30 dezembro 2015

ESTE QUE PASSA


Um ano para esquecer (ou lembrar?!?)

Vai-te, 2015. Pega o beco, ano ruim. Nas tuas dobras, perdi minha mãe e uma porção de amigos. Quase perco também a fé e a esperança na chama que guia a vida. Quantas más notícias diárias, quantos sustos, quantas decepções, quantos aborrecimentos! 

Por esta época, costumamos riscar o traço de soma e avaliar o balanço dos 365 dias que se foram. Tenho que te dizer, 2015, que a tua nota não foi boa! 

Aliás, foi péssima, nem foste aprovado. O homem lá de cima teve que mexer os seus celestiais pauzinhos para te liberar, pois seria muito esquisito um ano repetir o ano, ainda mais tu sendo o que és. Já pensou se, em lugar de 2016, tivéssemos que te engolir de novo? Dose para leão, não? Para com esse sorriso cínico que a areia na ampulheta está se acabando. 

Não, não te chateies comigo, é que abusaste, meu caro, passaste do limite. Trouxeste contigo uma ruma de canalhas que, somados aos que já estavam por aqui, fizeram desandar o ponto do doce. Presenteaste-nos também com muita reversão de expectativas, a nós, brasileiros, que vivemos de acreditar que amanhã sempre será supimpamente melhor. 

Fizeste-nos intolerantes, brutos e mal-educados nas redes sociais e nos contatos interpessoais, estes cada vez mais raros. Tua lama destruiu um rio e a política nacional. Tornaste-nos amargos, desconfiados, avaros, bem mais que éramos. 

Uma nuvem de teus mosquitos empesteou-nos de moléstias vis. Ah, sim, e também ampliaste a nossa cota de individualismo, mesquinhez e consumismo, besta 
fera maligna.

O que dizes?! “Como é bom colocar a culpa pelos próprios fracassos nas costas alheias”?! Bem, acho que tens um pouco de razão. Como dizia Luigi Pirandello, nós, humanos, lamentavelmente temos necessidade de culpar os outros pelos nossos desastres e as nossas desventuras. 

Tipo eu aqui, já quase te incriminando pela terrível ressaca que ora me acomete. Claro que eu sei, meu chapa, que mais uma vez não cumpri as promessas que fiz quando tu começaste. 

Se vou ou não vou fazer o mesmo com o que se inicia é problema meu. Não, não estou sendo grosso contigo, é porque esse é um direito que me assiste, dá licença? Parece que não conheces a gente. Tiveste esse tempo todo para isso, aprontaste das tuas e ainda queres ser o rei da nossa vontade?

Ficas por aí, zombando da minha cara enquanto teu termo se esvai. Tua hora vai chegar, patife. És apenas uma mercadoria com prazo de validade quase vencido, apodrecendo nas gôndolas do supermercado das eras. 

Não posso dizer que em ti foi tudo um mar de fel, houve mel também. É que, neste ajuste de contas, o primeiro deu de lavagem no segundo. Há quem afirme, com Émile Zola, que "o sofrimento é o melhor remédio para acordar o espírito". 

Se for assim, por tua causa minha alma está mais que desperta. Por trás desse teu riso sardônico, sinto tua respiração ofegante. Tuas mãos, antes tão ocupadas com tantas tragédias, tremem a olhos vistos. 

Já, já tua boca ficará seca e teu coração parará. E a mim, de ilusão em ilusão, só restará tocar o barco adiante.


*Romeu Duarte é é arquiteto e urbanista pela UFC (1985),
Mestre (2005) e Doutor (2012) em Arquitetura e Urbanismo
pela USP. Atualmente é professor adjunto do Curso de
 Arquitetura e Urbanismo da UFC, sendo representante
suplente da instituição no Conselho Municipal
de Patrimônio Histórico e Cultural de Fortaleza.
Imagens em 
www.mtalbertprimary.school.nz e www.afitandspicylife.com