09 julho 2008

NA OMELETE QUEBRAM-SE OVOS

O supermercado é político


Falar que o “supermercado é político” é dizer que o mais privado dos atos — o de buscar alimento e garantir necessidades primárias — não se encerra na hora de pagar a conta. A escolha do produto até pode dar-se por razões econômicas, busca de qualidade ou, ainda, ideologia.

Contudo, ao escolher um produto também se escolhe, querendo ou não, uma forma de produção, um tipo de relação de trabalho, um determinado impacto ambiental.

Em suma, comprar algo é trazer para casa, além do produto, a sua cadeia de fabricação e as conseqüências. Ignorar esses fatores é se proteger de duas conseqüências do conhecimento: liberdade e responsabilidade.

Dados de recentes pesquisas demonstraram que produtos orgânicos possuem mais nutrientes que os alimentos da produção linear. Ou seja, não é apenas uma questão de quantidade, mas de qualidade. Pode até ser que a agricultura orgânica não produza tanto quanto a linear, mas alimenta mais.

O artigo Comparação da qualidade nutricional de frutas, hortaliças e grãos orgânicos e convencionais, publicado no Jornal de Medicina Alternativa, relata que produtos orgânicos contêm, em média, 29,3% mais magnésio, 27% mais vitamina C, 21% mais ferro, 26% mais cálcio, 11% mais cobre, 42% mais manganês, 9% mais potássio e 15% menos nitratos.

Indo mais além, conforme relatório do Environmental Group, atualmente, ao completar um ano de vida uma criança já recebeu, por conta do consumo de alimentos convencionais, a dosagem máxima aceitável pela OMS-Organização Mundial de Saúde de oito pesticidas altamente carcinogênicos para uma vida inteira.

Para além das questões nutricionais, alimentos orgânicos e de agricultura familiar contribuem para a empregabilidade no campo. O que evita o êxodo rural, e, por conseqüência, o aumento de favelas em centros urbanos.Um outro dado importante é que quem produz alimento para o brasileiro não é a produção convencional ou linear ou o agronegócio, mas a agricultura familiar e orgânica.

Mais da metade do feijão vem da produção familiar. No caso do arroz, mais de um terço e, da mandioca, 90%. Estas são algumas informações que demonstram a importância do setor na economia brasileira — um setor responsável por uma média de 10% do PIB-Produto Interno Bruto nacional, conforme dados da FIPE-Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas. E, mais, o que realmente alimenta é a produção de grãos, vegetais e hortaliças.

A carne de suínos, aves e bovinos não é o alimento mais completo em nutrientes ou que vai estar na mesa de todos os brasileiros. O Brasil é campeão de exportações. E Santa Catarina orgulha-se dos seus números. No entanto, ao exportar a carne produzida por aqui também se exportam a água potável, os milhões de hectares utilizados para alimentar os animais, as florestas queimadas.

A única coisa que fica são os resíduos. A EPAGRI-Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina S/A revela que as fezes dos 5,6 milhões de suínos que existem no Estado produzem 9,7 toneladas de dióxido de carbono por dia. Para 1 kg produzido de carne de suíno ou bovino, gera-se o equivalente a 8 kg de excremento. Imagine levar tudo isso para casa ao comprar um inocente pacotinho de presunto para o sanduíche?

Não levamos. Desde 2005, no Brasil, há mais bois e vacas que homens e mulheres: 200 milhões de bovinos ocupam um espaço três vezes maior do que toda a área cultivada no País e consomem quatro vezes mais água. Se for uma questão de aumento da riqueza nacional e de estratégia para matar a fome dos brasileiros, a nossa matemática não está bem certa.

Afinal, o agronegócio nem emprega tanta gente assim e os custos ambientais com a poluição de rios, solo, mananciais e emissão de metano são revertidos ou para o preço final do produto ou para o Estado, que terá mais gastos com saúde e políticas para despoluição. Aí, quem paga a conta somos todos nós, querendo ou não, sabendo ou não.

Foi-se o tempo em que comprar mandioquinha, feijão ou ovos era só comprar mandioquinha, feijão ou ovos. Quando se leva ovo para casa, o da produção convencional, se está chancelando, incentivando e financiando um processo que trata animais como coisas, que ignora que sentem dor e que possuem uma forma própria de viver a vida.

Além disso, este processo os faz viver de forma confinada, sendo alimentados com uma ração que contém tantos aditivos que os transforma mais em uma pasta química do que em seres vivos. Nem o peitinho de frango se salva.

Ir ao supermercado é, sim, fazer política. É fazer escolhas. É dizer que tipo de produção de alimentos queremos e que tipo de empregos queremos financiar. O ato de escolher e comprar o que se vai consumir pode ser silencioso, mas é muito poderoso.

*Samantha Buglione (foto) é jurista e professora de Teoria do Direito e Bioética. Coordena o CLADEM-Brasil (Comitê Latinoamericano e do Caribe para Defesa dos Direitos da Mulher)

SAIBA MAIS
www.cladem.org

VOVÓS METRALHA

Chapeuzinho Vermelho reloaded?


Pois é, a cada dia que passa e que vivo, cada vez mais me espanto com as coisas do Brasil. Leio recentemente pelos jornais que foi desarticulada uma bem-organizada quadrilha de vovós — todas de aparência tão inofensiva quanto um beija-flor, mas que eram, na verdade, um geriátrico bando de exímias meliantes. As espertas macróbias integravam uma gangue especializada em furtos a lojas, shoppings e igrejas dos nossos chamados "bairros nobres", agindo em Fortaleza e em capitais de outros Estados.

As velhinhas atacavam as incautas vítimas com uma perícia de veteranas profissionais. Pelo que se vê, apesar dos discursos ufanistas de nossos bem-intencionados governantes, nosso torrão natal transformou-se num paraíso de gatunos de todos os calibres, de todas as espécies, de todas as idades. Até as idosas estão abraçando (dedicadas com intimorato afinco) a carreira do crime, especializando-se em vários ramos da bandidagem — inclusive o lucrativo tráfico de drogas nacional e internacional.

Do jeito que marcha a carruagem, não duvido de que, em breve, teremos vovós pistoleiras profissionais. Em quem agora podemos confiar, ao caminharmos não mais despreocupadamente pelas ruas da cidade? E se alguma velhinha, de rostinho simpático, faces rosadas, andarzinho trôpego, me pedir para ajudá-la a atravessar uma rua?

Quem me garante que ela não me vai bater a carteira com a maestria de um um punguista peruano? De agora em diante, não se contará jamais a história da Chapeuzinho Vermelho, porque, sabe-se lá se o verdadeiro fato não foi um seqüestro de conluio com o lobo mau? E aquela velhinha ao seu lado no caixa-eletrônico, o que estará tramando contra você?

Tristes tempos vivemos no Brasil de hoje, em que se perdeu até a confiança nas vovós e a velhice nos mete medo como se fosse um pivete, um assaltante armado até os dentes, o sujeito que nos segue quando saímos de um banco com um minguado dinheirinho que significa a nossa sobrevivência.

Que desgraçado País é este, em que a simples visão de uma cabeça aureolada de cabelos brancos não nos impõe mais respeito e sim, um laivo de medo? Sim, as vovós-metralha estão à solta e eu, capiongo e gravebundo, me pergunto: o que virá depois?


*O médico psiquiatra e escritor cearense Airton Monte é um atento cronista de sua época. A imagem retrata The Beagle Family (a Família Metralha), da obra de Walt Disney