27 julho 2015

HQs E EDUCAÇÃO


Professor publica tese de Doutorado
em forma de quadrinhos nos EUA*


Nick Sousanis desenhou e escreveu
sua tese Unflattening
Nada como ver sua tese de Doutorado publicada pela editora da Universidade de Harvard, uma das mais tradicionais do mundo, não? Para o norte-americano Nick Sousanis, o feito teve um gostinho ainda mais especial: todo o trabalho foi feito em formato de história em quadrinhos.

Intitulado Unflattening, Sousanis, que agora tem pós-Doutorado em HQs pela Universidade de Calgary, no Canadá, defendeu em sua tese a importância do pensamento visual no processo do ensino e da aprendizagem. "As imagens podem falar coisas fora do alcance da linguagem [escrita] e os quadrinhos têm o potencial de ampliar as possibilidades de comunicação, são como parte integrante do significado como texto, enquanto as palavras são o significante", explicou. 

O pós-doutor não quis revelar a nota que tirou na tese, mas contou que foi o trabalho mais longo que já fez. "Eu passei! Eu tenho o meu Doutorado [agora]", pensou ao ser aprovado. "Fui com minha esposa e filha de três semanas de idade para um passeio no Central Park logo em seguida! Foi um bom dia!", brincou.

Sousanis decidiu fugir dos padrões acadêmicos antes mesmo de ser aprovado no Doutorado em Educação pela Universidade de Columbia. Em 2008, ele aproveitou alguns quadrinhos educacionais que havia feito e entregou para a instituição de ensino como parte dos materiais de aplicação à pós-graduação. "Quando me candidatei, expressei minha intenção de fazer o trabalho [de Doutorado] em forma de quadrinhos. E acho que eu acertei o momento ao fazer isso. Houve mais recepção aos quadrinhos do que nunca", relembrou.

Em 2011, iniciou o projeto Unflattening e tanto os acadêmicos da instituição quanto os produtores de quadrinhos abraçaram a ideia, segundo o ex-aluno. O Doutorado foi concluído em 2014 e o livro publicado no começo deste ano. "Precisamos incentivar esse tipo de alfabetização visual e eu acho que os quadrinhos se prestam bem para fazer isso acontecer."


Cortesia Harvard University Press
"Unflattening é o que o leitor decide o que é", definiu o autor

Unflattening
O nome Unflattening (algo como "desnivelado", em tradução livre) surgiu da vontade do autor de representar ideias e histórias em planos além da linguagem escrita. O objetivo foi valorizar o uso da imagem como forma de comunicação e estimular o leitor a refletir sobre diferentes pontos de vistas.

"Unflattening é o que o leitor decide o que é. Eu uso metáforas visuais e verbais para tornar os conceitos mais acessíveis, mas nunca os simplificando. O texto por si só pode ser um fator limitante e imagens são como parte integrante do significado como texto", detalhou.

"Estou emocionado em ver como as pessoas se envolveram profundamente com este meu trabalho [Unflattening] e como ele já está sendo usado em uma variedade de salas de aula."

Paixão desde cedo
Os quadrinhos o fascinam desde quando ele era bebê. Tanto que "Batman" (!) acabou sendo a primeira palavra que Sousanis falou – seu irmão mais velho lia as histórias em quadrinhos do personagem na época. Já os primeiros traços foram feitos por brincadeira, quando criança.

Apesar da paixão, o jovem trilhou outros caminhos em sua vida acadêmica. Sousanis é matemático por formação. Porém, voltou aos quadrinhos quando começou a trabalhar com artes depois de formado. "Voltei aos quadrinhos em pleno vigor mais tarde. Primeiro, ao fazer alguns quadrinhos políticos e, em seguida, alguns quadrinhos educativos sobre arte e jogos", relembrou.

"Eu gostaria de pensar que o desenho um dia será considerado parte de uma alfabetização vital que não apenas para os sete anos, mas que continue a nos nutrir por toda a vida", acrescentou.


Cortesia Harvard University Press
"Eu gostaria de pensar que o desenho um dia será considerado parte de uma alfabetização vital,
não apenas para os sete anos, mas que continue a nos nutrir por toda a vida"

Na sala de aula
Sousanis acredita muito no potencial dos quadrinhos na sala de aula. Para ele as HQs oferecem um meio distinto e importante para a organização dos pensamentos. Além disso, ele defende que os quadrinhos são importantes ferramentas de comunicação sobre qualquer assunto e em qualquer campo.

"Os méritos da alfabetização com os quadrinhos para leitores com dificuldades têm sido bem documentados. Talvez em algum momento eles não serão apenas formas 'alternativas' [para usar na sala de aula]", afirmou.

