23 fevereiro 2015

RESPONSABILIDADE POLÍTICA


As duas secas


Crise hídrica, estresse climático, escassez no abastecimento — qualquer nome que se queira, menos "seca". Como tópico semântico, a "seca" define o Nordeste e sua terra literária e cinematograficamente calcinada. De geografia abundante, o Sudeste não conhece a linguagem da esqualidez e do flagelo.

Como lembra o escritor cearense Ronaldo Correia de Brito em entrevista ao Suplemento Pernambuco, a falta d’água de São Paulo tem nomes que convenientemente a distanciam da falta d’água nordestina. Notar essa diferença é entender como uma mesma realidade de estiagem ganha leituras políticas enviesadas.

Senão, vejamos. A seca de São Paulo tem um sabor circunstancial; a do Ceará, de um atraso social e econômico atávico. A de lá nasce de falha técnica e do desvio no discurso da norma racional; a nossa é infortúnio. 

A de lá tem razões práticas e soluções à vista para corrigir a inépcia do governo; a nossa se relaciona com o mito, do qual os políticos costumam tirar o sustento eleitoral a cada dois anos.

A seca do Sudeste não se presta a elaborações estéticas; a nossa é parte inseparável da paisagem intelectual e artística.

Reveladas as manobras de construção do sentido das palavras, as duas secas, porém, acabam se revelando uma só. Lá, o governo do Estado a evita. Aqui, porque entendida mais como fenômeno da natureza do que tragédia social, os governos a adotam sem pudor. 

Lá, a despeito das torneiras vazias, a seca é uma realidade estrangeira; aqui, pela forte presença, é quase um sentimento.

O Ceará convive há décadas com uma aguda crise de abastecimento. Cravado no semiárido, o Estado nasceu mergulhado em estresse hídrico, do qual sai apenas em anos bissextos.

Longe de nossa realidade, mas sujeita às mesmas intempéries, São Paulo amarga uma seca que resulta de mazelas cuja origem a aproxima de nós. 

Tanto no Sudeste quanto no Nordeste, a falta d’água é consequência da escassez não apenas das chuvas, mas de responsabilidade política.

*Henrique Araújo é jornalista.
Publicado em www.opovo.com.br.
Imagem em 
http://wallpapers.free-review.net






12 fevereiro 2015

JE SUIS MORTEL


Brasil é 99.º em liberdade de imprensa
no ranking da Repórteres sem Fronteiras*





O Brasil ficou na 99.ª posição no ranking de liberdade de imprensa divulgado hoje (12) pela organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), com a análise das condições de trabalho para a imprensa em 180 países. A colocação representa um ganho de 12 posições em relação à 111.ª posição que o País ocupou no ranking de 2013, 

No relatório apresentado hoje, a RSF comenta que o Brasil perdeu o título de "País mais mortífero do Ocidente para jornalistas", assumido atualmente pelo México, que ocupa a 148.ª posição no ranking geral de liberdade de imprensa. 

No ano passado, dois jornalistas foram assassinados no Brasil por motivos diretamente relacionados ao seu trabalho, enquanto três foram mortos no território mexicano.

A organização afirma que o Brasil “tornou-se um pioneiro na proteção dos direitos civis online, por meio da adoção do Marco Civil da Internet". 

A Repórteres sem Fronteiras ressalta ainda que “a segurança dos jornalistas e a concentração da propriedade da mídia nas mãos de poucos, no entanto, continuam sendo os principais problemas”.

O relatório também lembra que muitos atos de violência contra jornalistas foram cometidos durante a onda de protestos que tomou as ruas do País. “Um relatório da Secretaria de Direitos Humanos em março de 2014 sobre a violência contra jornalistas enfatizou a participação das autoridades locais e condenou o papel da impunidade na sua repetição constante.”

Na América do Sul, o país mais bem localizado no ranking da liberdade de imprensa é o Uruguai, na 23.ª posição. Depois, antes do Brasil, aparecem Suriname (29.ª), Chile (43.ª), Argentina (57.ª), Guiana (62.ª), Peru (92.ª) e Bolívia (94.ª). Depois aparecem Equador (108.ª), Paraguai (109.ª), Colômbia (128.ª) e Venezuela (137.ª).

De acordo com a RSF, 69 jornalistas foram assassinados em todo o mundo em 2014, dez a menos do que em 2013. 

Em 2015, apenas em janeiro, 13 jornalistas foram mortos em crimes ligados diretamente a suas atividades profissionais: oito na França, funcionários do periódico Charlie Hebdo, e cinco no Sudão do Sul.


*Publicado por Danilo Macedo em http://agenciabrasil.ebc.com.br.
Edição: Jorge Wamburg. Imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil.





02 fevereiro 2015

ACABOU. FIM


Seja bem-vindo(a) à era da escassez*


Você sabe da última? Entramos na era da escassez. O mundo agora é assim. Está cada vez mais comum se falar na última. A última gota, ponta, semente, vez que você viu uma estrela no céu na cidade de São Paulo. Quando foi mesmo?

A água pode acabar. Existe gente que jura que dá para ficar sem tomar banho. Mas uma pessoa de bem, um pai de família, uma mãe de criança, empresária, conseguiria viver sem chocolate? Difícil. E o pior: a produção de cacau não tem dado conta para tantos dedos querendo se lambuzar com bombons, tabletes, cremes.


Onde estão os picolés? Saudades das velhas Kombis que vendiam cachorro-quente. Raridade. Nas festas do interior, as barraquinhas ofereciam pinga, marvada, imaculada, branquinha, bagaceira, a-que-matou-o-guarda.


