02 março 2015

MEIO AMBIENTE


Quando o dinheiro acaba com a riqueza*


O leitor não se assuste com o título, aparentemente contraditório. É que estive nas férias de início de ano em Bonito/MS, próximo ao Pantanal Matogrossense.

Fiquei encantado com a natureza, a se mostrar exuberante: vegetação belíssima, fauna diversificada, preservada em mananciais e florestas mediante uma consciência ambiental raramente vista. 

Fascinado com esta riqueza, me veio ao mesmo tempo a triste sensação de que locais como aquele deveriam existir, aos milhares, em todo o território brasileiro. Ao invés, assistimos estiagem atípica, que vai além dos limites tradicionalmente impostos pelo semiárido nordestino. 

Mesmo a região Sudeste, abençoada pela Mata Atlântica, apresenta situação na qual a população pena para conseguir o que deveria ter — porque tradicionalmente sempre teve — em profusão: água para beber.

O exemplo de São Paulo é clássico. Na cidade que se orgulha de dizer que “nunca para”, a indústria e o comércio, em nome da expansão indiscriminada das necessidades do capital, exterminaram rios, lagos e reservas florestais, condenaram espécies à extinção, comprometeram o equilíbrio do meio ambiente e transformaram os recursos naturais — a meu ver a verdadeira riqueza, presente divino — num entorno de poluição, onde a convivência entre seres humanos é apenas suportável. 

O dinheiro atropelou esta riqueza, usando como justificativa uma visão de progresso insana.
Em menor grau, os mais pobres, geralmente por ignorância, têm sua culpa no processo de poluição. Mas os mais ricos, teoricamente bem-educados, são os maiores responsáveis, pela produção volumosa de detritos e agentes químicos. 

A natureza, que não faz o jogo do mercado, cobra agora sua conta de outra forma. É lamentável que milhões de pessoas, a maioria carentes, sofram pela ação predatória dos ricos. 

É paradoxal ver cidadãos sem água à beira do Tietê, rio morto em decorrência da ganância.

 “A criação geme em dores de parto”, diz a Epístola de São Paulo aos Romanos (8; 22). O grito da natureza está mais alto e perceptível mesmo aos que não querem ver. 

Gandhi ensina: “A cada dia a natureza produz o suficiente para a nossa carência. Se cada um tomasse apenas o que lhe fosse necessário, não haveria pobreza no mundo e ninguém morreria de fome”. 

O que se espera é que cada um(a) perceba a necessidade da preservação. E que o Estado estude formas de punir responsáveis por este absurdo: aqueles que colocaram o lucro como meta de vida, acima das reais necessidades humanas.


*Vanilo Cunha de Carvalho Filho é diretor-executivo 
da Escola Superior de Advocacia do Ceará.
Publicado em www.opovo.com.br


ENCHEU A SACOLINHA



Só zumbis aprovam volume morto*



Zumbis, como sabem todos que assistem a essas séries tipo walking dead, não pensam, não têm emoções e, literalmente, cagam e andam, meio capengas, para o restante da humanidade viva e pensante. Todos querem apenas sobreviver, isso é certo.

Zumbis e vivos apenas diferem no modus operandi. Aqueles não criam estratégias ou manhas para seus amanhãs. Estes, têm visão da continuidade.

No Brasil, às vezes, como agora, parece que viramos zumbis de vez. Por opção ou despirocação. Os líderes-zumbis do governo dão entrevistas e, à conta-gotas, contam a verdade sobre a crise da falta de água. 

Pode observar as fotos e vídeos. Dizem mais que as falsas palavras. Todos falam com naturalidade do tal volume morto, com garrafinhas de água mineral ao lado para umedecer as bocas secas de mentiras.

E o zumbi-povo quer acreditar porque é assim que a história e a biologia comprovam: ontem como hoje, o gado segue o líder. Nem que ele os leve para o abismo. Somos todos zumbis, brasileiros sem cérebros, lá na cobertura e no porão da desigualdade social.
Choque de realidade não surte efeito em zumbis, de A a Z.

Nem o zumbi classe A vai renunciar ao seu conforto e privilégios, nem o zumbi classe Z vai deixar de lado sua alienação e a esperança de, um dia, virar classe A sem esforço.

Sendo prático e ecossocialista, desculpem-me os socialistas que pararam no tempo em que as questões eram apenas marxistas e econômicas e de esquerda ou direita. O ecossocialismo chegou para lembrar que estamos todos no mesmo barco, essa nau insegura chamada Terra, prestes a naufragar em nossas mesquinharias e ultrapassadas convicções.

Nem Marx, nem Jesus. Apenas a frágil humanidade à deriva no mesmo Titanic. Mas voltemos ao que a bússola do tempo, esse climatempo wébico 24 horas on-line, nos diz, inutilmente, todos os dias: os zumbis, que já estão mortos em vida, vão morrer de novo de sede na praia.

Nos entornos das represas — Guarapiranga, Cantareira etc. — estão milhares de zumbis-povão — como dizem as hipócritas reginas casés, membros da comunidade, usando o eufemismo de favela e passividade — faturando em cima da glamourização favelística. 