*por Bruna Souza Cruz para o portal UOL, em 26/07/15

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"TEMPOS INTERESSANTES"


O sensacional e o normal*




A capa da revista Veja da semana passada (com a data 22/07/2015) foi feita com o objetivo de refletir dias repletos de fatos extraordinários e relacionados que se sucederam no Brasil, em uma sequência quase impossível de ser editorialmente retratada com uma capa tradicional.

Montada como se fosse a primeira página de um tabloide sensacionalista, a capa agradou e surpreendeu os leitores.

Nesta semana foi nossa vez de ser surpreendidos: muitos leitores elogiaram o que pensaram ser uma mudança gráfica permanente da capa de Veja. Sinal dos tempos.

Quando o extraordinário é tomado por normal, o País está mesmo fora dos eixos. Fizemos a capa sensacionalista para pontuar uma semana particularmente nervosa, movida pelo inesperado no centro da vida política brasileira.

O País passa por um período político conturbado, com reflexos paralisantes na economia. Surpresa mesmo será se tudo se acalmar de repente. Toda crise chega ao fim um dia. Esta é, atualmente, a única certeza positiva no cenário.

Mas toda crise, para terminar, tem de ser percebida, enfrentada e vencida. Para vencer sem maiores traumas os períodos instáveis, o essencial é que nunca se perca o horizonte institucional. Não existem soluções fora das instituições.

Os homens públicos sempre podem falhar. As instituições que eles dirigem, no entanto, não contam com esse benefício.

"Que você viva em tempos interessantes", expressão inglesa atribuída duvidosamente aos chineses, tem um significado que só pode ser compreendido quando se conhece a maneira como ela é utilizada.

Pois quando alguém diz isso está rogando praga, torcendo para que, onde você estiver, prevaleça o caos, este notório inimigo do progresso material e espiritual.

Estamos atravessando tempos interessantes, mesmo que não tenham sido trazidos por uma praga. Para superá-los, o esforço de todos tem que ser pela volta da previsibilidade na economia e da transparência, honestidade e confiabilidade na política.

A duras penas nós, brasileiros, conseguimos derrotar a inflação, a irresponsabilidade fiscal e a instabilidade política. É inaceitável que a atual geração no poder nos arremesse de volta àqueles dias trevosos.

As autoridades e políticos, se quiserem, que vivam em tempos interessantes, mas não arrisquem neles a paz e a prosperidade dos brasileiros.


*Carta ao Leitor publicada na Veja com a data 29/07/2015. 
(editor assistente: Eduardo Tedesco)



23 julho 2015

RESPONSABILIDADE SOCIAL


Valores construídos*



A conjuntura social brasileira, levando-se em consideração o campo da educação, sinaliza para a necessidade de se repensar os modelos de relações sociais cidadãs que estão sendo construídos para os jovens. 

Esses modelos põem em cheque valores éticos e morais, e se instalam de modo sorrateiro no tecido social, da forma mais egoísta, individualizada e cruel, sem deixar espaços para o acolhimento, o respeito e às necessidades do Outro.

Assim é que surge a esperança no cenário atual, com a nomeação, para o MEC, do professor de ética e filosofia política da USP, Renato Janine Ribeiro. Convém enfatizar, a emergente necessidade de um “olho clínico” de alto teor cultural, como o do ministro Janine, para agir nesse espaço educacional -- que leva em conta a importância da ética como atitude norteadora do comportamento humano --, principalmente no que tange à preocupação com a formação cidadã de crianças e adolescentes.

Em entrevista recente ao jornal Folha de S.Paulo, o ministro lança proposta ao mundo acadêmico, ao sugerir a prestação de serviços sociais, aulas e atendimentos às comunidades, por estes alunos. Não como serviço obrigatório e, sim, uma espécie de estágio social, a ser definido conforme a área de cada um.

Nesse bojo de inovações, a promessa de incluir formação ética que possibilite o contato de alunos com valores humanísticos, os quais engrandeçam e orgulhem o nosso tempo, tão desassistido de amorosidade com o Outro.

Experiência similar vem realizando a FIEC com o Programa Formação Cidadã, formando rede acadêmica com 25 Instituições de Ensino Superior (IES), dentre universidades e faculdades particulares, com o compromisso de estimular a formação de universitários com a praxis da responsabilidade social, através da cultura de equidade social e princípios éticos. 

Ações essas estendidas aos municípios cearenses Sobral, Caucaia e Aracati. O pioneirismo do programa antecipou-se à iniciativa do MEC em 2004, por ocasião do lançamento do regulamento do novo Sistema de Avaliação Nacional da Educação Superior, por meio da Lei 10861/2004, determinando que as faculdades passassem a desenvolver projetos de responsabilidade social passíveis de avaliação pelo MEC.

