31 agosto 2011

AS TIRIRICAS

Esse nome não me é estranho*


Há cerca de 20 anos tive o privilégio de conviver com Orlando Villas Boas enquanto trabalhei num livro sobre ele e seu irmão Cláudio. Passei muitas horas em sua casa, abrindo caixas e envelopes, revendo fotos e documentos e ouvindo histórias e mais histórias de um dos brasileiros mais importantes de todos os tempos.

Orlando era uma figura fascinante. Seu delicioso senso de humor e memória prodigiosa hipnotizavam a todos com as histórias dos anos em que permaneceu nas selvas brasileiras como indigenista. 


Os irmãos Villas Boas tornaram-se respeitados no mundo todo e deixaram um legado precioso para o Brasil. Quando Orlando faleceu os índios perderam um pai. E ganharam dezenas de padrastos.


Escrevi estas linhas no calor das discussões sobre a demarcação das terras indígenas na fronteira entre o Brasil e a Venezuela. E em meio ao bate-boca, me lembrei especialmente de uma das conversas com Orlando, quando lhe perguntei do interesse que estrangeiros teriam sobre as regiões demarcadas para os índios.
 


O velho sertanista contou que havia muitos anos o fluxo de estrangeiros na região era intenso. Que dezenas de “pastores”, com a desculpa de realizar trabalhos humanitários, estavam mapeando nossas riquezas. Em determinado momento ele disse mais ou menos assim:
 


— Luciano, sabe o que vai acontecer? Esses ‘pastores’ vão levar jovens índios para o exterior. Vão educá-los e formá-los para que sejam os novos líderes em suas tribos. E quando retornarem ao Brasil esses líderes começarão a requisitar novas terras e a se organizar. Conseguirão demarcar reservas gigantescas e logo formarão uma ‘nação’ que pedirá sua independência. E a ONU reconhecerá essa independência. E então eles terão toda facilidade para negociar as riquezas com os ‘pastores’ que os educaram.


 Ouvi isso mais de vinte anos atrás, mas fiquei tranqüilo. Afinal, quem me contava era Orlando Villas Boas. Alguém haveria de ouvi-lo. Ele tinha trânsito no governo, respeitabilidade e credibilidade. Jamais passou por minha cabeça que Orlando, como tantos outros, era considerado por quem detinha o poder como “apenas um técnico”. 


Não tinha mais força política para se fazer ouvir e provocar mudanças reais. Não estava incluído nos círculos “estratégicos”do poder. Quem o ouvia, quem o respeitava, quem o admirava não tinha poder. Orlando era apenas um conselheiro...


 Mais de duas décadas depois, suas previsões chegam perigosamente próximas da realidade. Um grupo de pessoas contaminado por uma perigosíssima mistura de ideologia com comércio — não se sabe bem qual a serviço de qual — está mudando o Brasil. 


Nas mãos desse grupo, temas como ecologia, pesquisas com células-tronco, controle populacional, erradicação da miséria, educação, energia alternativa, liberdade religiosa, integração racial e tantos outros assuntos importantes são ferramentas para conquista ou manutenção do poder.


 Esse grupo tem voz ativa. Pauta a mídia. Manipula a opinião pública. E, quando isso acontece, dá no que dá: os técnicos, como Orlando Villas Boas, só são ouvidos se servirem aos objetivos do tal grupo. Então são exibidos como ícones, como os sábios que tranquilizam e mostram o acerto das políticas e estratégias adotadas.
 


Mas se não servirem, são tratados com falsa reverência, homenageados, aparentemente respeitados e isolados. A sabedoria de suas palavras vai-se com Pôlo, o deus indígena do vento. E ficam as Tiriricas, as deusas indígenas da raiva, do ódio e da vingança.

E aí é a isso que você está assistindo.



*O jornalista multimídia Luciano Pires combate com todas as armas da Comunicação por um Brasil despocotizado.