Esses zumbis jogam cocô, lixo e cadáveres, diuturnamente, numa boa, nas águas já sujas das represas vizinhas de seus barracos de ocupação ilegal.

Barraqueira, lato sensu, é isso aí: nóis suja mesmo, mas somo inocentes, dotô! E, se insistir, nóis convoca as trocentas ONGs de direitos humanos que faturam para nos proteger e para nos manter assim, porcos na merda, senão elas não têm como sobreviver!

A pergunta de alguns zumbis, tipo eu, com restinho de cérebro, que não podem se calar, é bem simples, bem povão: Quem vai ter coragem de peitar os zumbis favelados? Como tirá-los da vizinhança das represas?

É ilegal eles lá? Sim. Querem mudar? Não.

Mas os zumbis do phoder não se mexem. Eles são cúmplices, hermanos, isso aí, mano.
Pano rápido, vamos olhar os mananciais, as nascentes, onde tudo começa. E já começa mal.

Secando, porque precisam de no mínimo 150 metros de mata, de lado a lado. Mata não, mato comum serve. Os agricultores até já sabem. Porém, zumbis que são, exageram nos agrotóxicos em suas lavouras, para extirpar as ervas daninhas, e são bem-sucedidos até demais. Acabam com a mata ciliar das nascentes.

Como no Brasil ninguém é culpado de nada, estão desculpados. Afinal, aqui todos têm profundo respeito pelo verde. O dólar é verde. E até reais são chamadas de verdinhas.

Daí vem a saia-justa, na falta de camisa-de-força, dos zumbis autoridades (ir)responsáveis: contar que as chuvas torrenciais não alteram o nível das represas. Funcionário público brasileiro é tudo igual: ganha para trabalhar e corresponde trabalhando muito, contra os cidadãos, criando mais burrocracia, mais mordomias, mais propinas e menos eficiência, presteza, meritocracia. 

O funcionário público é uma privada, uma caixa-preta, uma fossa. Quem vai enfrentá-los? Cidadão fica na sua, óbvio, paga o mico e sai com seu papelzinho carimbado. Igual papel higiênico manchado de merda.

Represas como a Cantareira sempre foram abastecidas pelas nuvens de água, ou rios de água produzidos lá nas florestas amazônicas. Acabaram com as florestas, the end para os rios de nuvens de água que, soprados pelo vento, caíam aqui no Sul-maravilha.

Quem vai questionar e enquadrar a poderosa indústria do agronegócio, com suas lavouras predatórias de soja e  cana-de-açúcar e com os pastos de gado? Ninguém, muito menos os zumbis, afrontam esse átila, que por onde passa não cresce grama.

Enquanto isso, os zumbis tomam goles e goles do volume morto, numa boa. Uma nação quase inteira unida no esquizofrênico funk ostentação. Quem precisa de H2O se não faltam cerveja, nem marias-gasolinas e nem esmolinhas sociais?

A minoria com cérebro, acossada, cercada, politicamente incorreta, nem chora para não desperdiçar água. Perdeu, perdemos, playboy.

Sem água não há energia elétrica nem futuro nem vida, se é que isso que está ocorrendo pode ser chamado de vida. Pelas leis da biologia, da física e do bom-senso, a tal da vida é apenas um rio que corre sem parar. Estas leis foram revogadas pelos zumbis-políticos, petralhas ou não, atendendo aos seus eleitorados zumbis.

Brasileiro virou (ou já era assim?) versão tupiniquim de terrorista árabe. Homens-bomba sorridentes e mulheres sem burcas. Por fora, belas violas; por dentro, pães bolorentos.

No céu de Alá dos trópicos não nos esperam sete mil virgens, felizmente, ufa. Apenas piriguetes siliconadas. E, tomara, fartura de água. Podre, suja. Ninguém vai reclamar, claro.

Estamos acostumados e acomodados ao inferno mixuruca daqui debaixo, oras bolas.
Fazemos uma selfie, pagamos o dízimo, tomamos um antidepressivo e vamos pular no bloco de carnaval Zumbis Unidos Jamais Serão Vencidos.

Volume morto não é a questão, nem a pergunta principal, nem a solução. Volume morto somos nós todos. Zumbis com, minoria, ou sem cérebro, maioria.

A lamentar, se fossemos sinceros, que hoje não vai dar para assistir ao BBB nem sair para a balada!

Vamos todos protestar no Facebook. Nas ruas não, que é perigoso. Elas são dos PCCs e dos black-blocks e dos sindicatos pedindo aumento de salários, e nunca de melhorias dos serviços prestados. Curtiu?

Já encheu a sacolinha!
E eu, boboca sempre pré-ocupado com os animais e a natureza, também sofro da síndrome do saco-cheio com essa história das sacolinhas de supermercados.

Como sou também dublê de dona-de-casa atualizada e atenta aos imperativos ecológicos destes tristes tempos nestes tristes trópicos, ouço e converso muito com a mulherada durante as compras. Dicas de culinária, banalidades em geral, e até ocasional papo-cabeça.

