22 outubro 2009

VELHA CIVILIZAÇÃO, NOVOS MODELOS

Momento decisivo


Os modelos de produção agrícola, de uso do solo e de aproveitamento dos recursos naturais que caracterizaram o século 20 não são sustentáveis — e trouxeram uma crise de abastecimento hídrico, graves alterações climáticas, escassez de matérias-primas e de fontes de energia tradicionais, entre outros problemas. O mundo — e o Brasil em particular — vive atualmente um momento decisivo para a escolha de novos modelos de civilização.

Em síntese, esta é a análise que pesquisadores em diversas áreas, reunidos terça-feira (20/10) em São Paulo, fizeram durante o seminário Desafios socioambientais para o século 21, realizado pelo IEA-Instituto de Estudos Avançados da USP-Universidade de São Paulo, que homenageou o geógrafo e ambientalista Aziz Ab'Saber (foto).

O evento foi promovido em conjunto por diversas entidades nas quais Ab’Saber atuou: IEA, SBPC-Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, AGB-Associação dos Geógrafos Brasileiros e o Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFLCH) da USP.

“Há muitos anos venho refletindo sobre o Brasil e posso afirmar que um dos maiores problemas da nossa terra é a dificuldade que temos na socialização do conhecimento. Os políticos, de modo geral, não querem ouvir os cientistas e não estão interessados em usar o conhecimento para transformar a realidade. Os geógrafos não têm conseguido mostrar a eles a originalidade do conjunto do País, de sua territorialidade e de seus recursos fantásticos”, afirmou Ab’Saber durante a sessão em sua homenagem.

De acordo com o coordenador do seminário, Wagner Costa Ribeiro, pesquisador do IEA e professor do Departamento de Geografia da USP, o evento foi concebido com o objetivo de resgatar aspectos da trajetória de Ab’Saber, analisando e discutindo o tema dos desafios socioambientais.

“Entre tantas virtudes do professor Ab’Saber, uma das maiores é a profunda capacidade de projetar e analisar cenários. Por isso, achamos que a homenagem ideal a ele seria propor uma reflexão sobre a condição contemporânea, projetando cenários futuros e mostrando como a obra dele continua influenciando a busca de alternativas que resultem em maior inclusão social e resolução de problemas ambientais”, contou Ribeiro à Agência FAPESP.

Segundo Ribeiro, a necessidade de optar por novos modelos agrícolas e energéticos motivou a realização do seminário. “É um momento propício para a discussão e proposição de alternativas e modelos. A sociedade brasileira precisa ter consciência de que ainda é possível pensar em modelos de desenvolvimento que sejam mais adequados às condições socioambientais do País. Mas, para isso, é importante pensar de maneira integrada — como sempre propôs Ab’Saber”, explicou ele.

Durante o seminário, Carlos Alfredo Joly, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas e coordenador do Programa Biota-FAPESP, apresentou palestra sobre o tema “Biodiversidade e mudanças climáticas: de Copenhague a Nagoya”. Para Joly, no Brasil as questões da conservação da biodiversidade e das mudanças climáticas estão fortemente associadas, já que a principal fonte de emissão de dióxido de carbono no País é o desmatamento e a queima de florestas.

“Estamos contribuindo com o aquecimento, enquanto poderíamos estar ajudando a reduzi-lo significativamente. Se diminuirmos em 50% o desmatamento de forma sustentável, isso significaria redução total de 35% dos gases de efeito estufa. Por isso, acho que a posição de negociação do Brasil na Convenção de Mudanças Climáticas tem sido muito tímida”, disse o pesquisador à Agência FAPESP.

Para Joly, o Brasil deveria estar na liderança das negociações sobre mudanças climáticas, principalmente porque o País tem boa matriz energética hidrelétrica e dispõe de um combustível renovável, que é o etanol. E, segundo ele, a redução brasileira de emissões de gases do efeito estufa não configura um impedimento para o desenvolvimento econômico.

