24 março 2010

"NÃO!" À RENDIÇÃO

Crise civilizatória*



As relações políticas são regidas por uma natureza especial, que é a conquista do poder. Nesse particular, diferem bastante das relações humanas comuns -- que são geridas pelos impulsos da paixão.

A política no mundo capitalista moderno tem se movido destruindo as bases que sustentavam as teorias políticas prevalecentes até o crepúsculo do século passado. O século XX foi um retrato da decadência dos pilares em que se estruturava a dinâmica e a evolução do progresso humano e político.

Ao mesmo tempo em que se valorizavam os princípios democráticos, na busca de eternizá-los e torná-los universais, desmanchavam-se pelas mãos invisíveis dos macrointeresses das corporações mundiais as partículas e os núcleos genéticos do fazer e realizar a política.

Daí a decadência dos partidos políticos e a mutação social advinda do crescente enfraquecimento da classe operária, desenraizada da vanguarda revolucionária, derivado dos avanços tecnológicos. O novo mosaico apagou o papel imaginado de força inata revolucionária, que tanto adubou o pensamento científico e utópico libertário de muitas gerações.

O mundo mudou de rotação e os velhos pensamentos pereceram pelos (des)caminhos inusitados da História. A crise mais retumbante é a da paralisia do pensamento intelectual acerca da complexa realidade.

Os utensílios conceituais que confortavam os intelectuais são hoje peças obsoletas, geradoras de perplexidade diante da marcha insensata dos acontecimentos. Há um sentimento de solidão no mundo, uma busca de refúgio nos esconderijos do individualismo. E, quando muito, uma tendência a se deleitar nas catedrais da distração do consumo.

As coisas banais da vida passam a ganhar relevo, tomando o precioso tempo da engenhosidade humana de compreender e transformar o mundo. Vivemos dos pequenos ódios, das alegrias fabricadas e da sede inconsequente de levar vantagem em tudo.

É uma crise civilizatória que atinge de cheio a nossa capacidade de raciocínio e imaginação. Há um vazio pairando no ar, que nos paralisa diante da bestialidade dos debates públicos e das mediocridades da vida privada.

A afetividade das relações pessoais se esfacela, gerando falta de generosidade e humanismo. Existe algo estranho dominando o comportamento humano, fazendo definhar a amizade, o carinho e a família.

Tudo parece ter virado um grande balcão de negócios, no pulsar egocêntrico do universo público e da intimidade. Talvez seja o apogeu da crise dos valores éticos e da decadência humana para enfrentar os grandes desafios históricos e das relações sociais.

Os parlamentos não mais traduzem os anseios coletivos, os partidos políticos viraram isopor, sem cheiro e sem sabor, boiando numa galáxia de interesses de corporações econômicas danosas. Discute-se o nada, propõe-se o inexistente e adiam-se as grandes decisões.

Não obstante, é tempo de repensar os passos, as instituições e a constituição de lideranças legítimas e enraizadas por esses novos eflúvios da contemporaneidade.

Antes, é preciso organizar o sentimento de perplexidade e apatia diante do caos que domina os destinos da humanidade. É insuficiente a crítica improdutiva e a fuga da salvação pessoal e da banalização dos afetos.

Os seres humanos não podem perder sua essência gregária. Não podemos nos render ao processo de desumanização, que só interessa às máfias bélicas e da guerra e ao mercado das drogas, que hoje avançam no domínio do poder.

*Fernando Cartaxo é sociólogo e jornalista