18 fevereiro 2021

Para o alto, e avante

 


 

“Superman Ano Um”, escrito por Frank Miller e arte-finalizado por John Romita Jr., acrescenta inusitados e saborosos pontos de vista à saga de Kal-El / Clark Kent / Superman e seu séquito de personagens e vilões. Definitivamente a dupla se esmerou para demonstrar que o que estavam compondo não seria, nunca, "mais do mesmo".



São camadas e mais camadas emocionadas e emocionantes, que investigam as possíveis experiências vividas nas ambientações em que a lenda do Homem de Kripton ocorre, trazidas à tona sob o peso da verve aguda do tarimbado Miller, para valorizar cada cena do seu frenético e ansioso desenvolvimento, com novas e pungentes descobertas.



E olhe que muita gente boa e graúda do ramo já escreveu e desenhou essa gênese do Superman, sem atingir estes recônditos! Nesta visão atualizada, os desenhos respondem satisfatoriamente ao chamado, em 3 volumes publicados aqui pela Panini  / DC Black Label, entre março e maio de 2020.



E voa...! Ele é capaz de...!



Colecionando os dias alheios





“Buscavidas” do argentino Carlos Trillo e  do uruguaio-argentino Alberto Breccia, reúne histórias publicadas nos  anos 1980, em que um estranho e rotundo personagem caça relatos da vida de pessoas de todo tipo, como ocupação integral. Não se sabe quem ele é, ou de onde vem, e seus traços fisionômicos são inexpressivos.

Não obstante, tais relatos têm, invariavelmente, tortuosos e surpreendentes enredos, cujos desfechos nunca são felizes, catalogando, para os “arquivos” deste “colecionador”, contextos tão exóticos quanto familiares, retratando a sociedade contemporânea que habitamos.



Há sempre um detalhe mórbido ou picaresco nessas histórias, e os desenhos, sim, os desenhos em P&B de Breccia  que magistralmente já colaborara com o também argentino Héctor Oesterheld (roteirista desaparecido em 1977 durante a ditadura militar) em “El Eternauta”, onde desenvolveu sua ímpar criatividade , evoluíram para um traço inimitável, avassalador, desnorteante, muito particular. 


O artista afronta limites acenando caricaturalmente à técnica do chiaroscuro e transcende o comportamento e as fronteiras possíveis de uma história em quadrinhos: se Trillo é genial, Breccia é bestial. 

Os dois juntos vieram celebrar um encontro póstumo, nesta versão brasileira da Comix Zone (2020), que é verdadeiramente para connaisseurs. Confira.



Guerra, amores e solidão

 

 


“Mattéo” (volumes I e II), de Jean-Pierre Gibrat, é uma série de 6 álbuns editada pela francesa Futuropolis desde 2008; nestas edições em capa-dura da Library of American Comics LLC / IDW de 2018-19, o artista conta a história do jovem filho de um anarquista espanhol que evita a Guerra Civil em seu país viajando à Rússia e vivenciando o confronto entre França e Alemanha, durante a Primeira Guerra Mundial.

O detalhe é que, entre suas longas jornadas e as encarniçadas batalhas travadas em imundas trincheiras, o atormentado Mattéo (caracterizado como alto, magro e atraente) sempre dá um jeito de refugiar-se nos protetores braços de belas e altivas companhias...




Ao longo de suas muito bem planejadas páginas, Gibrat nos descortina todo o horror histórico das cruentas batalhas da época, provocando reflexões diversas, enquanto
segue envolvendo seus personagens em pausas que os levam a afastar a barbárie e desfrutar primaveras, praias, bistrôs e ardentes romances, espelhando o que há de melhor nos quadrinhos europeus do século XXI. 





Será que sai por aqui? Em Portugal publicaram quase tudo. A ver.



A Ilha do Dr. Moreau


Será mais uma outra versão quadrinizada do clássico de Herbert George Wells? 

Bastante mais! Adaptada por Ted Adams (Diablo House), com desenhos de Gabriel Rodríguez (Locke&Key) e cores de Nelson Dániel, esta graphic novel de luxo traz ainda (para fãs, estudiosos e apreciadores de quadrinhos) uma sequência de 50 páginas dos ótimos desenhos originais, em lápis azul. Uma aula.

A interpretação dos autores para o conto, porém, é única, robusta, moderna e atualizada, com muito ritmo e discussões sensíveis e oportunas sobre as crenças e atos que envolucram a polemissíssima criatura humana, que soberbamente crê “reinar” sobre a vida no planeta Terra.

Os animais serão mesmo escravos do Homem?



Descubra enquanto se encanta com o vigor e o lirismo (?) deste lançamento Panini/IDW em 2020.


RED MEAT não é só “carne vermelha”? É não...

 


Realmente ainda me surpreendo ao constatar que muitos leitores acreditam que “quadrinhos” são apenas gibis da “Turma da Mônica” (aargh!), além de patos, ratos e cães da Disney, caubóis e detetives justiceiros e supersseres que também se exibem nas telas dos cinemas e da web, brigando o tempo todo com supervilões e entre si.

Na verdade, nos quadrinhos existe e sempre existiu todo tipo de narrativa possível, assim como na literatura, e até existem aqueles que ninguém conseguiria imaginar: este é bem o caso da tira independente e alternativa “Red Meat” - uma expressão frasal que, além de referir-se ao corpo humano sexualizado ("meat"), também acolhe temas políticos que confrontam e assustam a extrema direita.


Então, preparem-se, porque o que seu autor, o cartunista americano Max Cannon faz, é barbarizar e horrorizar qualquer conservadorismo, sem ética ou pudor, com sua estética fria e seus sociopáticos e/ou cruéis comentários.

 Após sua estreia em 1989, “Red Meat” foi publicada em mais de 160 jornais, notadamente semanários alternativos e jornais universitários, nos EUA e outros países. Este livro é uma compilação, entre as três disponíveis no site: a partir de 1996, o trabalho de Cannon passou a ser apresentado exclusivamente online (acesse www.redmeat.com/).