“Em 2010 vamos ter a COP10 da Biodiversidade em Nagoya, no Japão, onde os países terão que demonstrar que cumpriram os compromissos assumidos em 2002 na convenção realizada na Holanda, como a redução da perda de biodiversidade. Se não mudarmos o modelo que está derrubando florestas para transformá-las em áreas de pecuária, não vamos chegar nem perto de cumprir essas metas”, advertiu Joly.

Segundo ele, se o governo brasileiro assumir — na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP15), que será realizada em dezembro — metas internacionais da ordem de 40% de redução de emissão de gases do efeito estufa, este patamar ainda permitiria que o País continuasse com taxas de crescimento de 4,5% a 5% para a próxima década.

Paisagens diferentes
Vera Lúcia Imperatriz Fonseca, professora do Instituto de Biociências da USP, apresentou a palestra Serviços ambientais, agricultura e conservação no Brasil. Segundo ela, o uso inadequado da terra para fins agrícolas tem causado grandes impactos na conservação da biodiversidade.

“Temos trabalhos científicos que mostram como, no Mato Grosso, houve, entre 2002 e 2005, um grande surto de desmatamento. Quase um terço do cerrado no Estado foi consumido para o agronegócio nesse período. Foi uma expansão fantástica dos negócios, mas não conseguimos conciliar a agricultura com uma paisagem sustentável. Temos que trabalhar em um novo modelo agrícola e de conservação. Mas, por enquanto, o modelo que temos à disposição baseia-se em grandes extensões de plantio”, criticou ela.

De acordo com Vera Lúcia, o conjunto dos estudos mostra que é preciso desenhar uma nova paisagem agrícola, mantendo áreas conservadas junto às plantações a fim de garantir a manutenção de serviços ambientais como a polinização. “Observamos casos como o do açaí, que, ao ganhar importância econômica, estimulou pequenos agricultores de certas áreas da Amazônia a derrubar a floresta para plantá-lo. No entanto, com isso desapareceram as abelhas presentes nessas florestas, que eram responsáveis pela polinização do próprio açaí. A própria produção dependia do serviço ambiental prestado pelas abelhas”, completou.

José Roberto Moreira, do IEE-Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, falou sobre Desafios ambientais: a questão da energia e dos recursos hídricos. O executivo alertou para um grave problema de política internacional que envolve a questão ambiental e a produção de biocombustíveis — em particular o etanol e o biodiesel.
“As nações ricas não têm possibilidade de produzir o etanol a partir da cana-de-açúcar, que é sem dúvida a melhor a fonte de produção de energia, a mais sustentável, que cria menos problemas sociais e ambientais. Esses países, portanto, estão criando barreiras técnicas para justificar e poder limitar a importação deste produto de países tropicais”, concluiu ele.

Moreira apresentou estudos que vêm sendo realizados nos EUA e na União Europeia, voltados a embasar a criação de um protocolo de certificação de produtos derivados da biomassa para exportação. “Esse protocolo, observado até um determinado grau de complexidade, ajuda e estimula a produção de bioenergia, melhorando suas condições e até mesmo trazendo vantagens para o Brasil. Mas, a partir de certo ponto, ele cria custos excessivos, que podem impedir a competição internacional. Estamos preocupados em relação a essa certificação”, apontou.

Segundo informou Moreira, a certificação exigirá demonstração rigorosa dos impactos ambientais e sociais, com provas de que haverá retorno econômico para as populações de baixa renda. “Isso é bom a princípio, mas eles estão imaginando que o fato de substituir um combustível por outro será suficiente para acabar com a miséria do mundo. Trata-se de um ponto de vista extremamente infantil: na realidade, esses países estão usando argumentos ditos 'técnicos' para criar barreiras aos nossos produtos”, alertou.

Participaram ainda do seminário o diretor do IEA, César Ades, Claudio Antonio Di Mauro, da Universidade Federal de Uberlândia, Nabil Bonduki, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, e Odette Seabra, José Bueno Conti e Elvio Rodrigues Martins, os três da FFLCH-USP, que veicularam os temas Metrópole paulistana: qualidade de vida e proteção ambiental e Transformação da paisagem brasileira.

*Texto assinado pelo editor da Agência FAPESP, Fábio de Castro

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