Com os resultados alcançados, o Formação Cidadã, conduzido pela diretoria de Responsabilidade Social da FIEC, foi aclamado como tecnologia social exitosa pelo Conselho Temático Permanente de Responsabilidade Social da CNI, e designado como modelo a ser replicado pelas demais federações das indústrias. 

Iniciar programa nesses moldes com as universidades públicas do País faz o MEC ser merecedor de apoio da sociedade, no sentido de formar um batalhão de jovens cidadãos universitários, com visão humanista e sentimento profundo de ser e estar no mundo, conscientes do seu papel na sociedade. 

*A jornalista Wânia Cysne Dummar preside o Conselho de
Responsabilidade 
Social da FIEC-Federação das Indústrias do Estado do Ceará




07 julho 2015

VALORES RENTÁVEIS (?!?)


Dilemas éticos*




Vivemos uma época em que um prato de feijão em casa é mais importante que qualquer ideal e qualquer bem comum

Segunda-feira, estive na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo, para conversar com Eugênio Bucci, Mario Sergio Cortella e o rabino Michel Schlesinger.

Era o começo de um ciclo de debates intitulado "Dilemas Éticos". Eis as notas do que eu disse.

Para mim (e para a maioria dos psicólogos), o dilema é a única forma aceitável de pensamento ético.

Na hora de decidir o que é certo e o que é errado (e eventualmente de agir em consequência), só pensa eticamente quem não segue receitas e escolhe, em seu foro íntimo, soluções, todas insatisfatórias.

Já falei mais de uma vez do trabalho de Lawrence Kohlberg, o psicólogo piagetiano que tentou medir a nossa capacidade de pensar eticamente.

Para Kohlberg, recorrer a "normas" instituídas (ou seja, a qualquer lista do que se pode e do que não se pode fazer) é prova de debilidade moral: só pensa moralmente quem julga por convicção própria, sem se preocupar com as normas.

Será que isso significa que cada um teria seu pensamento ético particular? Kohlberg esperava que não, pois imaginava que existissem grandes princípios nos quais os indivíduos se inspirariam na hora de acionar seu foro íntimo. Quais princípios?

Essa é a dificuldade moderna. Quem julga a partir de normas ou mandamentos não é um indivíduo moral, e a escolha ética é uma experiência singular e autônoma, de cada um. Nessa condição, como encontrar universais éticos (claro, sem ceder à tentação de aceitar princípios instituídos)?

De Kant a Kohlberg ou a John Rawls, os que tentaram responder a essa pergunta chegaram a conclusões parecidas: talvez existam princípios implícitos, que funcionam sem normas instituídas, mas que o indivíduo respeita sem precisar de contratos -- por exemplo, "trate o outro como você gostaria que ele te tratasse".

Nessa altura de minha breve apresentação, mostrei um vídeo em que uma jovem mulher prega seu seio esquerdo numa tábua de madeira. E perguntei: que tal se essa mulher se inspirasse no princípio universal que mencionei e nos tratasse como ela gostaria que os outros a tratassem?

Segundo a nossa premissa, tratando os outros como ela quer ser tratada, estaria respeitando nosso grande "princípio ético universal".

Este pequeno paradoxo serve para lembrar que os princípios universais são sempre fundados no bem-querer dos sujeitos que se acham "normais". Ou seja, o que é vendido como universal é apenas a suposta "normalidade".

Nada grave, salvo que, em geral, o sujeito que se acha "normal" é uma "alma bela", ou seja, uma alma preocupada apenas em parecer nobre, moral e pura aos olhos dos outros e aos seus próprios.

Enfim, a procura por universais éticos levou a modernidade a propor o respeito à vida como um princípio ético universal óbvio e aparentemente incontestável (afinal, se estivermos todos mortos, a ética vai servir para o quê?).

A vida é um valor ético curioso e inédito. No mundo pré-moderno, um valor é aquela coisa pela qual vale a pena morrer. Em outras palavras, é fácil reconhecer os valores (fidelidade, honra, palavra dada, honestidade, fé etc.) porque eles estão acima da vida.

A posição contemporânea, ao contrário, coloca a vida como valor supremo ou como uma condição dos outros valores: algo que custe a vida não tem como ser um valor ético.

Desenha-se assim um leque, entre dois extremos.

Do lado da ética clássica, há um extremo em que a morte é erotizada: meu desprezo pela vida prova que sigo grandes ideais.

É o que pensam os membros de gangues que se tatuam com caveiras, é o que pensavam nazistas e fascistas quando também usavam a caveira para afirmar que seus valores só podiam ser supremos, visto que estavam dispostos a morrer por eles.