SAIBA MAIS


..."O menos que um escritor pode fazer, numa época de atrocidades como a nossa, é acender a sua lâmpada, fazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão, propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos."          Erico Veríssimo, em sua época

26 agosto 2011

COMO É SER VOCÊ

No arco-íris da manhã





MUTANTES -- MENSAGEIRO


Toda essa confusão que quebra a sua cabeça
A vida pela frente e tanta indecisão
Pra onde você vai?
Como é que é ser você?
Andando nua pelo fio da navalha
E eu te vejo do outro lado do espelho
Enquanto se despe
Da sua solidão
Pra onde é que você vai?
Aonde é que se esconde?
Qual a resposta pra pergunta nesse seu olhar?
Qualquer que seja, ali vai me encontrar
Eu sou o mensageiro
Eu trago o Sol nas mãos
Eu sou como o vento
Que te acorda do teu sonho sem cor
No arco-íris da manhã
Sei seus segredos
Dos teus desejos, dos teus medos sorrio
Eu sou o corvo negro
Sonho o teu sonho
No arco-íris de amanhã.

19 agosto 2011

CANÇÃO DA TERRA

Doi ver o mundo assim





Este vídeo recebeu o prêmio Le Film Fantastique (Melhor Clipe) em 1996, tendo sido indicado no ano seguinte ao Grammy Awards. 

 Trata-se de Earth Song, composta e interpretada por Michael Jackson. 
Clique > para assistir, em versão legendada.



16 agosto 2011

EUA: COMPLEXO MILITAR-ACADÊMICO

 Forças Armadas na América Latina*



A militarização imperialista na América Latina tem se expressado historicamente de maneiras diversas, mas sua essência permanece. 

Tanto nas novas como nas velhas formas, o objetivo foi e continua sendo o mesmo: obter a dominação e a exploração dos povos. Isto é particularmente válido em um período de crise sistêmica como o que estamos atravessando, quando, mais que nunca, o poder imperial precisa descarregar sobre os povos as consequências da crise, fazendo com que as políticas de dominação assumam contornos brutais.

É de todo importante conhecer as formas renovadas que o projeto imperial assume para poder denunciar seus planos e enfrentá-los. Com essa finalidade, convém concentrar a atenção em dois documentos elaborados nos últimos anos que orientam as ações das forças armadas dos EUA: são eles a Visão Conjunta 2020, VC2020, (Joint Vision 2020), emitido pelo Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas dos EUA, no ano de 2000, e a Estratégia do Comando Sul dos EUA 2018 (United States Southern Command Strategy 2018), preparado pelo Pentágono em 2008.


O núcleo do primeiro documento é a doutrina da dominação de espectro completo — Full Spectrum Dominance —, orientada para proteger o que se denominam “os interesses globais e as responsabilidades dos EUA” na nossa região e no resto do mundo. Segundo a definição, a "dominação de espectro completo" é “a capacidade das forças dos EUA, operando unilateral ou conjuntamente com aliados multinacionais ou forças inter-agências, de derrotar qualquer adversário e controlar qualquer situação em qualquer lugar do mundo”.

Isto inclui conflitos com emprego de forças estratégicas e armas de destruição em massa, guerras em teatro de operações convencional, conflitos regionais e contingências de menor escala, como situações ambíguas que caem entre paz e guerra, tais como as operações para manter e reforçar a paz, a ajuda humanitária e o apoio às autoridades locais. 



Sem subterfúgios, estão a nos advertir sobre o que poderemos esperar das guerras imperialistas do século XXI: uma ação global desdobrada em todos os domínios, no especificamente militar, com seu poder letal, mas também no plano político, econômico, ideológico e cultural, sem limitação ou condicionamentos jurídicos e morais de nenhuma espécie. Não se trata de uma simples ameaça, pois é exatamente o que estão fazendo com a Líbia.

Se alguém ainda duvida de suas intenções, a VC2020 explicita: “Para que nossas forças armadas sejam mais rápidas, mais letais e mais precisas em 2020 do que são agora, devemos continuar investindo e desenvolvendo novas capacidades militares”. Para isso o orçamento de guerra dos Estados Unidos cresce cada ano e na atualidade equivale à soma do orçamento militar dos demais países do mundo.


No atual contexto estratégico mundial, os EUA se percebem como um sheriff global. Por isso, afirmam que suas forças conjuntas devem estar preparadas para se projetar e atuar em qualquer lugar do mundo, aptas a conduzir operações rápidas e sustentáveis, dispondo de liberdade para operar em todo o planeta, seja no espaço, mar, ar, terra ou na área de inteligência.

Isso é exatamente o que propôs a recente cúpula da OTAN, realizada em Portugal, em novembro de 2010, onde proclamou-se o papel global dessa aliança agressiva encabeçada pelos EUA.

