11 setembro 2007

SEM ROLHA

Enochatos


No mundo dos vinhos distinguimos, entre as diversas pessoas ligadas ao vinho, o enólogo — que estuda, entende e normalmente é um profissional do vinho trabalhando na sua produção —, o enófilo — que é o amante do vinho, degustador e apreciador, com conhecimentos ou não sobre o assunto —, e o sommelier — que também é um profissional do vinho, encontrando seu lugar nos restaurantes, onde ajuda-nos a escolher o melhor rótulo para uma perfeita harmonização entre seu cardápio e sua carta de vinhos. Mais recentemente, estão aparecendo em profusão os enochatos. Não é difícil identificá-los...

Cada vez mais, este novo termo circula entre os amantes do vinho, designando um espécime em aparecimento que promete grande proliferação no nosso meio. O enochato é um sujeito que toma vinhos com a gente mas abusa, quando tenta mostrar seus conhecimentos adquiridos recentemente, em cursos não muito fidedignos, ou em leituras de revistas especializadas. Com estas munições, aproveita todas as oportunidades para vomitar determinados jargões com pose de expert, prejudicando todo o ambiente simples e agradável que deve ser uma sessão de (degustação de) vinhos.

Você, com certeza, conhece alguns. São facilmente identificáveis e quando falam de vinhos, o fazem de maneira sofisticada, arrogante, demonstrando pouco conteúdo e muita chatice. Nestas demonstrações, saem afirmações pedantes, principalmente quando se referem ao aroma dos vinhos: “Lembra couro de sela”, “Sabe a rabo de raposa molhado”, “Tem algo de suor de cavalo”, “Parece grama cortada” e por aí vai esta seqüência de jóias pedantes e esdrúxulas. Quando falam dos processos de produção do vinho, utilizam expressões tais como: “fermentação malolática”, “maceração carbônica”, “chaptalização” “micro-oxigenação”, “batonage” e outros jargões muito técnicos e pouco entendidos pelos companheiros de mesa. O enochato é um chato mesmo.

Acho que antes de ser um enochato, ele já era chato por natureza em qualquer assunto, querendo ser "o" professor ou "o" entendido — e, no fundo, todo mundo sabe que não sabe nada, pois os que sabem alguma coisa são humildes e modestos. Nesta nova fase dos chatos, em que começaram a gostar de vinho, houve apenas uma ampliação no espectro das suas chatices. São esnobes por natureza, existem com diversas roupagens e deixam-se facilmente identificar. Numa mesa, são eles que vão contradizer os conhecedores de vinho presentes. Além disso, pelos aromas e cores do vinho, são capazes de identificar não apenas a região e a vinícola, mas até a cor da roupa que o vinicultor usava na ocasião em que as uvas foram colhidas e o tamanho do pé do pisoteador das uvas... São além de chatos, esnobes, predicados estes que os transformam também em bobos.

Os leitores que me perdoem este assunto chato, mas é que me deparei outro dia com um espécime desta natureza e não sei ficar calado, principalmente quando acho que posso ajudar um companheiro de vinhos a conviver melhor em suas reuniões enogastronômicas, onde eu também estiver presente.

Mas deixemos os enochatos de lado — eles que vão espalhar chatices em outras plagas! — e vamos nos deliciar com os autênticos prazeres da boa mesa (como vinhos, comidas, harmonizações perfeitas e bons papos, prenúncios de grandes prazeres para depois da mesa — como licores, cognacs, charutos e outros que tais). Saudações vínicas!


*Jorge Cals Coelho é enogastrônomo e escreve aos sábados a coluna Boa mesa (jornal O Povo de Fortaleza/CE)


SAIBA MAIS
http://www.opovo.com.br/opovo/colunas/boamesa