09 dezembro 2013

GÁS DE XISTO NO BRASIL


Problemas que se avizinham*


Foto de região com exploração de gás de xisto nos EUA

Na última quinta (5/12), houve uma excelente audiência pública, convocada pela Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, para discutir a exploração de “gás de xisto” no país, cujo pontapé inicial foi dado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) na semana retrasada, após malandramente dar um “drible da vaca” no Ministério Público Federal (saiba mais).

Diferentemente da audiência ocorrida alguns meses atrás no Senado, esta contou com representantes da área ambiental do governo federal (Ministério do Meio Ambiente e Agência Nacional de Águas), além dos representantes da ANP e da Petrobrás (grande vencedora do leilão da semana retrasada). Contou ainda com representantes da academia e da sociedade civil organizada, o que ajudou a qualificar o debate.

O representante da ANP fez duas correções semânticas ao debate que vem ocorrendo na sociedade. A primeira, de que na verdade se trata de “gás de folhelho”, e não de “xisto”, como vem sendo impropriamente falado por nós, leigos. São duas formações geológicas distintas e todos deveríamos saber disso. O geólogo Luiz Fernando Scheibe, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no entanto, nos tranquilizou: embora seja verdade que a formação na qual será usado o faturamento hidráulico (fracking) no Brasil é o folhelho, o termo “gás de xisto” já se popularizou e não há porque abandoná-lo. O importante é que todos saibamos sobre o que estamos falando.

E foi nesse ponto que a segunda correção semântica trazida pela ANP desperta alguma preocupação. Foi afirmado na audiência que a licitação ocorrida prevê que o ganhador da concessão de cada bloco tem direito (e o dever) à “exploração” do gás de xisto, mas que esse termo, no jargão dos petroleiros, não tem o mesmo significado da linguagem comum. Exploração significaria, na verdade, “pesquisa”. Retirar o gás seria, na verdade, “produção”. Segundo Luciano Teixeira, da ANP, essa exploração é necessária para que tenhamos dados das bacias sedimentares nas quais se localiza o gás de forma a, daqui a uma década, poder decidir-se sobre sua efetiva produção.

Por alguns minutos vários respiraram aliviados: estaríamos, felizmente, fazendo uma tempestade num copo d'agua? Estaríamos apenas na fase de pesquisas, coleta de dados, para tomar uma decisão madura mais adiante? Todos esses bons sonhos desapareceram quando uma questão singela foi feita ao advogado da ANP presente à audiência: se estamos tratando apenas de pesquisa, uma vez encontrado o gás e tomada a decisão de que é possível explorá-lo (ou produzi-lo), terá de haver novo leilão? Não. Então terá de haver uma nova autorização pela ANP para a produção? Sim. Essa autorização pode ser negada pela ANP em função dos riscos ambientais mesmo que exista gás no bloco concedido? Não se sabe.

O fato é que os concessionários ganharam o direito à exploração, desde que exista o gás, obviamente. Não tem nada no edital que diga que eles vão simplesmente fazer pesquisas e levantar dados para, em algum momento do futuro, saber se poderão produzir. O leilão ocorreu como todos os anteriores, na regra vigente: se há gás, é teu e pode usá-lo. Se o edital tivesse tido o cuidado de dizer que, nesse caso, não há direito adquirido, que a produção do gás não convencional está sujeito a outra autorização, futura e incerta, boa parte dos problemas poderiam ter se resolvido. Só que não foi assim. Tanto que o advogado da ANP admitiu que, caso a agência não dê autorização para a produção, os concessionários poderiam ter “algum sucesso” em ações de indenização por lucro cessante. Ou seja: a sociedade pagaria a essas empresas para que elas não colocassem os aquíferos de água em risco!

Esse é apenas um dos riscos que se avizinham, o financeiro. Mas o que assusta mesmo são os riscos ambientais e, consequentemente, sociais. Embora os representantes da ANP e da Petrobrás tenham tentado minimizar os impactos desse tipo não convencional de exploração de gás, eles são óbvios, e muito bem documentados. Foi dito que hoje já se faz fraturamento hidráulico em explorações “convencionais”, para “estimular” a produção, o que tornaria a técnica corriqueira. Só que não foi dito que, nas explorações convencionais, feitas em bolsões de gás, os poços são espalhados em alguns quilômetros de distância um do outro, e duram vários anos no mesmo lugar. Já na exploração do xisto, não só o processo de “estímulo” é muito mais severo, como os poços são muitíssimo mais próximos uns dos outros. E, além disso, como a produção declina em poucos anos (o pico ocorre até o segundo ano), essa é uma exploração itinerante, que precisa se deslocar com frequência, criando uma paisagem como a mostrada na foto abaixo, de uma região em exploração nos Estados Unidos.

Isso faz com que os problemas convencionais da produção de gás se multipliquem em muitas vezes, e o principal é a contaminação de água. O professor da UFSC, estudioso do aquífero Guarani, deixou claro que a exploração intensiva com fraturamento hidráulico (injeção de água misturada com areia e químicos, a altíssima pressão, nos poços perfurados) pode não só criar novas, como reabrir fraturas naturais existentes na rocha que permitiriam o gás entrar em contato com a água, contaminando as reservas subterrâneas. 

E isso pode ocorrer não só no aquífero Guarani, mas em diversos outros aquíferos situados na área de influência dos blocos leiloados, tão ou mais importantes para o uso humano que aquele.Não há porque o Brasil se aventurar nesse tipo de exploração apenas porque os EUA já o fazem. Nossa situação é muito distinta. Temos muitas outras fontes, muitas delas subaproveitadas. Em vez de importar uma tecnologia altamente impactante, poderíamos investir todo esse esforço em desenvolvimento nacional de tecnologia solar por exemplo. 