Infelizmente, tive de deixar de lado o assunto das sacolinhas. A maioria das consumidoras lamenta e detesta o fim desse conforto que é enfiar as compras em mil saquinhos plásticos e depois jogar fora para poluírem os bueiros, os esgotos, os rios e os mares. 

A maioria é gente boa de milhões de amélias que cuidam bem do lar, mas não estão nem aí para o lar de todos, a nossa Terra. Zelam pela família, mas não incluem nela os peixes e outros animais marinhos que irão morrer, engasgados e sufocados, pelas malditas embalagens descartadas.

Como Freud, desisti de entender as mulheres, ao menos estas alienadas que vejo e observo fuçando as prateleiras. Só não desisti é de protestar contra os governantes, autoridades e funcionários públicos (aqueles burrocratas que nos atendem para nos ferrar e justificar seus carguinhos e o cartaz que diz que não se pode ofender funcionário público), que superam os cidadãos consumidores em hipocrisia e miopia ambiental.

Até quando acerta, esse bando erra feio. Primeiro, proibiram as sacolinhas. Ok, foi gol, na trave. Os supermercados faturaram pacas em sacolas retornáveis e se livraram de uma despesa.

Daí entrou o lobby dos fabricantes e as nefandas camisinhas de comestíveis voltaram.
Não ouvi ninguém reclamando, só elogiando. Por isso calei minha boca grande diante de minhas amigas sofredoras, digo, consumidoras. A quase ninguém ocorre ter pouco mais de trabalho para muito ajudar o planeta.

Apenas uma senhorinha, até hoje, me apoiou: certo seria não comprar latinhas, mas levar as garrafas de cerveja e encher o caneco; ter sua própria sacola ou carrinho no leva-e-traz; não comprar mais que o necessário, e por aí vai. Não resolve, mas alivia a barra do planeta.

Agora, as otoridades aqui em Sampa botaram o prego no caixão: só usaremos sacolinhas verdes. Traduzindo: sacolinhas feitas de cana-de-açúcar. Segundo os FDPs (filhos da prefeitura), elas suportam até três garrafas pet cheias, anunciaram com orgulho.

Seria de rir, não fosse pra chorar: lucra a lavoura canavieira que, com aval verde, avançará sobre as matas nativas; lucra a indústria das garrafas pet, que esmerdeia as águas; lucra o político demagogo. Só não lucra o meio ambiente.

Ah, sim, lembrei: não estou atacando os petistas, nem aecistas, nem quejandos. Pelo que também vejo, ouço e converso nos supermercados das ideologias, o tema do ecossocialismo é tabu. Das sacolinhas, então, nem se fala.


O Rio das Tripas e o Tietê
Mais que a vida real, a História e a Poesia nos ensinam, cada uma à sua maneira. Aquela, pelos fatos; esta, pelas emoções. E, bem recentemente, as três se juntaram para me dar uma preciosa lição.

Fui assistir ao belo espetáculo Por Um Rio, projeto da poetisa Ieda Abreu. São poemas escritos nos últimos 200 anos sobre o Rio Tietê. Águas limpas se transformando em esgoto a céu aberto, diante do olhar, ora apaixonado, ora estarrecido, de nossos poetas paulistanos.

Depois, lendo sobre a colonização do Brasil, perdi o sono de vez. Por causa do pesadelo vivido pelo Rio Tietê. Mas principalmente por um seu ancestral, o Rio das Tripas.

Voltemos a 1551: finalmente o Brasil ganhava uma cidade de verdade, em Salvador, Bahia.
A água para se beber (tomar banho não, que portugueses colonizadores e brasileirinhos não eram chegados nisso, exceto os índios) era mui farta, graças a um belo rio que contornava a recém-nascida capital.

Só que as “otoridades” da época construíram um matadouro de gado. E as vísceras bovinas eram jogadas no rio. Daí ele ficou conhecido como Rio das Tripas.

Era costume jogar o lixo doméstico (inclusive o conteúdo dos urinóis) nas ruas, mas as "otoridades" proibiram e eles passaram a ser jogados no pobre Rio das Tripas.

Para piorar, as tropas de mulas com mantimentos e mercadorias que chegavam ao povoado tinham de atravessar o rio. Havia verba para a construção de algumas pontes, que nunca saíram do papel porque o dinheiro foi roubado (bem diferente de hoje, né?).

Resultado: apenas dois anos depois, os moradores não podiam mais contar com o Rio das Tripas, apodrecido, e tiveram de cavar poços.

Como se viu e se vê, o Rio Tietê faz parte de uma linhagem maldita de rios emporcalhados há séculos. E não adianta a História e a Poesia contarem e cantarem essa tragédia. O Brasil está surdo ao clamor das águas.

*Ulisses Tavares é poeta, historiador e ambientalista.
Só toma água mineral, mesmo assim com relutância
e culpa. I
nspirado no filósofo ateniense Zenão,
prefere não falar com reis, mas com quem o entende.
Zenão repartia seu alimento e sabedoria com os cães
de rua. Coisas de poeta. M
istura de Tietê e Tripas.
Imagem em 
http://nathazlab.blogspot.com.br