgados na imprensa, como o acréscimo da temperatura média da Terra, o derretimento das geleiras e calotas polares, a desaparição de espécies, a subida do nível do mar, a desertificação e seus impactos sobre a humanidade, que poderá conviver — aliás, já está convivendo — com os chamados “refugiados ambientais”, vítimas de enchentes, tornados, secas, furacões, que, nos últimos tempos, têm atingido populações tão diversas como as asiáticas, as das pequenas ilhas do Pacífico ou, mesmo, nas terras do império americano, com o furacão Katrina, em New Orleans, e o incêndio que devastou a Califórnia nos últimos dias.

Em nosso País — quarto maior emissor de GEE, em face das queimadas e desmatamentos de nossas florestas —, o que se prenuncia é gravíssimo. Se, em todo o planeta, no próximo século, ultrapassarmos a linha perigosa de acréscimo de 2ºC na temperatura média da terra, metade de nossa Floresta Amazônica (a mais importante cobertura vegetal tropical do planeta) se transformará em savana, causando profundo impacto não só à temperatura da Terra, como no regime de chuvas em todo o Hemisfério Sul. Para o Nordeste brasileiro, as previsões não são menos sombrias. Nosso semi-árido, que, mais uma vez, convive com uma estiagem prolongada, se transformaria em região árida, num quase deserto, sem água e sem produção agrícola.

Estaríamos diante do Apocalipse? Paulo Artaxo, um dos cientistas brasileiros do IPCC, tenta nos tranqüilizar: “O aquecimento global não é o fim do mundo, de jeito nenhum”, mas adverte: “Um dos pontos cruciais do relatório do IPCC é a urgência da diminuição da emissão dos gases do efeito estufa. Se não fizermos isso, a temperatura pode subir de forma a trazer danos para os ecossistemas e zonas costeiras sem precedentes na História da Humanidade”. Para ele – e o IPCC – esse corte deveria ser em torno de 50% a 70%. (revista Caros Amigos, edição especial: Aquecimento global, a busca de soluções)

Ora, a necessidade imperiosa da redução na emissão de GEE na escala de 50% a 70% torna o Protocolo de Kyoto (que, todos sabemos, não foi assinado nem pelos EUA, primeiro ou segundo maior emissor de CO2, nem pela Austrália, uma das maiores exploradoras de carvão mineral) uma iniciativa absolutamente obsoleta e inócua. Recordemos: Kyoto propõe, apenas para os países em desenvolvimento (principais responsáveis pelo aquecimento), o corte de somente 5% (nos níveis de 1990) para até 2012. Brasil, Índia e China, entre outros — que, dado seu crescimento econômico vertiginoso já teria ultrapassado os EUA e que tem na base de sua matriz energética o combustível de maior poluição, que é o carvão mineral — não são obrigados a cumprir metas de redução.

Todo este debate não se refere, por óbvio, apenas a números. Aqui trata-se , em primeiro lugar, da tentativa de se compatibilizar a urgência urgentíssima na diminuição drástica de emissão de CO2 e outros GEE para a atmosfera, com o direito e a necessidade de países pobres se desenvolverem e atenderem aos direitos e necessidades de sua população.

Como atender tais necessidades sem tocar no padrão de vida e consumo das classes médias e altas tanto no Hemisfério Norte (onde são majoritárias) como no Hemisfério Sul (onde são minoritárias)? Já gastamos 25% a mais do "capital natural" da Terra e seria preciso que tivéssemos pelo menos quatro planetas Terra para que todos alcançassem o nível de vida do chamado American way of life. Uma nova “utopia” — sustentabilidade ambiental, igualdade social e desenvolvimento econômico em escala planetária — seria possível na atual configuração geopolítica mundial, onde o poder destrutivo da indústria armamentista, petrolífera e minerária materializa-se em governos como o de Bush, senhor das guerras no mundo?

É possível superar a atual crise nos marcos do sistema capitalista? Nas palavras, mais uma vez, de Foster: “Como é que isto se relaciona com as causas sociais e que soluções sociais podem ser oferecidas em resposta tornaram-se as questões mais urgentes com que a humanidade se defronta”. Este debate situa-se, portanto, no campo da chamada “Ecologia Política”, — que, na compreensão de Joan Martinez Alier, estuda “os conflitos ecológicos distributivos — isto é, os conflitos pelos recursos ou serviços ambientais, comercializados ou não”. Para ele, a Ecologia Política é “um novo campo nascido a partir dos estudos de caso locais pela Geografia e Antropologia rural, hoje estendidos aos níveis nacional e internacional”, afirma em O ecologismo dos pobres (Editora Contexto). Só a Ecologia Política, juntamente com a Economia Ecológica, para nos desvendar as causas da crise e apontar as soluções acima reclamadas por Foster.

Carlos Walter Porto-Gonçalves, um dos mais atilados ecologistas políticos da atualidade, nos situa, de forma ainda mais precisa, na atual crise planetária, quando afirma que “o desafio ambiental coloca-se no centro do debate geopolítico contemporâneo, enquanto questão territorial, na medida em que põe em questão a própria relação da sociedade com a natureza, ou melhor, a relação da humanidade, na sua diversidade, com o planeta, nas suas diferentes qualidades”. (em O desafio ambiental, Editora Record)

Para ele, há contradições profundas entre a economia capitalista e a dinâmica ambiental. A separação — “a mais radical possível”, em suas palavras — entre homens e mulheres, de um lado, e a natureza, de outro; a apropriação privada dos recursos ambientais, em que tudo é transformado em mercadoria; o “princípio da escassez”, pelo qual um “bem só tem valor econômico se é escasso”, são absolutamente contraditórios com a visão ecológico-ambientalista de riqueza natural. Vejamos, em suas próprias palavras:

"Os economistas modernos vão fundar a economia no conceito de escassez, que, paradoxalmente, é o contrário da riqueza. Tanto é assim que os bens abundantes — idéia central da riqueza — não são considerados como bens econômicos e, sim, como naturais (...) Somente à medida que água e ar se tornam escassos — com a poluição, por exemplo — é que a economia passa a se interessar em incorporá-los como bens no sentido econômico moderno, isto é, mercantil”.