Hoje a cachaça só entra se tiver nome bonito, aliás qualquer coisa só entra desse modo. O sujeito não sai de casa se não for para conhecer um espaço diferenciado. E, em vez de enfiar o pé na jaca, mergulha os calcanhares no leito de rúculas ao molho de iogurte, oréganos frescos e damascos da Polinésia. É o pé na jaca gourmet, com o perdão da cacofonia.


O Orkut acabou; a Petrobras, dizem. Os ascensoristas não estão mais dentro dos elevadores, substituídos por vozes mecânicas. O Eike deixou a lista dos bilionários. E nem Clarice Lispector teve um repertório tão vasto de frases para as redes sociais, da forma que querem fazer você acreditar.


O livro impresso vai acabar algum dia? Pode ser que os leitores acabem antes do livro. O mundo politeísta assistiu ao nascer do monoteísmo, até que se declarou Deus morto, ou, quem sabe, ele nunca tenha existido.


A crônica esportiva procura entender por que o nosso futebol acabou. A extinção da paixão pela camisa, do improviso do craque brasileiro. Os analistas do mercado querem descobrir por que a economia desaqueceu. O PIB sumiu. A arara-azul e o mico-leão-dourado faz muito também não aparecem por essas bandas.


A vida como a gente conhecia não existe mais. Ficou nas fotografias, que de uns tempos para cá não desbotam. Permanecem coloridas e vivas, como se o momento registrado tivesse acabado ontem ou uma hora atrás. O clima mudou, as geleiras estão derretendo, os rios estão secando. Pode faltar luz nos próximos meses.


Acabou o dinheiro – o meu, pelo menos. A paciência da população, a vergonha dos políticos, a revolta junina, o espaço para tanto silicone, o carnaval de outrora, o amor.
O amor acabou sem nem avisar com antecedência.

Um dia o homem acordou, pulou da cama e disse a ela: não dá mais. Logo os dois, que tinham amado Paris, amado Veneza, amado a primeira vez que fumaram maconha, amado aquele filme do Woody Allen. Amaram tanto tudo que faltou amor para continuarem a se amar.


E não aconteceu só com eles. Falta de amor se espalha que nem gripe. Atchim! Beija-se sem amor, casa-se sem amor, transa-se sem amor. E os pais não veem a hora de devolver as crianças, tomarem de volta o pagamento do parto. Chega-se a uma certa idade que a gente não tem mais saúde.


Acabou a atenção. Pessoas andam pela rua batendo a testa, trombando em postes. Olha o celular, digita, esquece a vida. Um exército de seres que estão aqui, mas não estão em lugar algum. Cabeças perdidas em bate-papos, jogos, vídeos de sexo, piadas, notícias. Onde estará de verdade toda essa gente?


Talvez seja por isso que se fale cada vez mais em encontrar outros planetas, galáxias, estrelas. O dia não veio, o bonde não veio, o riso não veio, não veio a utopia e tudo acabou e tudo fugiu e tudo mofou, e agora, José?


Esse planeta acabou, ou está acabando, anote aí, antes que acabe a tinta da caneta, ou a bateria do seu computador.


Uma sonda acabou de pousar em um cometa pela primeira vez, a Nasa anuncia para os próximos anos uma missão tripulada inédita para Marte. Candidato, seu tempo acabou. A lei acabou no Brasil, acabou a promoção no
shopping, na 25 de Março, na Rua da Alfândega.

Acabou a privacidade, o Calendário Maia. Acabou o coletivo, agora cada um só quer saber de si.

Não tem mais o que acabar por esses lados, vamos acabar com o que a gente ainda nem conhece direito. O que pode ser destruído na Lua? Em Júpiter? Saturno ainda perde seu anel em um assalto interestelar.

Enquanto houver este texto é possível ter a garantia de que algo continua, a esperança, mas nem isso. Acabou a linha, acabou o espaço, acabou o texto. Fim.

*Eduardo Shor é jornalista e autor do livro Amor do Mundo.
Imagem: Shutterstock. Publicado em www.pagina22.com.br


ÁGUA EM CRISE


Equipamento consegue atrair
chuvas para regiões desérticas

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Uma das grandes preocupações da humanidade atualmente é a crise da água, recurso cada vez mais escasso no mundo, e que hoje atinge até o Sudeste brasileiro — não mais apenas o Nordeste. 

Ao pensar nisso, a fundação alemã  Desert Greening criou um dispositivo que leva chuva a locais secos. Semelhante aos para-raios, o sistema atrai nuvens e chuvas em um raio de aproximadamente 200 km².

Desenvolvida com base em um método desenvolvido pelo psicanalista austríaco Wilhelm Reich, o chamado “cloudbuster”, a tecnologia é constituída por um conjunto de tubos de metal que fazem uso da física orgânica para conseguir produzir chuva.


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A fundação, que tem como filosofia cuidar do bem-estar das pessoas e do meio ambiente, testou seu dispositivo no sul da Argélia, na África, região desértica e com altas temperaturas. No local, havia apenas uma fazenda que alimentava as famílias da região.

Desde 2005, os alemães têm aplicado a tecnologia e afirmam que está chovendo mais, e consequentemente, há mais árvores e vegetação no local. Atualmente existem 3 mil árvores frutíferas, que produzem maçãs, peras, damascos, figos, limões e laranjas, e ainda outros vegetais.

Assista a um vídeo sobre o dispositivo (tenha à mão o dicionário de Alemão!):