No segundo documento mencionado, a Estratégia do Comando Sul dos EUA 2018, são concretizados os conceitos de VC2020 como objetivos estratégicos do governo dos EUA para a América Latina e o Caribe. Vale a pena analisá-lo para se precaver e estar preparado para atuar. É um desafio que propomos aos leitores e que excede os limites deste artigo.


(Texto extraído do documento apresentado por Rina Bertaccini* à Mesa Redonda n.º 7 / O Complexo Acadêmico-Militar dos EUA e suas Relações com a América Latina, promovida no V Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa, realizado em Fortaleza, no Seara Hotel, de 8 a 10 de agosto de 2011)
(versão em Português: Olga Benário Pinheiro para conteúdo publicado no jornal O POVO em 20.08.2011)

*Rina Bertaccini é engenheira, geógrafa, presidente do MOPASSOL-Movimento pela Paz, Soberania e Solidariedade entre os Povos (sediado
na Argentina), vice-presidente do Conselho Mundial pela Paz e colaboradora do Observatório das Nacionalidades 
www.nacionalidades.ufc.br

(Imagem de Barack Obama em 
http://southasiarev.wordpress.com/2010/11/page/2)   









14 agosto 2011

NADA SERÁ COMO ANTES

Os zoiudos*

Comprei um Kindle, o leitor de livros eletrônicos da Amazon, e comecei a baixar os livros que eu queria. Uma experiência fascinante! Descubro o livro e em três minutos tenho-o em mãos! Mas logo percebi que algo estava faltando...

Veja só, até hoje a experiência de consumo de bens culturais utilizava visão, audição, tato, olfato e – às vezes – paladar. Mas a tecnologia tem feito com que a visão e a audição sejam mais e mais utilizadas, as mensagens vem de todo lado, até meu carro fala! Mas o tato está acabando. O olfato também. O paladar, bem talvez não se aplique.

Passei a sentir falta daquela sensação de chegar em casa após um dia de trabalho e abrir a porta, ansioso pra ver um pacotinho da Amazon em cima da mesa. A cada dia uma ansiedade, até que o pacote chegava e eu pegava nas mãos o livro comprado três semanas antes, sentia o peso, a textura do papel, o cheiro de tinta, o brilho das ilustrações... Que delícia!

E a experiência de sentar no chão da livraria, ali naquela prateleira esquecida e ficar por horas pesquisando os livros mais escondidos? O cheiro de poeira, o frio no estômago ao achar aquele livro daquele autor que você procurava há tempos?

E a sensação de abrir a caixinha do CD ou DVD, pegar o disquinho na mão e enfiar o dedo no furinho antes de colocar no tocador? E aquela saboreada no encarte? E o “vou na locadora”, onde eu não sabia que novos filmes encontraria e às vezes tinha surpresas maravilhosas?

Tudo isso está acabando, superado pela modernidade. Em vez do livro, do CD ou do DVD, temos “bytes”, que são mais rápidos, mais baratos, não ocupam espaço, uma maravilha! Mas “bytes” não têm peso, não têm cheiro, não têm gosto, não têm brilho. Só chegam aos nossos sentidos quando transformados em imagens e sons. Em breve, talvez comecem a se transformar em cheiros e gostos, mas e o tato?

Já passamos por um processo parecido quando o e-mail acabou com as cartas que o carteiro entregava e que nos davam aquela alegria imensa de saber que alguém, em algum lugar, havia transformado um pedaço de papel e um pouco de tinta numa obra de artesanato, especialmente pra nós... O e-mail não dá essa sensação.

E antes que você saia me rotulando de saudosista, saiba que nada disto tem a ver com saudades e sim com a perplexidade de testemunhar uma daquelas profundas mudanças que alteram o eixo da humanidade.

Então concluo, baseado no que aprendemos com a Teoria da Evolução, que o uso excessivo da visão e da audição fará crescer os nossos olhos e orelhas. E diminuirá nossos narizes, bocas e músculos. Teremos dedos mais finos e frágeis. O ser humano será zoiudo e orelhudo.

Isso é ruim? Não sei, não estarei lá pra ver.

Mas que é estranho, ah isso é.