Esta distinção entre riqueza natural — objetivo maior de todos os movimentos ecológicos — e riqueza material — que advém da escassez e, para deleite do sistema mercantil, transforma os bens ambientais em mercadoria — também é tratada por Foster, em outro belo texto, chamado Revolução ecológica, onde se vale do filósofo grego Epicuro, que declarava: "Quando medido pelo propósito natural da vida, a pobreza é uma grande riqueza, e a riqueza ilimitada é uma grande pobreza".

Portanto, para Foster, “o livre desenvolvimento humano, surgindo num clima de limitação e sustentabilidade naturais, é a verdadeira base da riqueza, de uma riqueza para a existência multilateral. A busca sem limites de riqueza é a fonte primária do empobrecimento e sofrimento humanos. É desnecessário dizer que tal preocupação com o bem-estar natural, em oposição a necessidades e estímulos artificiais, é a antítese da sociedade capitalista e a pré-condição de uma comunidade humana sustentável”.

Assim, é plenamente justificável afirmar que, sob o capitalismo, não há possibilidade de superação da atual crise planetária, o que nos permitiria atualizar, como quer Michel Löwy, outro grande expoente atual do Ecossocialismo, a consigna de Rosa Luxemburgo para Ecossocialismo ou barbárie.

Ora, afirmar esta contradição fundamental entre o sistema capitalista e uma nova forma de organização sócio-político-econômica fundada na sustentabilidade e justiça ambiental, na igualdade social e, também, claro, na democracia política em suas formas mais avançadas de participação popular não é suficiente, por si só, para os ecossocialistas. Diz Löwy: “É preciso começar a construir esse futuro desde já. É necessário participar de todas as lutas, inclusive das mais modestas, como, por exemplo, a de uma comunidade que se defende contra uma empresa poluidora ou a defesa de uma parte da natureza que esteja ameaçada por um projeto comercial destrutivo. É importante ir construindo a relação entre as lutas sociais e as ambientais, pois elas tendem a concordar, unidas ao redor de objetivos comuns.” (em Ecologia e socialismo)

É este campo, o das lutas sócio-ambientais, que reclama a presença dos ecossocialistas. Aqui no Brasil, e no Ceará, poderíamos listar as lutas das comunidades costeiras contra o turismo predatório e a criação de camarões em cativeiro, a resistência contra os grande projetos hidrelétricos dos atingidos por barragens, o movimento que reúne os sem-terra, agroecologistas, defensores de consumidores e ambientalistas contra a adoção de sementes transgênicas, a luta de populações locais contra a ampliação das usinas nucleares, a resistência de índios e pequenos agricultores no embate contra a transposição das águas do Rio São Francisco, a articulação dos povos da floresta — índios, quilombolas, seringueiros e ribeirinhos — contra o avanço do agronegócio do gado e da soja na Amazônia Brasileira, a luta das mulheres camponesas contra o exército verde da monocultura do eucalipto, o enfrentamento dos ecologistas e urbanistas com a especulação imobiliária nas grandes metrópoles etc.

Aqui, estamos diante do que Martinez Alier denomina de “ecologismo dos pobres” ou “ecologismo popular”, que, nas palavras do autor, tem como eixo fundamental o interesse pelo meio ambiente como “fonte de condição para a subsistência” e como fundamento ético “a demanda por justiça social (e ambiental, acrescentaria) contemporânea entre os humanos”. Esta corrente do movimento ambientalista, por lutar “contra os impactos ambientais que ameaçam os pobres, ampla maioria da população em muitos países” tem uma presença muito forte nos países do Hemisfério Sul (no antigamente denominado Terceiro Mundo).

As lutas com tais características — sócio-ambientais, do ecologismo popular — têm importância fundamental não só para os ecossocialistas, mas para o futuro do planeta. Há nelas uma resistência que, partindo da luta concreta por direitos humanos básicos de moradia, cultura, de modo de vida e de produção, e, também, pelo ambiente saudável, questiona os fundamentos não só do atual modelo econômico, mas, em última análise, investe contra as bases do próprio modo de apropriação privada do sistema capitalista, responsável pelo atual estágio de degradação do ambiente planetário. Nessas comunidades, contrapõem-se não só interesses materiais, mas formas de vida e produção antagônicas.

Portanto, neste momento (mesmo que ainda de forma não-articulada), podem se estar forjando, além das alianças sociais fundamentais para esse processo de transformação urgente e necessário — a Revolução Ecológica —, também as bases sócio-econômico-ecológico-cultural-ético-políticas de uma nova sociedade, que se qualifique para poder superar a atual crise ambiental global para se tornar, a um só tempo, ecologicamente sustentável, socialmente justa e igualitária, cultural e etnicamente diversa, e política e radicalmente democrática: a sociedade ecossocialista.

Estaremos à altura deste imenso desafio?


*João Alfredo Telles Melo é advogado, professor de Direito Ambiental e consultor de Políticas Públicas do Greenpeace


(a imagem acima retrata os Cavaleiros do Apocalipse: Fome, Guerra, Morte e Dor, como apresentada em www.gnosisonline.org/Fim_dos_Tempos/images/apocalipse1.gif )


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www.greenpeace.org.br/transgenicos/?conteudo_id=3232&sub_campanha=0