Mas, independente disso, precisamos de estudos sistematizados para orientar onde e como seria possível a exploração. Uma moratória e a criação de um espaço público para análise e discussão dos dados, que levem a uma Avaliação Ambiental Estratégica, são fundamentais.

Para ver as apresentações feitas na audiência da semana passada, clique aqui.



*conteúdo publicado por Raul do Valle no Programa




ATENÇÃO AO GREENWASHING!


Como identificar falsos
produtos sustentáveis*



Rica herança histórica e cultural do rio Bagmati em Kathmandu, capital do Nepal,
ameaçada pelo empreendedorismo humano, que o tornou um depósito de lixo 


Diante da crescente preocupação com a interferência do homem no meio ambiente, o mercado ecossustentável, em todas as suas formas, vem atraindo a atenção dos consumidores. 

O problema é que este crescimento não vem sendo aproveitado da maneira necessariamente devida por todas as empresas. Essa prática é conhecida como greenwashing.

O termo em inglês refere-se a falsos benefícios ambientais oferecidos por empresas de produtos ou serviços, uma espécie de máscara colocada nos rótulos para induzir a compra, de forma enganosa. Como não cair neste erro?

Foi pensando nisso que a TerraChoice criou um relatório dos "pecados" cometidos quando o assunto é greenwashing (veja lista abaixo), que funciona desde 2007 como um manual para a prevenção destas práticas.

“Como o consumidor ficou muito sensibilizado com as questões ambientais e éticas, a forma como uma empresa gerencia seus impactos tornou-se um dos pontos que trazem reputação para a marca no mercado”, ressalta Natalia Pasishnyk, consultora sênior da Keyassociados.

Característricas genéricas como "verde", "natural", "sem produtos agrotóxicos” também podem ser utilizadas de maneira imprecisa.

“O falso sustentável pode ser reconhecido pela ausência de informações críveis no rótulo do produto, tais como ausência de selos de certificação de origem orgânica, comércio justo ou outra forma de rastrear a cadeia produtiva daquele bem", esclarece Clarissa Lins, sócia-fundadora da Catavento Consultoria em Gestão e Negócios em Sustentabilidade.

Outra forma de tentar enganar o consumidor é financiar ONGs com atividades ambientais para esconder que a marca promove impactos pesados, como desmatamento e poluição. Desta forma, as atenções se voltam para a boa prática, deixando as políticas incorretas em segundo plano. Em todos os casos, o marketing é a maneira mais fácil de induzir o consumidor ao erro.  


Rio Bagmati, em local próximo a Thapathali:
problemas para definir e penalizar o(s) culpado(s) 

Veja a seguir algums regras básicas para não cair nas mentiras do mercado:


1. O custo ambiental camuflado

Ocorre quando a empresa até resolve um problema ambiental, mas a sua ação acaba acarretando outro problema, sendo necessária uma escolha do consumidor. Ou, mais grave, a marca prefere abordar uma questão ambiental em detrimento de outras, muito mais sérias. “Por exemplo, uma indústria intensiva em poluição do ar afirma que usa papel reciclado nos seus escritórios, mas evita falar dos principais impactos causados por sua atividade”, explica Natalia, da Keyassociados.

2. A falta de provas

De que adianta a empresa trazer afirmações ambientais que não têm respaldo de provas ou certificações? Em alguns casos, a empresa até reconhece seus principais impactos, porém de maneira que não permite que o consumidor entenda o contexto e a escala do problema. “Aqui a marca informa que reduziu as emissões de gases de efeito estufa em 10 mil toneladas, sem dizer o que isso representa de fato”, destaca Natalia.

Muitas empresas usam essa estratégia. É bastante fácil colocar uma palavra que remeta a algo ecossustentável. Mas se o termo não fizer sentido, de nada adianta usá-lo. Por exemplo, empregar a palavra “natural” pode se referir até ao urânio e ao mercúrio, que também são naturais, apesar de danosos. “Normalmente, esse pecado aparece para distrair a atenção do consumidor, usando-se algumas palavras genéricas que fazem sentido apenas em certos setores, como um 'verde' vago”, diz Natalia. É preciso ter uma explicação junto com o termo usado.

4. Culto a falsos rótulos

Este é um dos pecados mais usados pelos marketeiros. A marca cria uma falsa imagem, dando a entender que aquele produto tem certificação como "produto verde". Cuidado para não confundir um selo de certificação de um programa ambiental da própria empresa com os que são promovidos por entidades reconhecidas no mercado.

5. Irrelevância

Quando ler algo nos rótulos sobre um problema ambiental, sempre questione se a afirmação é realmente substancial. Não adianta alegar que um produto é "isento de CFC", quando isso já é proibido por lei, por exemplo.

6. O menor de dois males

Este pecado está divido em dois pontos: o pecado do “menos pior” aparece quando um produto de uma categoria que não tem benefícios ambientais classifica-se como "verde", como no caso dos cigarros orgânicos; já o pecado da "mentira" ocorre nos casos em que a empresa faz alegações ambientais falsas. “Geralmente os resultados informados não são verificáveis, ou seja, nenhuma terceira parte os classificou como válidos”, ressalta a consultora sênior da Keyassociados.

*publicado por Lygia Haydée (Exame) em www.sustentabilidades.com.br
(imagens por Pramod Bhagat em www.theepochtimes.com)