*O jornalista e palestrante Luciano Pires milita no combate à "mentalidade pocotó" que assola o País — e o mundo 


SAIBA MAIS
www2.lucianopires.com.br


09 agosto 2011

VIDA NOSSA, ESSA

Brasileiro: tão bonzinho!



Honestamente, nunca imaginei que tantas coisas positivas acontecessem ao Brasil nas últimas décadas. Ou melhor, pensei que as coisas mudassem para melhor logo após o final da ditadura militar, mas os primeiros governos civis foram frustrantes, com resultados pífios.

Entre as boas surpresas, destaco o sucesso no combate à inflação, o CDC-Código de Defesa do Consumidor e suas consequências, a redução da pobreza e a ascensão das classes C e D.

Confesso que esperava muito mais das agências reguladoras, e que é triste ver os brasileiros ansiosos por bons serviços públicos, submetidos a apagões de energia, a aeroportos mal administrados, a telefonia móvel de má qualidade e acesso à banda-larga idem.

A continuidade do poder absoluto do sistema financeiro é outra pedra no sapato do consumidor.

Nos últimos anos, com a valorização do real ante o dólar e a ampliação dos consumidores com alguma renda, enfrentamos outro fenômeno preocupante, que poderá desfazer parte da inclusão social: o encarecimento do País.

Especialmente em São Paulo e em outras grandes cidades, pagamos preços absurdos, extorsivos, quase inacreditáveis, por um prato de macarrão, pelo estacionamento do automóvel, por serviços em geral.

Estamos longe de contar com uma boa distribuição de renda. Há mais empregos formais, mas somos, em média, muito mal remunerados. É verdade que um empregador que pague R$ 2.000 para um profissional destina outro tanto em impostos e taxas ao governo.


Há vários fatores que condicionam a elevação de preços: alta carga tributária; especulação livre e desenfreada; crescente oligopolização da economia nacional; falta de mobilização dos consumidores.


Esqueçamos, por um instante, os três primeiros itens. Afinal, dificilmente mudarão no curto prazo, ainda mais sem ações concretas dos três Poderes para que isso ocorra. A mobilização, contudo, cabe a nós.

Por que não brigamos pelos nossos direitos? Por que não usamos nosso poder de fogo, como consumidores organizados, para boicotar, por exemplo, as empresas de estacionamento que nos cobram, em São Paulo, R$ 30 por três horas de “serviços”?

Porque podemos pagar. E também para não quebrar nossa rotina de imobilismo. Somos capazes de sair às ruas para protestar contra o fraco desempenho da seleção brasileira em campo.

Mas não nos dignamos a comparecer a uma esporádica reunião de condomínio do prédio, que decidirá, entre outras coisas, o reajuste da mensalidade cobrada pelos serviços prestados no edifício em que moramos.

Enfrentamos uma longa espera em um restaurante da moda, pagamos muito caro por um prato mais ou menos, e por um serviço de má qualidade, sem nenhum questionamento. Porém, se boicotássemos aqueles que abusam dos preços — sem nenhum espírito dos antigos "fiscais do Sarney" —, a situação mudaria. Mas, não, se há como pagar, que se pague.

Imóveis dobraram de preço. Nossos automóveis são caríssimos e não dispõem de itens de segurança para lá de básicos em países desenvolvidos. As tarifas de luz, de água, de telefone e de banda larga estão entre as mais salgadas do mundo.

Apesar disso, nem nos damos ao trabalho de avaliar, periodicamente, o trabalho dos políticos que elegemos. Na maioria das vezes, esquecemos os nomes dos candidatos nos quais votamos.

A cidade de São Paulo, uma das mais ricas do mundo, uma cornucópia de geração de tributos em todos os níveis de governo, está à matroca. Ruas esburacadas, trânsito infernal, transporte coletivo ruim, tudo isso permeado por apagões e por uma poluição insana, nos dias mais secos do inverno.

Assistimos a tudo como se fosse um filme ruim, de um Freddy Krueger que nos ameaça impunemente.

Ou nos mexemos, ou em breve tudo custará o dobro, porque quem cala, e aceita quieto, consente.

Como dizia uma personagem de humor, com sotaque norte-americano, "Brasileiro, tão bonzinho!".


*Maria Inês Dolci é coordenadora institucional da ProTeste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor) e colunista do jornal Folha de S.Paulo (caderno Mercado). Imagem em http://media.photobucket.com