Infelizmente para os praticantes desse extremo, o martírio nunca foi uma prova da existência de Deus, ou seja, nossa morte, por mais heroica que seja, não demonstra que nossos valores mereciam que a gente morresse por eles.

Do lado da ética contemporânea, no outro extremo, aceita-se qualquer covardia, pois nenhum valor respeitável poderia exigir que lhe sacrificássemos a vida. A modernidade pretende que os bons valores sejam baratos. Só falta concluir que os bons valores precisam ser, além de baratos, rentáveis.

Nossa época idealiza a vida nua (a sobrevivência). Sem surpresa: é uma época em que o prato de feijão em casa é mais importante do que qualquer ideal e qualquer tipo de bem comum.

*Contardo Caligaris é psicanalista e escritor. Conteúdo
publicado na seção
Ilustrada do jornal Folha de S.Paulo.
Imagem em eHowenespanol.com/
Photodisc/Photodisc/Getty Images


06 julho 2015

INDECOROSA CARNAVALIZAÇÃO


Sociedade violentada*



De nossas janelas gradeadas, todos os dias todos, a violência nos conduz à insegurança e ao medo. São muitas as desculpas e mais ainda as mentiras. O descaso, o pouco-caso ou nenhum caso, a inconsciência, a inconsequência, a essência do mal-estar social. 

Eu mesmo perdi as contas de quantas vezes fui assaltado. Na maioria das vezes por jovens, quase adolescentes, quase crianças, mas sempre bem armados. Nos acostumamos com o tempo, mas a dor dói mais, pois a ferida que não sangra também não sara.

Os criminosos são encorajados por um paraíso de orientações ilusórias de segurança: não reaja, entregue suas armas, entregue tudo, não se meta com eles, finja que não os viu, que não viu nada, finja que vive e respire só se for preciso, e, de preferência, não arrisque, não viva muito, não saia de casa... apenas!

Pior também é ser assaltado diante de/ou por um juiz, cúmplice em nome de uma estranha lei que privilegia quem mente, quem tem dinheiro, quem tem poder, e ainda entender, numa arrogância pedante de escola, que está cumprindo o seu papel, quando, fosse honrado, procuraria um lugar impotente entre as pernas para enfiar seu vergonhoso cabedal de reprimendas e códigos caducos de tempos.

Violada nos é a democracia, achincalhada nos gabinetes, nas câmaras e assembleias por bate-bocas teatrais, pela imposição do voto obrigatório, por caras eleições de indecorosas alianças, pelo sistema único de licitações fraudulentas, pela carnavalização dos interesses mesquinhos em troca de pão.

Pela esbórnia partidária de “destros” e “sinistros” cujo gozo se dá à custa da carne cheia de erupções cutâneas de nossas crianças, pelo Estado capitalista que vende tudo e se vende, e que um dia há de explodir, antes mesmo de assumir-se podre, gordo, a boca escancarada e cheia de dentes cariados de seu deboche e competência em não promover a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

A não erradicação da pobreza e da marginalização, a não redução das desigualdades sociais e das discriminações de qualquer tipo e a não promoção do bem-estar geral. A demorragia é o que impera no País.

Daí, as praças tomadas à espera da sopa e do aguardente, os valores esquecidos, os parques e rios sendo devastados, o rolezinho da cultura do concreto e a majestade do lixo, todo ele, a humanidade inteira de resíduos. 

Uma Fortaleza chinfrim, descoberta, feia e enlameada, de braços abertos e a bunda arrebitada nas coxias, pedindo esmolas "padrão FIFA" – assim como a corrupção –, enquanto em seus terminais de transporte o estranhamento e o medo vêm acompanhados de impossibilidades e da correria histérica em seus túneis e corredores: usuários apavorados, nem eles sabem do quê, tentam preservar o único bem que lhe resta: a vida! 

Sete assaltos por dia nos ônibus da cidade, sem contar os assédios, o trânsito difícil, os perigos de se andar nas ruas. À noite, por conta de incêndios, podem não voltar para casa. Passageiros, homens, mulheres e crianças, chegam aos terminais, mas não vai ter ônibus hoje. 

E quem quer saber? Cansados, catam o fundo dos bolsos. Às vezes, nem pra água dá. Deitam num banco, colocam a bolsa embaixo da cabeça e, porque não conseguem mais chorar, culpam-se por sonhar em como seria bom não ter que acordar para o novo dia.



*Escritor e poeta, o fisioterapeuta Raymundo Netto é
editor-adjunto na Fundação Demócrito Rocha em Fortaleza