20 junho 2016

CONSUMO E SOCIEDADE


A beleza salvará o mundo?*




Desde Max Weber sabemos que o capitalismo tem necessidade de um conjunto de crenças, de uma espécie de “espírito” que contribua para justificar a sua ordem e para motivar a adesão dos indivíduos. 

O espírito primeiro do capitalismo afirma-se através de deveres que prescrevem uma conduta racional no trabalho, uma ética puritana que condena os prazeres da riqueza, as alegrias e o hedonismo da vida mundana, ou quaisquer outros valores que o distanciem de sua lógica utilitarista. 

Ora, o novo espírito do capitalismo busca legitimidade em valores opostos aos estabelecidos por Weber e seu “desencantamento do mundo”.

Pelo contrário, trata-se, ao longo das últimas décadas, de se “reencantar o mundo” a qualquer custo. Vivemos uma espécie de “inflação” do domínio estético sobre todas as áreas da vida humana. 

A atividade estética do capitalismo, que antes era periférica, torna-se estrutural e exponencial. O capitalismo cognitivo, criativo, artístico, estético, seja como for denominado, necessita de mais beleza, mais prazer, mais consumo! 

A estetização do social (ou o consumo estético-turístico do mundo) é um fenômeno que se repete em outros domínios, como o econômico. A economia se estetiza, pois busca se equilibrar entre razão e emoção, entre a cultura e o mercado. Dessa forma, ela se desmaterializa para se dedicar às dimensões imateriais do consumo. 

O estilo passa a ser um imperativo também no domínio econômico e ele se expressa de várias formas: a generalização do design, a mistura de gêneros e a proliferação de bens e serviços culturais. 

Se a oferta dos produtos culturais é imensa, temos cada vez mais a impressão de que o nosso acesso se dá ao produto padronizado, ao produto industrializado: assim, vivemos em um mundo de “diversidade homogênea”. 

Com a decadência do político, será a beleza que salvará o mundo? Podemos garantir o triunfo do homo-aestheticus sobre o homo-faber? Penso que a apropriação dos bens imateriais pelo capitalismo produziu uma sociedade fetichista, voyeurista e tão performática quanto tediosa. 

Afinal, com o esgotamento das grandes oposições entre arte e indústria, cultura e entretenimento, imaginação e negócios, criatividade e marketing, cidade e shoppings, tudo parece submergir ou emergir a favor de um mundo kitsch, fake, eclético, monstruoso por se mostrar em excesso, seja nos bairros ricos quanto nas periferias. 

Tudo sucumbe à sedução estética. Embora belos, tristes tempos...



*Ex-titular da SEDUC-CE, a professora
e pesquisadora da UECE Cláudia Leitão
é também consultora em Economia Criativa.
*Publicado em www.opovo.com.br